Em pelo menos seis momentos de 2024, o decoro parlamentar próprio das casas legislativas do País foi substituído por gritarias em um verdadeiro vale-tudo na Câmara dos Deputados. A Casa, que entra em recesso de final de ano nesta sexta-feira, 20, testemunhou momentos de pouca elegância entre os deputados federais, em que sessões precisaram ser encerradas devido às confusões.
A primeira, em abril deste ano, envolveu o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) e um integrante do Movimento Brasil Livre (MBL), Gabriel Costenaro. Em registros da briga, os dois aparecem discutindo por aproximadamente dois minutos, até Costenaro fazer insinuações sobre a mãe de Braga, que na época estava doente. Foi o ápice para o deputado federal expulsar, com empurrões e aos chutes, o membro do MBL da Câmara. A mãe do deputado faleceu 22 dias depois.
Após a cena, o deputado Kim Kataguiri (União-SP) dirigiu-se à delegacia para apoiar o colega do MBL e se envolveu em um novo tumulto com Braga. Ambos os parlamentares tentaram iniciar uma briga física, mas foram contidos pelos policiais legislativos. O caso foi parar no Conselho de Ética da Câmara, que abriu um processo de cassação do mandato do psolista em abril a pedido do Partido Novo.
Em junho, a frequência das confusões aumentou, graças a uma sessão especialmente tumultuada em que faltou pouco para dois parlamentares partirem para agressões físicas. Ao final da reunião do Conselho de Ética que julgou a possibilidade de cassação do deputado federal André Janones (Avante-MG), dia 5, ele e o colega parlamentar Nikolas Ferreira (PL-MG) tiveram que ser separados pela Polícia Legislativa Federal.
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O entrevero começou com o anúncio de que Janones foi absolvido da acusação de rachadinha por 12 votos a cinco, o que provocou a revolta de deputados aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Dou na sua cara com um soco, seu otário”, disse Janones. “Pode vir, bate”, respondeu Nikolas. Outra deputada, Jack Rocha (PT-ES), também se envolveu tentando separar os brigões.
Na saída do Conselho de Ética, Janones, mais uma vez, quase acabou em uma briga física com outro bolsonarista. O político mineiro foi blindado por assessores que o cercavam para tirá-lo do local, enquanto Zé Trovão (PL-SC) tentou correr atrás do deputado, mas foi impedido por policiais e outros homens. Toda a cena era filmada por diversos presentes.
Ainda na mesma sessão, houve troca de farpas entre Guilherme Boulos (PSOL-SP) e o ex-coach Pablo Marçal (PRTB) — que se enfrentariam, meses depois, nas eleições municipais de São Paulo. Durante a votação do processo contra Janones, com relatoria de Boulos, os dois trocaram insultos: o psolista chamou Marçal de “coach picareta” e disse esperar que ele “não venda a candidatura” para o atual prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), então candidato à reeleição. “Quero te enfrentar nos debates”, disse Boulos. Marçal, então, se levantou e começou a filmar a si e a mesa da comissão. É possível ouvir a palavra “invasor” no meio da gritaria.
O dia mais tumultuado deste ano — pelo menos até então —, também teve o deputado federal Éder Mauro (PL-PA) agredindo um manifestante que provocava os apoiadores do ex-presidente aos gritos de “Bolsonaro na Papuda!”, referindo-se a penitenciária de Brasília.
Durante sessão na Comissão de Direitos Humanos, o deputado gritou para que o manifestante, que preferiu não se identificar, fosse retirado da sala, chamando-o de “canalha”. “Canalha é teu pai”, respondeu o homem. “Vem me dizer na minha cara aqui, se tu é homem” treplicou o parlamentar, que então levantou e foi em direção ao manifestante. O assessor do deputado chegou a dar um tapa no cidadão, que foi protegido pela Polícia Legislativa. Depois de gritaria e empurra-empurra, o deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante-BA) aparece com uma bíblia erguida e aberta sobre a cabeça, pedindo paz e calma.
Tantas confusões, somadas ao fato do Conselho de Ética aplicar a pena máxima de censura verbal ou escrita aos deputados infratores, levou o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a criar a suspensão cautelar de até seis meses como novo método de punição. Aprovada pela Câmara em 12 de junho, a norma permite que a Mesa Diretora aplique punições para deputados que quebrem o decoro. De lá para cá, nenhuma discussão escalou ao ponto das anteriores, que quase chegaram a vias de fato.