Primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto, o deputado federal Guilherme Boulos (SP) é o candidato do PSOL melhor posicionado na disputa pela Prefeitura de São Paulo desde a fundação do partido em 2004. Apesar desse feito, Boulos enfrenta resistência de uma ala minoritária do partido que questiona escolhas da pré-campanha, como a contratação do marqueteiro Lula Guimarães, que comandou as campanhas de João Doria (2016) e Geraldo Alckmin (2018).
Em âmbito nacional, o grupo liderado por Boulos também encontra oposição interna devido à sua posição de alinhamento com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que apoia a candidatura do psolista à capital paulista. Em junho passado, uma das alas fundadoras do PSOL, a Corrente Socialista de Trabalhadoras e Trabalhadores (CST), deixou o partido em razão da adesão da sigla ao governo Lula. A tendência partidária, entretanto, não tem nenhum político de expressão atualmente.
No mês passado, a disputa pelo controle da legenda chegou ao seu ápice durante o 8º Congresso Nacional do PSOL. O encontro foi marcado por tumultos e troca de socos entre militantes de duas alas diferentes: a Revolução Solidária, de Boulos, e o Movimento Esquerda Socialista (MES), da deputada federal Sâmia Bonfim (SP), que defende a independência do partido em relação ao governo Lula. A chapa do grupo de Boulos conquistou a vitória nas eleições internas do partido, com a historiadora Paula Coradi eleita presidente da sigla com 67,1% dos votos.
Após o episódio, o partido emitiu nota afirmando que “houve um desentendimento entre dois militantes que terminou por acirrar os ânimos e interromper o andamento do Congresso por alguns instantes. A direção do PSOL lamenta o ocorrido. O caso está sob apuração das instâncias responsáveis. O incidente não alterou o curso do encontro que se encerrou elegendo a nova direção e aprovando todas as resoluções previstas”.
Apesar desses conflitos, membros do diretório municipal do PSOL avaliam que existe um consenso entre todas as correntes do partido de apoio à candidatura de Boulos. Em relação à aproximação da campanha ao centro político, há a avaliação de que algum intelectual ligado ao partido, ou até mesmo algum militante autônomo, possa expressar críticas à estratégia de forma pública. Porém, não se antecipa que os gestos de Boulos em direção a setores mais conservadores, como empresários e evangélicos resultem em conflitos dentro do partido.
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A vereadora Luana Alves (PSOL), vinculada ao MES, afirma que, apesar das diferenças entre as alas internas da legenda, não há dúvida de que Boulos é o candidato do PSOL na capital. “Isso é algo com o qual todos os setores do PSOL, tanto aqui em São Paulo quanto nacionalmente, têm bastante concordância”. Crítica à contratação de Lula Guimarães, especialmente pela atuação do publicitário em campanhas contra a mobilização de trabalhadores por aplicativo, Luana esclarece que diferenças como essas são superáveis, mas que isso não impede que parte do partido traga o debate sobre tais questões.
Procurado para se manifestar sobre as disputas internas no PSOL, o deputado federal Guilherme Boulos não se manifestou até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.
Conflitos internos fazem parte da democracia partidária, dizem especialistas
Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, os conflitos dentro do PSOL fazem parte da chamada democracia partidária, visto que as agremiações partidárias podem ser formadas por diferentes frentes, e não deverão comprometer a campanha de Boulos à Prefeitura.
Para Rosemary Segurado, professora de Ciências Sociais na PUC-SP, é próprio da cultura partidária que existam questionamentos sobre os encaminhamentos da campanha, independente de matiz ideológico. “Esse setor do PSOL [que faz críticas ao Boulos] é muito pequeno. Inclusive, ele já teve outras posturas minoritárias que acabam não influenciando nos desdobramentos do partido. Não é uma disputa interna que possa prejudicar a campanha”, afirma a professora.
Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria
O cientista político Rafael Cortez, que é sócio da Tendências Consultoria, tem uma avaliação similar à de Rosemary. Segundo ele, os conflitos internos do PSOL não são os principais desafios da campanha de Boulos. “Na minha leitura, não teremos maiores desdobramentos sobre essas disputas internas. O desafio grande do PSOL, e de Boulos em particular, é reduzir a sua rejeição. Ele tem um piso alto em função do recall elevado de campanhas anteriores, mas certamente ainda é desafiadora a sua rejeição pensando num provável segundo turno”.
Cortez considera ainda que o PSOL passa por um dilema comum aos partidos de esquerdas quando começam a ser competitivos em eleições majoritárias: o de escolher qual será o grau de flexibilidade em relação às alianças e até mesmo ao conteúdo programático. O PT passou por um processo similar no fim dos anos de 1990, culminando na Carta ao Povo Brasileiro em 2002, documento que antecipava a guinada econômica para o centro, que marcou o primeiro governo de Lula (2003-2006). “Isso acontece porque o sistema de disputa majoritária gera um incentivo para posições mais moderadas”, conta.