Bruno ilustrou como nenhum outro uma geração de indigenistas combativos; leia análise


É muito difícil um país produzir profissionais como Bruno, capazes de atuar no universo complexo e único dos grupos isolados

Por Leonencio Nossa

Bruno Araújo Pereira, de 41 anos, assassinado no dia 5 no Rio Itaquaí, no extremo oeste do Amazonas, marcou a história recente do indigenismo pela vida dedicada a grupos isolados numa região controlada pelo narcotráfico internacional e por uma rede de garimpeiros e pescadores ilegais.

Foram criminosos que atuavam na pesca clandestina no território indígena do Vale do Javari que assassinaram Bruno e o jornalista inglês Dominic Phillips, 57, colaborador do The Guardian, que o acompanhava numa incursão à comunidade ribeirinha de São Rafael.

A morte de Bruno, em especial, causou consternação entre lideranças marubos, matises, kulinas, kanamaris, korubos e mayorunas, indigenistas, antropólogos e ativistas ambientais e de direitos humanos. Nas redes sociais, a trajetória dele foi comparada a de outros defensores da floresta brasileira, como o líder seringueiro Chico Mendes, morto em 1989, e a missionária americana Dorothy Stang, em 2005.

continua após a publicidade

É muito difícil um país produzir profissionais como Bruno, capazes de atuar no universo complexo e único dos grupos isolados da Amazônia, comunidades de línguas, tradições e costumes desconhecidos e uma história de embate secular com não indígenas.

Após concurso da Fundação Nacional do Índio (Funai), o jornalista pernambucano nascido no Recife e torcedor do Sport chegou em 2010 ao Javari, área de maior concentração de isolados do mundo. Da turma de nomeados, só ele permaneceu na base montada na confluência dos rios Itaquaí e Ituí nos anos 1990.

Nessa época, o processo de sucateamento da Funai e, consequentemente, da base no Javari se acelerou. Órgãos como a Polícia Federal e o Exército deixaram de dar prioridade ao trabalho da instituição. O ápice do desmantelamento da entidade ocorreria no governo de Jair Bolsonaro.

continua após a publicidade

Ele ilustrou como nenhum outro uma geração de indigenistas que seguia a linhagem dos nomes lendários do setor de defesa sem concessões de povos tradicionais, mas sem o personalismo e paternalismo dos velhos sertanistas. Era um agente do Estado contemporâneo e combativo na mata.

Bruno iniciou a experiência no indigenismo em condições adversas, como falta de recursos e estrutura. Por outro lado, tinha o apoio no Javari de uma nova geração de lideranças indígenas, pessoas que eram crianças ou adolescentes durante o processo de criação do território do Javari, nos anos 1990.

O jovem indigenista logo se aproximou de líderes como Beto Marubo, seu grande parceiro, Paulo Dolis e Eliésio Marubo. Foi em parceria com eles que o rapaz alto, corpulento, de barba e óculos passou a atuar na defesa de uma área da Amazônia de 85 mil km2. No território do tamanho de Portugal vivem povos de contatos ainda do tempo da exploração do látex, como os kanamaris, e de recente contato, como os corubos. Além de comunidades isoladas de “flecheiros” das cabeceiras do Jutaí e do Jandiatuba.

continua após a publicidade

“Confiança é tudo em nossas relações”, dizia Bruno. Desde as primeiras conversas com profissionais do Estadão para discutir viagens ao Javari, ele sempre se mostrava determinado a buscar um diálogo com invasores do território protegido. Nas mensagens, costumava comentar tentativas de acordo. “Estou saindo agora para uma reunião com uma comunidade não indígena no lado da terra Indígena para tentar pactuar algumas ações que amenizem a invasão por pescadores e madeireiros”, escreveu num e-mail de abril de 2015.

