O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi intimado pela Polícia Federal (PF) a prestar esclarecimentos na investigação que apura uma eventual tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. O depoimento está marcado para esta quinta-feira, 22, mas a defesa de Bolsonaro já manifestou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o ex-presidente permanecerá em silêncio durante a audiência.
Segundo Paulo Amador Cunha Bueno, um dos três advogados que representam Bolsonaro na Justiça, o ex-presidente não vai se pronunciar até que a defesa obtenha “acesso a todos os elementos de prova” do inquérito. Não é a primeira vez que Bolsonaro fará essa escolha diante de uma convocação da PF: o ex-presidente já compareceu sete vezes à corporação e, em algumas ocasiões, optou pelo silêncio total ou entregou suas considerações por escrito.
Especialistas ouvidos pelo Estadão ratificam que investigados podem se manter em silêncio diante das autoridades, se assim desejarem. Apesar de garantido no processo legal, recorrer ao silêncio é abrir mão do interrogatório, o instrumento por meio do qual o investigado esclarece à Justiça a sua versão dos fatos.
O que é ‘direito ao silêncio’?
O “direito ao silêncio” vale para inquéritos policiais, depoimentos em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) e até sindicâncias de órgãos públicos. É uma garantia à qual o investigado pode recorrer “quando entender que suas palavras podem ser usadas contra ele”, diz Pierpaolo Bottini, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP).
O conteúdo de um depoimento às autoridades fica registrado no respectivo processo e quem está sendo acusado não é obrigado a produzir provas contra si mesmo. “Não há nenhum tipo de obrigação de colaborar com a investigação”, pontua Thiago Bottino, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. “Quem é obrigado a provar algo é quem está acusando, não quem está se defendendo”, diz o professor da FGV.
Ficar em silêncio é uma prerrogativa estabelecida em lei. Por outro lado, a audiência é o espaço no qual o investigado pode detalhar à Justiça sua perspectiva dos fatos apurados. “O interrogatório é o momento em que a pessoa, ela própria, pode apresentar sua versão dos fatos e se defender”, pondera Bottino.
O direito ao silêncio pode prejudicar o investigado?
Permanecer em silêncio, do ponto de vista jurídico, não é um argumento que favorece a versão da acusação, muito menos uma admissão de culpa do investigado. “Nenhuma autoridade pública pode se valer do (direito ao) silêncio para fundamentar condenações ou quaisquer intervenções nos direitos do investigado”, diz Pierpaolo Bottini.
O andamento do inquérito não pode se valer desse fato para imputar culpa ao inquirido ou mesmo endurecer uma sentença. “Nenhum tipo de consequência pode derivar dessa opção defensiva”, afirma Thiago Bottino.
O investigado tem que comparecer à audiência?
Se o direito ao silêncio é um consenso no mundo jurídico, ainda há um debate quanto à extensão da prerrogativa para que o investigado também possa escolher, eventualmente, faltar na audiência, caso já haja a pretensão expressa de não declarar nada à Justiça.
“O debate segue em aberto mas, a meu ver, não deveria ser obrigado a comparecer. É uma exposição desnecessária”, diz o professor Bottini. Para Thiago Bottino, bastaria uma comunicação oficial por meio da qual se expresse que o investigado permanecerá em silêncio. Esse ofício, segundo Bottino, dispensaria uma audiência do gênero.