Brasil é conivente com Rússia ao receber Lavrov e prejudica relação com Ocidente, diz ex-embaixador


Ex-diplomata brasileiro nos EUA e na China entende que declarações de Lula e visita de chanceler russo mostram contradição de posição brasileira na ONU e afeta parcerias estratégicas com G7

Por Gustavo Queiroz
Atualização:
Foto: ALEX RIBEIRO/ESTADÃO
Entrevista comRoberto AbdenurEx-embaixador do Brasil nos EUA e na China e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri)

A soma das declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pediu aos Estados Unidos pararem de incentivar a guerra na Ucrânia, com a visita do chanceler russo a Brasília, Sergei Lavrov, colocam o Brasil em posição de conivência com a Rússia, afirma Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil na China e nos EUA.

Ele acredita que a postura de Lula contradiz a posição formalizada pelo Brasil nas Nações Unidas, que é de condenar a guerra e, além de minar a candidatura brasileira ao Conselho de Segurança da ONU, também prejudica as relações brasileiras com parceiros estratégicos do Ocidente. Em declaração, a Casa Branca disse que a posição de Lula é “profundamente problemática” e “equivocada”, além de repetir propaganda da Rússia e da China.

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“Receber Lavrov mostra uma postura de conivência com a Rússia. Mostra a falta de elementos fundamentais em política externa: objetividade, realismo e moderação na avaliação do que está acontecendo para tomar posições adequadas e ajustar conforme a evolução da situação”, disse Abdenur. Leia a entrevista:

Quais sinais a diplomacia brasileira transmite ao dar peso diplomático à viagem à China e ao diálogo com a Rússia sobre a guerra na Ucrânia em meio a uma rotina de missões oficiais?

O presidente Lula fez gestos importantes ao discursar na COP-27 sobre mudança climática. Depois, foi muito feliz na escolha de Argentina, Estados Unidos e China como primeiros países a visitar. É bom que o Brasil possa convergir com a China em diferentes ideias sobre aperfeiçoamento da governança global, reforma da ONU e apoio ao multilateralismo. Mas era preciso que o governo brasileiro tivesse em mente a estreitíssima parceria entre China e Rússia, como um elemento na condução das conversas e das declarações do presidente. Isso não ocorreu. O presidente foi muito infeliz nas coisas que disse culpando a Ucrânia também pela guerra, quando na real é o país agredido, dizendo que EUA está incentivando e prolongando a guerra, e que é contra a entrega de armas à Ucrânia. Se não fosse a entrega de armas, a Ucrânia teria desaparecido.

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Essa postura faz com que o Brasil tome um lado no conflito?

Desde cedo a suposta neutralidade do Lula coincidiu com a do (ex-presidente) Jair Bolsonaro em ser uma neutralidade leniente ou quase conivente com a Rússia. As palavras do presidente em Pequim e agora a visita do (chanceler da Rússia Sergei) Lavrov ao Brasil foram inadequadas. O que provocou essa reação duríssima e também rara dos EUA dizendo que o Brasil está repetindo a propaganda da China e da Rússia. Houve dois pronunciamentos formais do Brasil sobre a Ucrânia. O primeiro é o comunicado com Biden: os dois governos lamentam a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia que consideram grave violação do direito internacional. Depois, na Assembleia Geral da ONU, o Brasil endossou a resolução que na prática condena a Rússia. (Agora) Lavrov disse que a Rússia deseja uma solução duradoura e não imediata para o conflito na Ucrânia. Está dizendo que a guerra vai continuar e não aceita a sugestão brasileira de um cessar fogo, o que a Ucrânia também não aceitaria no momento. O presidente (Lula) contradisse a posição formalizada pelo Brasil nas Nações Unidas.

Roberto Abdenur: Brasil perde credibilidade para uma atuação verdadeiramente autônoma no plano internacional  Foto: ALEX RIBEIRO/ESTADÃO
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Essa contradição prejudica a posição brasileira nos fóruns multilaterais?

