O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) atua para vetar apoio do PL a candidatos PSD nas eleições municipais. “Deixo claro: PSD do Kassab eu não apoio ninguém, tá ok?”, diz Bolsonaro em um áudio vazado ao qual o Estadão obteve acesso. A conversa era sobre a eleição em Presidente Prudente, no interior de São Paulo, mas segundo bolsonaristas ouvidos pela reportagem, o veto é amplo e se estende por todo o país.
Aliados do ex-presidente relatam que Bolsonaro culpa o presidente do PSD, Gilberto Kassab, pelo voto favorável de todos os deputados e senadores da sigla ao seu indiciamento na CPMI do 8 de Janeiro. Segundo esses bolsonaristas, o ex-presidente costuma mandar notícias críticas a Kassab em sua lista de transmissão no WhatsApp.
Bolsonaro foi procurado ao longo da semana por meio de seu assessor, Fabio Wajngarten, mas não se posicionou sobre a reportagem. Kassab foi procurado por meio da assessoria de imprensa e também não se manifestou.
Gilberto Kassab é um dos principais articuladores políticos do país e mantém influência nos três níveis da federação. O PSD tem três ministérios no governo Lula e o próprio Kassab é secretário de Governo e um dos auxiliares mais importantes do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), além de conselheiro do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB-SP).
A avaliação é que a rixa coloca Tarcísio, que já cogitou ir para o PSD, no fogo cruzado devido à sua proximidade com Bolsonaro, seu padrinho político, e também com Kassab, que despacha do Palácio dos Bandeirantes e é responsável por fazer a articulação política do governo paulista com a Alesp, o Congresso Nacional e também as prefeituras. O presidente do Congresso e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é do PSD de Kassab.
A postura de Bolsonaro tem desagrado aliados, que eventualmente querem apoiar candidatos da sigla. O PSD governa 51% dos municípios de São Paulo: detinha 66 prefeitos eleitos no Estado em 2020, número que quintuplicou e chegou a 329 no ano passado — parte expressiva deles filiada após Kassab assumir a Secretaria de Governo.
Vice-presidente do PL, o deputado federal Capitão Augusto (SP) afirma desconhecer qualquer determinação na sigla para impedir alianças com o PSD. Ele pondera, no entanto, que o relatório final da CPMI foi aprovado por 20 votos a 11 e que os cinco votos de parlamentares do PSD foram “fundamentais” para o indiciamento do ex-presidente.
“Se o PSD tivesse votado com a gente, o placar seria de 16 a 15. Não haveria indiciamento dos patriotas e nem do Bolsonaro. O PSD poderia ter votado contra o indiciamento e acabou votando a favor. Obviamente, existe uma rusga aí”, disse ele.
O entorno do presidente admite que, em algumas cidades, serão feitas alianças mesmo com a contrariedade de Bolsonaro. Antes da operação da Polícia Federal contra Bolsonaro e aliados na quinta-feira, 8, bolsonaristas em São Paulo ouvidos pela reportagem entendiam que não era o momento de comprar briga e, sim, de buscar o apaziguamento diante do desgaste que as investigações causaram a ele nas últimas semanas.
Após a PF deflagrar a operação e apreender o passaporte do ex-presidente, essa percepção se consolidou, e um novo problema surgiu: o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu Bolsonaro de manter contato com Valdemar Costa Neto, presidente do PL, que está preso por porte ilegal de arma, e com Walter Braga Netto, secretário de Relações Institucionais do partido e que atua como coordenador das eleições municipais.
Foi Valdemar quem convenceu Bolsonaro a apoiar a reeleição de Ricardo Nunes em São Paulo em vez de lançar a candidatura do deputado federal Ricardo Salles (PL-SP). O PSD declarou apoio ao atual prefeito da capital paulista em dezembro.
