BRASÍLIA - Em entrevista exibida neste domingo, 12, pelo Fantástico, da TV Globo, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, enviou recado direto ao presidente Jair Bolsonaro ao cobrar uma “fala única” contra a "dubiedade" nas orientações do governo sobre o problema do novo coronavírus. Mandetta também criticou quem se baseia em notícias falsas da internet para minimizar a pandemia e avisou a empresários que eles serão expostos se driblarem as restrições.
Para o ministro, os meses de maio e junho serão os mais duros no enfrentamento da covid-19 no País. A constatação dele contraria a posição de Bolsonaro, que afirmou neste domingo, em videoconferência com lideranças religiosas, que a “questão do vírus está começando a ir embora”.
“Eu espero que essa validação dos diferentes modelos de enfrentamento dessa situação possa ser comum e que a gente possa ter uma fala única, uma fala unificada. Isso leva para o brasileiro uma dubiedade. Ele não sabe se escuta o ministro da Saúde, o presidente, quem é que ele escuta", disse Mandetta.
O ministro pediu para que os esforços sejam voltados ao controle do vírus para que a população não tenha uma percepção equivocada a respeito da gravidade do problema.
“Isso preocupa, porque a população olha e fala assim: 'Será que o ministro da Saúde é contra o presidente?' O que a gente tem de ter foco, que é o nosso problema, é o coronavírus. Ele é o principal inimigo. Se eu estou ministro da Saúde, é por obra de nomeação do presidente. O presidente olha para o lado da economia. O Ministério da Saúde entende a economia, mas chama pelo lado de proteção à vida”, observou Mandetta.
Ele também criticou o comportamento de pessoas que têm furado o isolamento social. “Quando você vê as pessoas entrando em padaria, supermercado, fazendo fila, piquenique isso é claramente uma coisa equivocada”, avaliou o ministro. Bolsonaro foi a uma padaria de Brasília na quinta-feira, onde comeu e cumprimentou apoiadores.
Mandetta ainda indicou ser contrário a flexibilizar restrições para o funcionamento de empresas e comércio, como tem ocorrido em algumas cidades. Segundo ele, é possível identificar se alguma dessas medida resultar em aumento de casos, o que será exposto por sua pasta. "Se cada empresário, de cada setor, achar que a (atividade) dele é essencial e tem que trabalhar, e a partir daí começar um efeito cascata, o Ministério da Saúde vai mostrar, na outra semana, o que essa atividade fez (em número de casos de coronavírus) com cada uma das cidades", disse o ministro da Saúde. Na semana passada, Bolsonaro afirmou que iria aumentar a lista de atividades essenciais, permitindo que mais pessoas voltassem ao trabalho na "canetada". Alertado de que poderia sofrer revés na Justiça caso cumprisse a promessa, o presidente recuou.
Na entrevista, Mandetta reclamou ainda de quem se baseia em desinformação para menosprezar o problema. Bolsonaristas têm disseminado, nas redes sociais, o boato de que a pandemia foi produzida propositalmente pela China para aumentar a própria relevância econômica.
"Tem muita gente que gosta da internet, que vê fake news dizendo que isso é uma invenção de países para ganhar vantagens econômicas. Outras pessoas acham que isso é porque existe algum complô contra elas, como se tivesse alguma solução por passe de mágica, e que não precisasse que ninguém fizesse nenhum tipo de sacrifício", frisou.
Insatisfação. Bolsonaro vem manifestando insatisfação com Mandetta por conta da maneira como o ministro lidera a crise. A insistência pelo distanciamento social é um dos pontos que provocaram desavenças entre os dois. Bolsonaro defende um isolamento seletivo, restrito para pessoas dos grupos de risco, como forma de reduzir o impacto da pandemia sobre a economia.
Os dados atualizados até este domingo apontam 1.223 mortes no País em decorrência da covid-19. No mundo, o total de vítimas já ultrapassou 114 mil.
Pico. Na entrevista, Mandetta voltou a dizer que o período mais preocupante da crise da covid-19 ainda não chegou. “No mês de maio, junho, teremos os dias muito duros. Dias em que seremos tachados. ‘Ah, vocês não fizeram o que tinham de fazer, ‘deviam ser mais duros’, ‘menos duros, porque a economia está assim’. Sempre vai haver os engenheiros de obra pronta. Serão dois, três meses de muitos questionamentos das práticas.”
Indagado sobre uma projeção de infectados no País ao longo deste ano, Mandetta criticou o afrouxamento do distanciamento social e disse que não existe “absolutamente nada que influencie mais essa resposta do que como a sociedade brasileira vai se comportar nos próximos dias”.
Em celebração com lideranças religiosas neste domingo, 12, Jair Bolsonaro afirmou que "a questão do vírus está começando a ir embora". O ministério prevê que o pico da doença, ao menos em São Paulo e no Rio de Janeiro, será no final de abril e no início de maio.
Obra. No último sábado, Bolsonaro e Mandetta visitaram obras de um hospital de campanha construído na cidade goiana de Águas Limpas, a 56 quilômetros de Brasília. Após o compromisso, o presidente foi ao encontro de apoiadores, que se aglomeraram para cumprimentá-lo.
Questionado sobre o motivo de não ter acompanhado Bolsonaro na ida aos populares, o ministro respondeu seguir orientações de distanciamento. "Eu procuro seguir uma lógica de não aglomeração", disse.
O desentendimento entre ambos alcançou o ápice após Bolsonaro dizer, no domingo passado, que poderia usar sua caneta contra pessoas do governo que "de repente viraram estrelas". No dia seguinte, sob expectativa de demissão, Mandetta disse que ficaria no cargo, pediu "paz" e reclamou de críticas que, em seu modo de ver, criam dificuldades em seu trabalho.
Mandetta tem repetido, apesar do desgaste, que médico não abandona o paciente. Bolsonaro já respondeu que o paciente as vezes troca de médico.