Prejudica a relação bilateral com países que são de importância estratégica para o Brasil. Lula comparecerá ao G7 no final de maio, mas vai chegar lá desconfortável por estar em uma postura que é de quase condenação ao que os países ocidentais estão fazendo em relação à Ucrânia. Essas declarações do porta-voz americano e da União Europeia prejudicam nossas relações com parceiros estratégicos do Ocidente. Lula disse que o Brasil e a China vão trabalhar juntos por uma melhor governança global, mas o Brasil não pode chegar ao ponto de hostilizar os países ocidentais. Receber Lavrov mostra uma postura de conivência com a Rússia. Mostra a falta de elementos fundamentais em política externa: objetividade, realismo e moderação na avaliação do que está acontecendo para tomar posições adequadas e ajustar conforme a evolução da situação. Paradoxalmente, isso prejudica a campanha dele (Lula) por um lugar no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

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A posição oficial é a de que o Brasil quer contribuir com um mundo multipolar, quando há múltiplos centros de poder. Essa é a mensagem que passa ao dar sinais trocados aos Estados Unidos e China?

Apoiar o mundo multipolar o Brasil faz há muito tempo, porque se considera um polo regional. Atualmente você tem uma situação gravíssima no plano internacional, que é a radical confrontação estratégica entre Estados Unidos e China. Está tão aguda que reduziu muito o espaço de quem quer ficar no meio. Exige muita habilidade política e faltou contenção ao presidente nas declarações que deu, porque não se colocou em uma posição no meio do fogo cruzado. No noticiário americano, o único consenso bipartidário é o antagonismo à China. O Brasil deve se portar como um subpolo dentro deste mundo, mas perde credibilidade para uma atuação verdadeiramente autônoma no plano internacional; e autonomia não quer dizer ser contra os EUA e a Europa.

A soma das declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pediu aos Estados Unidos pararem de incentivar a guerra na Ucrânia, com a visita do chanceler russo a Brasília, Sergei Lavrov, colocam o Brasil em posição de conivência com a Rússia, afirma Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil na China e nos EUA.

Ele acredita que a postura de Lula contradiz a posição formalizada pelo Brasil nas Nações Unidas, que é de condenar a guerra e, além de minar a candidatura brasileira ao Conselho de Segurança da ONU, também prejudica as relações brasileiras com parceiros estratégicos do Ocidente. Em declaração, a Casa Branca disse que a posição de Lula é “profundamente problemática” e “equivocada”, além de repetir propaganda da Rússia e da China.

“Receber Lavrov mostra uma postura de conivência com a Rússia. Mostra a falta de elementos fundamentais em política externa: objetividade, realismo e moderação na avaliação do que está acontecendo para tomar posições adequadas e ajustar conforme a evolução da situação”, disse Abdenur. Leia a entrevista:

Quais sinais a diplomacia brasileira transmite ao dar peso diplomático à viagem à China e ao diálogo com a Rússia sobre a guerra na Ucrânia em meio a uma rotina de missões oficiais?

O presidente Lula fez gestos importantes ao discursar na COP-27 sobre mudança climática. Depois, foi muito feliz na escolha de Argentina, Estados Unidos e China como primeiros países a visitar. É bom que o Brasil possa convergir com a China em diferentes ideias sobre aperfeiçoamento da governança global, reforma da ONU e apoio ao multilateralismo. Mas era preciso que o governo brasileiro tivesse em mente a estreitíssima parceria entre China e Rússia, como um elemento na condução das conversas e das declarações do presidente. Isso não ocorreu. O presidente foi muito infeliz nas coisas que disse culpando a Ucrânia também pela guerra, quando na real é o país agredido, dizendo que EUA está incentivando e prolongando a guerra, e que é contra a entrega de armas à Ucrânia. Se não fosse a entrega de armas, a Ucrânia teria desaparecido.

Essa postura faz com que o Brasil tome um lado no conflito?