Na ocasião, Nunes disse que, quando assumiu o cargo em 2021, após a morte de Bruno Covas, procurou Kassab para receber orientações sobre a administração municipal. O presidente do PSD governou a capital paulista entre 2006 e 2012.
“Olha, vamos assim, faz assim, vai acontecer isso, vai para lá, vai pra cá. Durante tantos e tantos dias eu ligava para o Gilberto me aconselhar. E a gente que é de periferia, que é humilde, para gente não tem problema em dizer ‘ah eu sou bom, bom, bom’. Não, a gente tem humildade em reconhecer quando precisa de ajuda”, relatou Nunes na ocasião, emendando que Kassab ainda o ajuda na gestão.
Bolsonaristas buscam acordo com PSD em Presidente Prudente
Já na eleição de Presidente Prudente, as gravações obtidas pelo Estadão mostram que Bolsonaro conversava com o medalhista olímpico André Domingos, que entrou para a política e até o fim do ano passado atuava como secretário de Esportes da cidade. Os áudios circulam no município desde o início de dezembro.
Inicialmente, Domingos sugeriu que Bolsonaro apoiasse a candidatura do ex-prefeito Milton Carlos de Mello (PSD-SP), conhecido na cidade como Tupã. Ele, porém, se filiou ao PSD no ano passado, é próximo de Kassab e coordenador do partido na região. Na resposta, Bolsonaro também discute a possibilidade de visitar Presidente Prudente em fevereiro, após o Carnaval.
“André, a chance de eu ir é pequena. Aumenta um pouquinho se eu deixar para a segunda quinzena de fevereiro. Já vê uma data aí, já dá uma convidada no Tarcísio. Lógico que ele topando aumenta minha chance de ir e vamos ver se a gente fecha com um nome razoável para a candidatura a prefeito aí. Deixo claro: PSD do Kassab não apoio ninguém. Deixar bem claro isso aí, tá ok?”, diz Bolsonaro.
custom_embed - assetsNa resposta, André Domingos muda a estratégia, diz que Tupã já foi descartado e sugere o nome do ex-deputado e empresário Paulo Lima, que na última eleição foi candidato pelo PSD. Domingos especula que Lima pode ir para o PL.
“O nome forte para estar no partido e sair como pré-candidato a prefeito se chama Paulo Lima, de PL. Paulo Lima de PL. PL dentro do PL. Tupã e Kassab tá descartado. Você falou, tá falado. Aqui eu sigo ordens, entendeu? Paulo Lima é o nome mais forte que tem e, se sair, com você do lado, não tem para ninguém. A gente vai ganhar disparado com ele aqui. Tá bom, querido?”, responde o medalhista olímpico.
Procurado, André Domingos disse que não estava autorizado a comentar a conversa. Ele acabou atropelando o PL local ao falar direto com Bolsonaro sobre a estratégia do partido na cidade.
Uma ala de bolsonaristas em Prudente defende o apoio a Tupã porque entende que considera que ele fez uma boa administração no passado, e rejeita Lima por ele ser o presidente da TV Fronteira, afilhada da Rede Globo na cidade, e também comandar o braço local do Grupo de Líderes Empresariais (Lide), fundado por João Doria, outro desafeto de Bolsonaro.
“Nós estamos todos aqui aguardando. É sabido da participação do Kassab com o Tarcísio, com toda essa questão no Estado, mas está difícil para a gente. Estamos aguardando o que vai acontecer”, disse Adauto Cardoso, vice-presidente do PL em Presidente Prudente.
Uma possibilidade discutida é um acordo velado, onde o PL não lançaria candidato, mas também não apoiaria oficialmente a candidatura de Tupã. Neste caso, os integrantes do partido na cidade ficariam livres para, na prática, fazerem campanha para o candidato. Questionado sobre como está a negociação para se filiar ao PL, Paulo Lima foi sucinto. “Se for convidado, irei”. Tupã também foi procurado, mas não retornou os contatos da reportagem.