Nesse mesmo ano, Bruno passou a chefiar o posto da Funai em Atalaia do Norte, município que abrange boa parte do Javari. Dois anos depois, em 2017, ele assumiu, em Brasília, a Coordenação de Índios Isolados e Recém Contatados, da entidade. Foi quando comandou uma operação que retirou 30 dragas de garimpo dentro do território indígena. Além das ameaças dos criminosos que extraíam ouro, Bruno enfrentava ondas de Fake News nas redes sociais. Foi quando não confirmou a história de um suposto massacre de isolados. O indigenista pautava seu trabalho pelo rigor da informação. “Sou a pessoa mais interessada em revelar o que aconteceu”, afirmou a amigos.

Com o governo Bolsonaro e a nomeação do delegado Marcelo Xavier para comandar a fundação, o indigenista passou a sofrer pressão de ruralistas e lideranças evangélicas. O presidente adotou uma política abertamente antiambiental e anti-indígena.

continua após a publicidade

Expedição. No início de 2019, Bruno chefiou uma expedição para fazer contato com um grupo de korubos no Itaquaí. Algo raro para sua geração, a medida era uma forma de evitar um massacre dos isolados que estavam em guerra com matises. Desde 1987, o governo deixou de lado a política de atrair isolados. A decisão passou a ser dos indígenas.

Em e-mails, Bruno refletia sobre os contatos com os grupos desconhecidos. “Como conduzir o contato de uma forma que respeite a decisão e a visão de mundo desses povos?”, questionou num mensagem ao Estadão em 2016. “Como dialogar com esse outro do modo que consigamos informá-los o que lhe espera do ‘lado de cá’?”, indagou. “Quando nós devemos decidir por eles? Isso sim é dramático e polêmico!”

Legado. Um dos legados de Bruno para a política indigenista foi o trabalho de combate efetivo a donos de grandes dragas que, amparados pelo dinheiro do tráfico de drogas e mesmo de financiamentos de bancos públicos, passaram a atuar nos rios dentro do território indígena.

continua após a publicidade

Em setembro de 2019, Bruno enfrentou a perda de um companheiro indigenista. Maxciel Pereira dos Santos, 34 anos, foi executado com dois tiros no centro de Tabatinga. Ele sofria ameaças de pescadores ilegais e garimpeiros.

Após comandar uma outra operação contra dragas no Amazonas, Bruno foi demitido ainda naquele ano pelo presidente da Funai, o delegado Marcelo Xavier. Na época, Xavier era subordinado a Sérgio Moro, então ministro da Justiça e Segurança Pública.

Para manter o trabalho na área de isolados, Bruno se licenciou da Funai no início de 2020 e passou a assessorar a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Ele conseguiu estruturar e consolidar uma equipe de vigilância formada pelos próprios indígenas. Pretendia levar a experiência para outras regiões da Amazônia.

continua após a publicidade

Bruno deixa a mulher, a antropóloga Beatriz Matos, e três filhos.

Bruno Araújo Pereira, de 41 anos, assassinado no dia 5 no Rio Itaquaí, no extremo oeste do Amazonas, marcou a história recente do indigenismo pela vida dedicada a grupos isolados numa região controlada pelo narcotráfico internacional e por uma rede de garimpeiros e pescadores ilegais.

Foram criminosos que atuavam na pesca clandestina no território indígena do Vale do Javari que assassinaram Bruno e o jornalista inglês Dominic Phillips, 57, colaborador do The Guardian, que o acompanhava numa incursão à comunidade ribeirinha de São Rafael.

A morte de Bruno, em especial, causou consternação entre lideranças marubos, matises, kulinas, kanamaris, korubos e mayorunas, indigenistas, antropólogos e ativistas ambientais e de direitos humanos. Nas redes sociais, a trajetória dele foi comparada a de outros defensores da floresta brasileira, como o líder seringueiro Chico Mendes, morto em 1989, e a missionária americana Dorothy Stang, em 2005.

É muito difícil um país produzir profissionais como Bruno, capazes de atuar no universo complexo e único dos grupos isolados da Amazônia, comunidades de línguas, tradições e costumes desconhecidos e uma história de embate secular com não indígenas.