Desde cedo a suposta neutralidade do Lula coincidiu com a do (ex-presidente) Jair Bolsonaro em ser uma neutralidade leniente ou quase conivente com a Rússia. As palavras do presidente em Pequim e agora a visita do (chanceler da Rússia Sergei) Lavrov ao Brasil foram inadequadas. O que provocou essa reação duríssima e também rara dos EUA dizendo que o Brasil está repetindo a propaganda da China e da Rússia. Houve dois pronunciamentos formais do Brasil sobre a Ucrânia. O primeiro é o comunicado com Biden: os dois governos lamentam a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia que consideram grave violação do direito internacional. Depois, na Assembleia Geral da ONU, o Brasil endossou a resolução que na prática condena a Rússia. (Agora) Lavrov disse que a Rússia deseja uma solução duradoura e não imediata para o conflito na Ucrânia. Está dizendo que a guerra vai continuar e não aceita a sugestão brasileira de um cessar fogo, o que a Ucrânia também não aceitaria no momento. O presidente (Lula) contradisse a posição formalizada pelo Brasil nas Nações Unidas.

Roberto Abdenur: Brasil perde credibilidade para uma atuação verdadeiramente autônoma no plano internacional  Foto: ALEX RIBEIRO/ESTADÃO

Essa contradição prejudica a posição brasileira nos fóruns multilaterais?

Prejudica a relação bilateral com países que são de importância estratégica para o Brasil. Lula comparecerá ao G7 no final de maio, mas vai chegar lá desconfortável por estar em uma postura que é de quase condenação ao que os países ocidentais estão fazendo em relação à Ucrânia. Essas declarações do porta-voz americano e da União Europeia prejudicam nossas relações com parceiros estratégicos do Ocidente. Lula disse que o Brasil e a China vão trabalhar juntos por uma melhor governança global, mas o Brasil não pode chegar ao ponto de hostilizar os países ocidentais. Receber Lavrov mostra uma postura de conivência com a Rússia. Mostra a falta de elementos fundamentais em política externa: objetividade, realismo e moderação na avaliação do que está acontecendo para tomar posições adequadas e ajustar conforme a evolução da situação. Paradoxalmente, isso prejudica a campanha dele (Lula) por um lugar no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

A posição oficial é a de que o Brasil quer contribuir com um mundo multipolar, quando há múltiplos centros de poder. Essa é a mensagem que passa ao dar sinais trocados aos Estados Unidos e China?

Apoiar o mundo multipolar o Brasil faz há muito tempo, porque se considera um polo regional. Atualmente você tem uma situação gravíssima no plano internacional, que é a radical confrontação estratégica entre Estados Unidos e China. Está tão aguda que reduziu muito o espaço de quem quer ficar no meio. Exige muita habilidade política e faltou contenção ao presidente nas declarações que deu, porque não se colocou em uma posição no meio do fogo cruzado. No noticiário americano, o único consenso bipartidário é o antagonismo à China. O Brasil deve se portar como um subpolo dentro deste mundo, mas perde credibilidade para uma atuação verdadeiramente autônoma no plano internacional; e autonomia não quer dizer ser contra os EUA e a Europa.

A soma das declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pediu aos Estados Unidos pararem de incentivar a guerra na Ucrânia, com a visita do chanceler russo a Brasília, Sergei Lavrov, colocam o Brasil em posição de conivência com a Rússia, afirma Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil na China e nos EUA.

Ele acredita que a postura de Lula contradiz a posição formalizada pelo Brasil nas Nações Unidas, que é de condenar a guerra e, além de minar a candidatura brasileira ao Conselho de Segurança da ONU, também prejudica as relações brasileiras com parceiros estratégicos do Ocidente. Em declaração, a Casa Branca disse que a posição de Lula é “profundamente problemática” e “equivocada”, além de repetir propaganda da Rússia e da China.

“Receber Lavrov mostra uma postura de conivência com a Rússia. Mostra a falta de elementos fundamentais em política externa: objetividade, realismo e moderação na avaliação do que está acontecendo para tomar posições adequadas e ajustar conforme a evolução da situação”, disse Abdenur. Leia a entrevista:

Quais sinais a diplomacia brasileira transmite ao dar peso diplomático à viagem à China e ao diálogo com a Rússia sobre a guerra na Ucrânia em meio a uma rotina de missões oficiais?

