Bruno Soller analisa o comportamento do eleitor brasileiro com base em big data e pesquisa

Opinião|Ato bolsonarista deixa alerta para Lula: ou muda ou há grande risco para a reeleição


Manifestação deste domingo, 25, sem uma bandeira muito clara, mas com o objetivo de ser um desagravo a Jair Bolsonaro, mostrou de maneira substancial que a força mobilizacional do bolsonarismo segue intacta

Por Bruno Soller

Se a Justiça Eleitoral resolvesse marcar novas eleições presidenciais para daqui a 15 dias e os candidatos fossem Lula e Bolsonaro, o resultado seria absolutamente incerto. Há menos de dois anos ambos se enfrentaram e Lula por uma margem mínima conseguiu a vitória. Uma diferença de menos de dois pontos percentuais, algo ínfimo para um País que tem mais de 156 milhões de eleitores aptos a votar. Nesse sentido, a manifestação deste domingo, 25, sem uma bandeira muito clara, mas com o objetivo de ser um desagravo ao ex-presidente, mostrou de maneira substancial que a força mobilizacional do bolsonarismo segue intacta e que essa porção da sociedade brasileira continuará garantindo vida às pretensões políticas de Jair Bolsonaro, independentemente de qualquer coisa.

Apoiadores de Jair Bolsonaro se reuniram na Avenida Paulista neste domingo, 25, para ato convocado pelo ex-presidente Foto: Taba Benedicto/Estadão

Com esse eleitorado fixado na oposição e sem qualquer mostra de desmembração, Lula não pode perder quem garantiu a ele a vitória em 2022. Dois grupos fundamentais que estão sob ameaça de dispersão, em função de um governo que tem sido menos amplo do que a propaganda eleitoral garantia e entregado muito menos resultado prático do que se esperava. O primeiro deles foi uma classe A/B1, que temeu a ameaça de uma tirania bolsonarista, caso o ex-presidente fosse eleito. O segundo, mais numeroso, a chamada classe C2, que pode ser alcunhada de swing vote brasileiro e tem mostrado níveis de insatisfação com o cômputo econômico e de serviços essenciais.

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Lula se escorou na construção de uma frente democrática para enfrentar a ameaça que representaria o bolsonarismo. Houve uma parcela considerável da população nas classes mais altas, que, por medo do que seria o resultado de um segundo governo Bolsonaro, acabou votando em Lula. Isso se expressa em algumas lideranças políticas, que foram grandes opositoras ao petismo, durante seus governos anteriores e que declararam voto em Lula. João Amoêdo, Roberto Freire, José Serra, Fernando Henrique Cardoso, são alguns desses exemplos. Lula venceu Bolsonaro em zonais da região mais rica da capital paulista, por exemplo. Na Vila Mariana, o atual mandatário ganhou por 54 x 46. Em Perdizes, outra região de alta concentração de classe A/B1, mais uma vitória – 56 x 44. Esses bairros, no primeiro turno tinham mostrado grande força da terceira via, tendo Simone Tebet desempenhado grande votação.

Já no governo, Lula tem tomado posições que desagradam a parte desse eleitorado que lhe foi fundamental para a vitória. Ao flertar com o grupo terrorista Hamas e atacar Israel de maneira absolutamente despropositada, fazendo comparações com um dos períodos mais sombrios da história da humanidade, sofrido justamente pelo povo judeu, o Holocausto, Lula se mostra muito menos amplo e aberto ao diálogo do que se propôs durante o pleito eleitoral. A comparação entre Israel e o nazismo foi rejeitada por 83% dos brasileiros, segundo pesquisa RealTime Big Data, encomendada pela RecordTV. Um levantamento da Quaest mostrou que 68% das menções nas redes sociais que tratavam do tema foram negativas para Lula. A não condenação à Rússia, na guerra da Ucrânia, também já tinha gerado uma sensação negativa ao governo. Esses temas dialogam diretamente com esse eleitor de classe alta, que condenou Bolsonaro por ter uma postura menos democrática.

O maior risco para o governo, entretanto, está na classe C2. Uma porção significativa do eleitorado, que se encontra principalmente na periferia das grandes cidades e no entorno dos centros dos médios e pequenos municípios. Conhecida por sua volatilidade eleitoral, essa classe define voto essencialmente por dois fatores: renda e serviços. Com o aumento desenfreado dos preços dos alimentos, o brasileiro tem tido diminuição do seu poder de compra. Nos últimos dez anos, o IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, inflação oficial do País, subiu 88% e tem impactado na queda do poder de compra do brasileiro. A subida de itens básicos como o arroz, o feijão e os legumes tem assustado quem vai a um supermercado fazer compras.