Após concurso da Fundação Nacional do Índio (Funai), o jornalista pernambucano nascido no Recife e torcedor do Sport chegou em 2010 ao Javari, área de maior concentração de isolados do mundo. Da turma de nomeados, só ele permaneceu na base montada na confluência dos rios Itaquaí e Ituí nos anos 1990.

Nessa época, o processo de sucateamento da Funai e, consequentemente, da base no Javari se acelerou. Órgãos como a Polícia Federal e o Exército deixaram de dar prioridade ao trabalho da instituição. O ápice do desmantelamento da entidade ocorreria no governo de Jair Bolsonaro.

Ele ilustrou como nenhum outro uma geração de indigenistas que seguia a linhagem dos nomes lendários do setor de defesa sem concessões de povos tradicionais, mas sem o personalismo e paternalismo dos velhos sertanistas. Era um agente do Estado contemporâneo e combativo na mata.

Bruno iniciou a experiência no indigenismo em condições adversas, como falta de recursos e estrutura. Por outro lado, tinha o apoio no Javari de uma nova geração de lideranças indígenas, pessoas que eram crianças ou adolescentes durante o processo de criação do território do Javari, nos anos 1990.

O jovem indigenista logo se aproximou de líderes como Beto Marubo, seu grande parceiro, Paulo Dolis e Eliésio Marubo. Foi em parceria com eles que o rapaz alto, corpulento, de barba e óculos passou a atuar na defesa de uma área da Amazônia de 85 mil km2. No território do tamanho de Portugal vivem povos de contatos ainda do tempo da exploração do látex, como os kanamaris, e de recente contato, como os corubos. Além de comunidades isoladas de “flecheiros” das cabeceiras do Jutaí e do Jandiatuba.

“Confiança é tudo em nossas relações”, dizia Bruno. Desde as primeiras conversas com profissionais do Estadão para discutir viagens ao Javari, ele sempre se mostrava determinado a buscar um diálogo com invasores do território protegido. Nas mensagens, costumava comentar tentativas de acordo. “Estou saindo agora para uma reunião com uma comunidade não indígena no lado da terra Indígena para tentar pactuar algumas ações que amenizem a invasão por pescadores e madeireiros”, escreveu num e-mail de abril de 2015.

Nesse mesmo ano, Bruno passou a chefiar o posto da Funai em Atalaia do Norte, município que abrange boa parte do Javari. Dois anos depois, em 2017, ele assumiu, em Brasília, a Coordenação de Índios Isolados e Recém Contatados, da entidade. Foi quando comandou uma operação que retirou 30 dragas de garimpo dentro do território indígena. Além das ameaças dos criminosos que extraíam ouro, Bruno enfrentava ondas de Fake News nas redes sociais. Foi quando não confirmou a história de um suposto massacre de isolados. O indigenista pautava seu trabalho pelo rigor da informação. “Sou a pessoa mais interessada em revelar o que aconteceu”, afirmou a amigos.

Com o governo Bolsonaro e a nomeação do delegado Marcelo Xavier para comandar a fundação, o indigenista passou a sofrer pressão de ruralistas e lideranças evangélicas. O presidente adotou uma política abertamente antiambiental e anti-indígena.

Expedição. No início de 2019, Bruno chefiou uma expedição para fazer contato com um grupo de korubos no Itaquaí. Algo raro para sua geração, a medida era uma forma de evitar um massacre dos isolados que estavam em guerra com matises. Desde 1987, o governo deixou de lado a política de atrair isolados. A decisão passou a ser dos indígenas.

Em e-mails, Bruno refletia sobre os contatos com os grupos desconhecidos. “Como conduzir o contato de uma forma que respeite a decisão e a visão de mundo desses povos?”, questionou num mensagem ao Estadão em 2016. “Como dialogar com esse outro do modo que consigamos informá-los o que lhe espera do ‘lado de cá’?”, indagou. “Quando nós devemos decidir por eles? Isso sim é dramático e polêmico!”

Legado. Um dos legados de Bruno para a política indigenista foi o trabalho de combate efetivo a donos de grandes dragas que, amparados pelo dinheiro do tráfico de drogas e mesmo de financiamentos de bancos públicos, passaram a atuar nos rios dentro do território indígena.