O presidente Lula fez gestos importantes ao discursar na COP-27 sobre mudança climática. Depois, foi muito feliz na escolha de Argentina, Estados Unidos e China como primeiros países a visitar. É bom que o Brasil possa convergir com a China em diferentes ideias sobre aperfeiçoamento da governança global, reforma da ONU e apoio ao multilateralismo. Mas era preciso que o governo brasileiro tivesse em mente a estreitíssima parceria entre China e Rússia, como um elemento na condução das conversas e das declarações do presidente. Isso não ocorreu. O presidente foi muito infeliz nas coisas que disse culpando a Ucrânia também pela guerra, quando na real é o país agredido, dizendo que EUA está incentivando e prolongando a guerra, e que é contra a entrega de armas à Ucrânia. Se não fosse a entrega de armas, a Ucrânia teria desaparecido.

Essa postura faz com que o Brasil tome um lado no conflito?

Desde cedo a suposta neutralidade do Lula coincidiu com a do (ex-presidente) Jair Bolsonaro em ser uma neutralidade leniente ou quase conivente com a Rússia. As palavras do presidente em Pequim e agora a visita do (chanceler da Rússia Sergei) Lavrov ao Brasil foram inadequadas. O que provocou essa reação duríssima e também rara dos EUA dizendo que o Brasil está repetindo a propaganda da China e da Rússia. Houve dois pronunciamentos formais do Brasil sobre a Ucrânia. O primeiro é o comunicado com Biden: os dois governos lamentam a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia que consideram grave violação do direito internacional. Depois, na Assembleia Geral da ONU, o Brasil endossou a resolução que na prática condena a Rússia. (Agora) Lavrov disse que a Rússia deseja uma solução duradoura e não imediata para o conflito na Ucrânia. Está dizendo que a guerra vai continuar e não aceita a sugestão brasileira de um cessar fogo, o que a Ucrânia também não aceitaria no momento. O presidente (Lula) contradisse a posição formalizada pelo Brasil nas Nações Unidas.

Roberto Abdenur: Brasil perde credibilidade para uma atuação verdadeiramente autônoma no plano internacional  Foto: ALEX RIBEIRO/ESTADÃO

Essa contradição prejudica a posição brasileira nos fóruns multilaterais?

Prejudica a relação bilateral com países que são de importância estratégica para o Brasil. Lula comparecerá ao G7 no final de maio, mas vai chegar lá desconfortável por estar em uma postura que é de quase condenação ao que os países ocidentais estão fazendo em relação à Ucrânia. Essas declarações do porta-voz americano e da União Europeia prejudicam nossas relações com parceiros estratégicos do Ocidente. Lula disse que o Brasil e a China vão trabalhar juntos por uma melhor governança global, mas o Brasil não pode chegar ao ponto de hostilizar os países ocidentais. Receber Lavrov mostra uma postura de conivência com a Rússia. Mostra a falta de elementos fundamentais em política externa: objetividade, realismo e moderação na avaliação do que está acontecendo para tomar posições adequadas e ajustar conforme a evolução da situação. Paradoxalmente, isso prejudica a campanha dele (Lula) por um lugar no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

A posição oficial é a de que o Brasil quer contribuir com um mundo multipolar, quando há múltiplos centros de poder. Essa é a mensagem que passa ao dar sinais trocados aos Estados Unidos e China?

Apoiar o mundo multipolar o Brasil faz há muito tempo, porque se considera um polo regional. Atualmente você tem uma situação gravíssima no plano internacional, que é a radical confrontação estratégica entre Estados Unidos e China. Está tão aguda que reduziu muito o espaço de quem quer ficar no meio. Exige muita habilidade política e faltou contenção ao presidente nas declarações que deu, porque não se colocou em uma posição no meio do fogo cruzado. No noticiário americano, o único consenso bipartidário é o antagonismo à China. O Brasil deve se portar como um subpolo dentro deste mundo, mas perde credibilidade para uma atuação verdadeiramente autônoma no plano internacional; e autonomia não quer dizer ser contra os EUA e a Europa.

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