Em setembro de 2019, Bruno enfrentou a perda de um companheiro indigenista. Maxciel Pereira dos Santos, 34 anos, foi executado com dois tiros no centro de Tabatinga. Ele sofria ameaças de pescadores ilegais e garimpeiros.

Após comandar uma outra operação contra dragas no Amazonas, Bruno foi demitido ainda naquele ano pelo presidente da Funai, o delegado Marcelo Xavier. Na época, Xavier era subordinado a Sérgio Moro, então ministro da Justiça e Segurança Pública.

Para manter o trabalho na área de isolados, Bruno se licenciou da Funai no início de 2020 e passou a assessorar a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Ele conseguiu estruturar e consolidar uma equipe de vigilância formada pelos próprios indígenas. Pretendia levar a experiência para outras regiões da Amazônia.

Bruno deixa a mulher, a antropóloga Beatriz Matos, e três filhos.

Bruno Araújo Pereira, de 41 anos, assassinado no dia 5 no Rio Itaquaí, no extremo oeste do Amazonas, marcou a história recente do indigenismo pela vida dedicada a grupos isolados numa região controlada pelo narcotráfico internacional e por uma rede de garimpeiros e pescadores ilegais.

Foram criminosos que atuavam na pesca clandestina no território indígena do Vale do Javari que assassinaram Bruno e o jornalista inglês Dominic Phillips, 57, colaborador do The Guardian, que o acompanhava numa incursão à comunidade ribeirinha de São Rafael.

A morte de Bruno, em especial, causou consternação entre lideranças marubos, matises, kulinas, kanamaris, korubos e mayorunas, indigenistas, antropólogos e ativistas ambientais e de direitos humanos. Nas redes sociais, a trajetória dele foi comparada a de outros defensores da floresta brasileira, como o líder seringueiro Chico Mendes, morto em 1989, e a missionária americana Dorothy Stang, em 2005.

É muito difícil um país produzir profissionais como Bruno, capazes de atuar no universo complexo e único dos grupos isolados da Amazônia, comunidades de línguas, tradições e costumes desconhecidos e uma história de embate secular com não indígenas.

Após concurso da Fundação Nacional do Índio (Funai), o jornalista pernambucano nascido no Recife e torcedor do Sport chegou em 2010 ao Javari, área de maior concentração de isolados do mundo. Da turma de nomeados, só ele permaneceu na base montada na confluência dos rios Itaquaí e Ituí nos anos 1990.

Nessa época, o processo de sucateamento da Funai e, consequentemente, da base no Javari se acelerou. Órgãos como a Polícia Federal e o Exército deixaram de dar prioridade ao trabalho da instituição. O ápice do desmantelamento da entidade ocorreria no governo de Jair Bolsonaro.

Ele ilustrou como nenhum outro uma geração de indigenistas que seguia a linhagem dos nomes lendários do setor de defesa sem concessões de povos tradicionais, mas sem o personalismo e paternalismo dos velhos sertanistas. Era um agente do Estado contemporâneo e combativo na mata.

Bruno iniciou a experiência no indigenismo em condições adversas, como falta de recursos e estrutura. Por outro lado, tinha o apoio no Javari de uma nova geração de lideranças indígenas, pessoas que eram crianças ou adolescentes durante o processo de criação do território do Javari, nos anos 1990.

O jovem indigenista logo se aproximou de líderes como Beto Marubo, seu grande parceiro, Paulo Dolis e Eliésio Marubo. Foi em parceria com eles que o rapaz alto, corpulento, de barba e óculos passou a atuar na defesa de uma área da Amazônia de 85 mil km2. No território do tamanho de Portugal vivem povos de contatos ainda do tempo da exploração do látex, como os kanamaris, e de recente contato, como os corubos. Além de comunidades isoladas de “flecheiros” das cabeceiras do Jutaí e do Jandiatuba.

“Confiança é tudo em nossas relações”, dizia Bruno. Desde as primeiras conversas com profissionais do Estadão para discutir viagens ao Javari, ele sempre se mostrava determinado a buscar um diálogo com invasores do território protegido. Nas mensagens, costumava comentar tentativas de acordo. “Estou saindo agora para uma reunião com uma comunidade não indígena no lado da terra Indígena para tentar pactuar algumas ações que amenizem a invasão por pescadores e madeireiros”, escreveu num e-mail de abril de 2015.

Nesse mesmo ano, Bruno passou a chefiar o posto da Funai em Atalaia do Norte, município que abrange boa parte do Javari. Dois anos depois, em 2017, ele assumiu, em Brasília, a Coordenação de Índios Isolados e Recém Contatados, da entidade. Foi quando comandou uma operação que retirou 30 dragas de garimpo dentro do território indígena. Além das ameaças dos criminosos que extraíam ouro, Bruno enfrentava ondas de Fake News nas redes sociais. Foi quando não confirmou a história de um suposto massacre de isolados. O indigenista pautava seu trabalho pelo rigor da informação. “Sou a pessoa mais interessada em revelar o que aconteceu”, afirmou a amigos.

Com o governo Bolsonaro e a nomeação do delegado Marcelo Xavier para comandar a fundação, o indigenista passou a sofrer pressão de ruralistas e lideranças evangélicas. O presidente adotou uma política abertamente antiambiental e anti-indígena.

Expedição. No início de 2019, Bruno chefiou uma expedição para fazer contato com um grupo de korubos no Itaquaí. Algo raro para sua geração, a medida era uma forma de evitar um massacre dos isolados que estavam em guerra com matises. Desde 1987, o governo deixou de lado a política de atrair isolados. A decisão passou a ser dos indígenas.

Em e-mails, Bruno refletia sobre os contatos com os grupos desconhecidos. “Como conduzir o contato de uma forma que respeite a decisão e a visão de mundo desses povos?”, questionou num mensagem ao Estadão em 2016. “Como dialogar com esse outro do modo que consigamos informá-los o que lhe espera do ‘lado de cá’?”, indagou. “Quando nós devemos decidir por eles? Isso sim é dramático e polêmico!”

Legado. Um dos legados de Bruno para a política indigenista foi o trabalho de combate efetivo a donos de grandes dragas que, amparados pelo dinheiro do tráfico de drogas e mesmo de financiamentos de bancos públicos, passaram a atuar nos rios dentro do território indígena.

Em setembro de 2019, Bruno enfrentou a perda de um companheiro indigenista. Maxciel Pereira dos Santos, 34 anos, foi executado com dois tiros no centro de Tabatinga. Ele sofria ameaças de pescadores ilegais e garimpeiros.

Após comandar uma outra operação contra dragas no Amazonas, Bruno foi demitido ainda naquele ano pelo presidente da Funai, o delegado Marcelo Xavier. Na época, Xavier era subordinado a Sérgio Moro, então ministro da Justiça e Segurança Pública.

Para manter o trabalho na área de isolados, Bruno se licenciou da Funai no início de 2020 e passou a assessorar a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Ele conseguiu estruturar e consolidar uma equipe de vigilância formada pelos próprios indígenas. Pretendia levar a experiência para outras regiões da Amazônia.

Bruno deixa a mulher, a antropóloga Beatriz Matos, e três filhos.

Bruno Araújo Pereira, de 41 anos, assassinado no dia 5 no Rio Itaquaí, no extremo oeste do Amazonas, marcou a história recente do indigenismo pela vida dedicada a grupos isolados numa região controlada pelo narcotráfico internacional e por uma rede de garimpeiros e pescadores ilegais.

Foram criminosos que atuavam na pesca clandestina no território indígena do Vale do Javari que assassinaram Bruno e o jornalista inglês Dominic Phillips, 57, colaborador do The Guardian, que o acompanhava numa incursão à comunidade ribeirinha de São Rafael.

A morte de Bruno, em especial, causou consternação entre lideranças marubos, matises, kulinas, kanamaris, korubos e mayorunas, indigenistas, antropólogos e ativistas ambientais e de direitos humanos. Nas redes sociais, a trajetória dele foi comparada a de outros defensores da floresta brasileira, como o líder seringueiro Chico Mendes, morto em 1989, e a missionária americana Dorothy Stang, em 2005.

É muito difícil um país produzir profissionais como Bruno, capazes de atuar no universo complexo e único dos grupos isolados da Amazônia, comunidades de línguas, tradições e costumes desconhecidos e uma história de embate secular com não indígenas.

Após concurso da Fundação Nacional do Índio (Funai), o jornalista pernambucano nascido no Recife e torcedor do Sport chegou em 2010 ao Javari, área de maior concentração de isolados do mundo. Da turma de nomeados, só ele permaneceu na base montada na confluência dos rios Itaquaí e Ituí nos anos 1990.

Nessa época, o processo de sucateamento da Funai e, consequentemente, da base no Javari se acelerou. Órgãos como a Polícia Federal e o Exército deixaram de dar prioridade ao trabalho da instituição. O ápice do desmantelamento da entidade ocorreria no governo de Jair Bolsonaro.

Ele ilustrou como nenhum outro uma geração de indigenistas que seguia a linhagem dos nomes lendários do setor de defesa sem concessões de povos tradicionais, mas sem o personalismo e paternalismo dos velhos sertanistas. Era um agente do Estado contemporâneo e combativo na mata.

Bruno iniciou a experiência no indigenismo em condições adversas, como falta de recursos e estrutura. Por outro lado, tinha o apoio no Javari de uma nova geração de lideranças indígenas, pessoas que eram crianças ou adolescentes durante o processo de criação do território do Javari, nos anos 1990.

O jovem indigenista logo se aproximou de líderes como Beto Marubo, seu grande parceiro, Paulo Dolis e Eliésio Marubo. Foi em parceria com eles que o rapaz alto, corpulento, de barba e óculos passou a atuar na defesa de uma área da Amazônia de 85 mil km2. No território do tamanho de Portugal vivem povos de contatos ainda do tempo da exploração do látex, como os kanamaris, e de recente contato, como os corubos. Além de comunidades isoladas de “flecheiros” das cabeceiras do Jutaí e do Jandiatuba.

“Confiança é tudo em nossas relações”, dizia Bruno. Desde as primeiras conversas com profissionais do Estadão para discutir viagens ao Javari, ele sempre se mostrava determinado a buscar um diálogo com invasores do território protegido. Nas mensagens, costumava comentar tentativas de acordo. “Estou saindo agora para uma reunião com uma comunidade não indígena no lado da terra Indígena para tentar pactuar algumas ações que amenizem a invasão por pescadores e madeireiros”, escreveu num e-mail de abril de 2015.

Nesse mesmo ano, Bruno passou a chefiar o posto da Funai em Atalaia do Norte, município que abrange boa parte do Javari. Dois anos depois, em 2017, ele assumiu, em Brasília, a Coordenação de Índios Isolados e Recém Contatados, da entidade. Foi quando comandou uma operação que retirou 30 dragas de garimpo dentro do território indígena. Além das ameaças dos criminosos que extraíam ouro, Bruno enfrentava ondas de Fake News nas redes sociais. Foi quando não confirmou a história de um suposto massacre de isolados. O indigenista pautava seu trabalho pelo rigor da informação. “Sou a pessoa mais interessada em revelar o que aconteceu”, afirmou a amigos.

Com o governo Bolsonaro e a nomeação do delegado Marcelo Xavier para comandar a fundação, o indigenista passou a sofrer pressão de ruralistas e lideranças evangélicas. O presidente adotou uma política abertamente antiambiental e anti-indígena.

Expedição. No início de 2019, Bruno chefiou uma expedição para fazer contato com um grupo de korubos no Itaquaí. Algo raro para sua geração, a medida era uma forma de evitar um massacre dos isolados que estavam em guerra com matises. Desde 1987, o governo deixou de lado a política de atrair isolados. A decisão passou a ser dos indígenas.

Em e-mails, Bruno refletia sobre os contatos com os grupos desconhecidos. “Como conduzir o contato de uma forma que respeite a decisão e a visão de mundo desses povos?”, questionou num mensagem ao Estadão em 2016. “Como dialogar com esse outro do modo que consigamos informá-los o que lhe espera do ‘lado de cá’?”, indagou. “Quando nós devemos decidir por eles? Isso sim é dramático e polêmico!”

Legado. Um dos legados de Bruno para a política indigenista foi o trabalho de combate efetivo a donos de grandes dragas que, amparados pelo dinheiro do tráfico de drogas e mesmo de financiamentos de bancos públicos, passaram a atuar nos rios dentro do território indígena.

Em setembro de 2019, Bruno enfrentou a perda de um companheiro indigenista. Maxciel Pereira dos Santos, 34 anos, foi executado com dois tiros no centro de Tabatinga. Ele sofria ameaças de pescadores ilegais e garimpeiros.

Após comandar uma outra operação contra dragas no Amazonas, Bruno foi demitido ainda naquele ano pelo presidente da Funai, o delegado Marcelo Xavier. Na época, Xavier era subordinado a Sérgio Moro, então ministro da Justiça e Segurança Pública.

Para manter o trabalho na área de isolados, Bruno se licenciou da Funai no início de 2020 e passou a assessorar a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Ele conseguiu estruturar e consolidar uma equipe de vigilância formada pelos próprios indígenas. Pretendia levar a experiência para outras regiões da Amazônia.

Bruno deixa a mulher, a antropóloga Beatriz Matos, e três filhos.

Bruno Araújo Pereira, de 41 anos, assassinado no dia 5 no Rio Itaquaí, no extremo oeste do Amazonas, marcou a história recente do indigenismo pela vida dedicada a grupos isolados numa região controlada pelo narcotráfico internacional e por uma rede de garimpeiros e pescadores ilegais.

Foram criminosos que atuavam na pesca clandestina no território indígena do Vale do Javari que assassinaram Bruno e o jornalista inglês Dominic Phillips, 57, colaborador do The Guardian, que o acompanhava numa incursão à comunidade ribeirinha de São Rafael.

A morte de Bruno, em especial, causou consternação entre lideranças marubos, matises, kulinas, kanamaris, korubos e mayorunas, indigenistas, antropólogos e ativistas ambientais e de direitos humanos. Nas redes sociais, a trajetória dele foi comparada a de outros defensores da floresta brasileira, como o líder seringueiro Chico Mendes, morto em 1989, e a missionária americana Dorothy Stang, em 2005.

É muito difícil um país produzir profissionais como Bruno, capazes de atuar no universo complexo e único dos grupos isolados da Amazônia, comunidades de línguas, tradições e costumes desconhecidos e uma história de embate secular com não indígenas.

Após concurso da Fundação Nacional do Índio (Funai), o jornalista pernambucano nascido no Recife e torcedor do Sport chegou em 2010 ao Javari, área de maior concentração de isolados do mundo. Da turma de nomeados, só ele permaneceu na base montada na confluência dos rios Itaquaí e Ituí nos anos 1990.

Nessa época, o processo de sucateamento da Funai e, consequentemente, da base no Javari se acelerou. Órgãos como a Polícia Federal e o Exército deixaram de dar prioridade ao trabalho da instituição. O ápice do desmantelamento da entidade ocorreria no governo de Jair Bolsonaro.

Ele ilustrou como nenhum outro uma geração de indigenistas que seguia a linhagem dos nomes lendários do setor de defesa sem concessões de povos tradicionais, mas sem o personalismo e paternalismo dos velhos sertanistas. Era um agente do Estado contemporâneo e combativo na mata.

Bruno iniciou a experiência no indigenismo em condições adversas, como falta de recursos e estrutura. Por outro lado, tinha o apoio no Javari de uma nova geração de lideranças indígenas, pessoas que eram crianças ou adolescentes durante o processo de criação do território do Javari, nos anos 1990.

O jovem indigenista logo se aproximou de líderes como Beto Marubo, seu grande parceiro, Paulo Dolis e Eliésio Marubo. Foi em parceria com eles que o rapaz alto, corpulento, de barba e óculos passou a atuar na defesa de uma área da Amazônia de 85 mil km2. No território do tamanho de Portugal vivem povos de contatos ainda do tempo da exploração do látex, como os kanamaris, e de recente contato, como os corubos. Além de comunidades isoladas de “flecheiros” das cabeceiras do Jutaí e do Jandiatuba.

“Confiança é tudo em nossas relações”, dizia Bruno. Desde as primeiras conversas com profissionais do Estadão para discutir viagens ao Javari, ele sempre se mostrava determinado a buscar um diálogo com invasores do território protegido. Nas mensagens, costumava comentar tentativas de acordo. “Estou saindo agora para uma reunião com uma comunidade não indígena no lado da terra Indígena para tentar pactuar algumas ações que amenizem a invasão por pescadores e madeireiros”, escreveu num e-mail de abril de 2015.

Nesse mesmo ano, Bruno passou a chefiar o posto da Funai em Atalaia do Norte, município que abrange boa parte do Javari. Dois anos depois, em 2017, ele assumiu, em Brasília, a Coordenação de Índios Isolados e Recém Contatados, da entidade. Foi quando comandou uma operação que retirou 30 dragas de garimpo dentro do território indígena. Além das ameaças dos criminosos que extraíam ouro, Bruno enfrentava ondas de Fake News nas redes sociais. Foi quando não confirmou a história de um suposto massacre de isolados. O indigenista pautava seu trabalho pelo rigor da informação. “Sou a pessoa mais interessada em revelar o que aconteceu”, afirmou a amigos.

Com o governo Bolsonaro e a nomeação do delegado Marcelo Xavier para comandar a fundação, o indigenista passou a sofrer pressão de ruralistas e lideranças evangélicas. O presidente adotou uma política abertamente antiambiental e anti-indígena.

Expedição. No início de 2019, Bruno chefiou uma expedição para fazer contato com um grupo de korubos no Itaquaí. Algo raro para sua geração, a medida era uma forma de evitar um massacre dos isolados que estavam em guerra com matises. Desde 1987, o governo deixou de lado a política de atrair isolados. A decisão passou a ser dos indígenas.

Em e-mails, Bruno refletia sobre os contatos com os grupos desconhecidos. “Como conduzir o contato de uma forma que respeite a decisão e a visão de mundo desses povos?”, questionou num mensagem ao Estadão em 2016. “Como dialogar com esse outro do modo que consigamos informá-los o que lhe espera do ‘lado de cá’?”, indagou. “Quando nós devemos decidir por eles? Isso sim é dramático e polêmico!”

Legado. Um dos legados de Bruno para a política indigenista foi o trabalho de combate efetivo a donos de grandes dragas que, amparados pelo dinheiro do tráfico de drogas e mesmo de financiamentos de bancos públicos, passaram a atuar nos rios dentro do território indígena.

Em setembro de 2019, Bruno enfrentou a perda de um companheiro indigenista. Maxciel Pereira dos Santos, 34 anos, foi executado com dois tiros no centro de Tabatinga. Ele sofria ameaças de pescadores ilegais e garimpeiros.

Após comandar uma outra operação contra dragas no Amazonas, Bruno foi demitido ainda naquele ano pelo presidente da Funai, o delegado Marcelo Xavier. Na época, Xavier era subordinado a Sérgio Moro, então ministro da Justiça e Segurança Pública.

Para manter o trabalho na área de isolados, Bruno se licenciou da Funai no início de 2020 e passou a assessorar a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Ele conseguiu estruturar e consolidar uma equipe de vigilância formada pelos próprios indígenas. Pretendia levar a experiência para outras regiões da Amazônia.

Bruno deixa a mulher, a antropóloga Beatriz Matos, e três filhos.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.