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A carestia afeta diretamente o imaginário do eleitor em relação a Lula. Desde sua primeira posse como presidente, no longínquo 2003, Lula sempre tratou a questão da comida no prato dos brasileiros como sua bandeira. O principal mote de seu primeiro ano de governo foi o programa Fome Zero. O Bolsa Família veio com a lógica de garantir ao brasileiro que ele pudesse fazer ao menos três refeições ao dia. Esse aumento desenfreado dos preços afeta no âmago o governo federal. Esse é um ponto de quebra de expectativas, o que é extremamente perigoso para um político. Apenas como exemplo, em grupos qualitativos durante a pandemia, entrevistados se mostravam incomodados com a falta de liderança do presidente Jair Bolsonaro para combater o vírus, justamente porque tinham nele a imagem de um líder militar. A entrega diferente do esperado gera um efeito de incredulidade e desânimo no eleitor.

Essa classe C2, havia sido responsável por uma grande votação para Bolsonaro em 2018 e foi ela justamente que desgarrou do ex-presidente em 2022 e migrou para Lula. Em municípios que possuem a classe C2 como dominante é possível ver essa migração. Em São João do Meriti, Baixada Fluminense, Bolsonaro fez 71,46% dos votos na eleição que saiu vencedor. Em sua reeleição, mesmo saindo vitorioso na cidade, teve 60,04% dos votos. Uma queda de 11% do eleitorado. Em Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, uma queda de 12% de uma eleição para a outra. Essa tônica se repetiu em quase todos esses colégios eleitorais de grande concentração eleitoral nessa classe social.

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República Foto: Pablo Porciuncula/AFP
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A crise da segurança pública é um outro ponto que precisa de atenção mais do que especial. Em, 2018, a grande discussão eleitoral era a pauta da violência. O Rio de Janeiro estava sob intervenção federal, com homens do Exército atuando nas comunidades e morros da cidade. Não havia um dia sequer que a cobertura jornalística não mostrasse os desdobramentos das ações, no Estado mais turístico do País. O governo Temer chegou a criar um Ministério da Segurança Pública para tentar dirimir a questão. O fato é que Bolsonaro representava uma resposta à época para o caos da segurança. Um capitão do Exército com um discurso combativo encaixava para boa parte dos moradores da classe C2 que vivem com o tráfico de drogas e milícias nas portas de suas casas.

Hoje, Ronaldo Caiado, governador de Goiás, tenta se viabilizar presidencialmente com o discurso justamente da segurança pública. Tarcísio de Freitas, de São Paulo, fez uma grande mudança no comando da polícia paulista, invocando oficiais da Rota, polícia de elite, para a alta cúpula da segurança no Estado. Em contrapartida, ao passo que há uma tentativa de se endurecer as pautas penais no Brasil, como o projeto que acaba com a “saidinha” dos presos, o partido do presidente Lula, o PT, bate cabeça na votação do tema, tendo o senador sergipano Rogério Carvalho, como um dissidente, criando um clima de desarmonia na base governista. Há pressão para que Lula vete o projeto, o que o afastaria ainda mais de respostas para a crise.

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A insatisfação popular pode ser derradeira para o projeto de reeleição de Lula. Diferentemente de seu primeiro mandato, que mesmo passando pelo escândalo do mensalão, Lula conseguiu achar um nicho eleitoral e aumentou sua base de aprovação, o contexto atual é outro. O bolsonarismo é presente e o adversário não desarmou. Lula precisa entender esse novo momento se não quiser deixar a cadeira de presidente daqui a dois anos. A frente ampla não pode ser só eleitoral, precisa ser prática. Dessa vez a estratégia não pode ser nichar, como foi outrora. A vitória foi muito magra para pensar que estava tudo resolvido. Urge expandir. Se não mudar, a chance de retorno do bolsonarismo é real.

Se a Justiça Eleitoral resolvesse marcar novas eleições presidenciais para daqui a 15 dias e os candidatos fossem Lula e Bolsonaro, o resultado seria absolutamente incerto. Há menos de dois anos ambos se enfrentaram e Lula por uma margem mínima conseguiu a vitória. Uma diferença de menos de dois pontos percentuais, algo ínfimo para um País que tem mais de 156 milhões de eleitores aptos a votar. Nesse sentido, a manifestação deste domingo, 25, sem uma bandeira muito clara, mas com o objetivo de ser um desagravo ao ex-presidente, mostrou de maneira substancial que a força mobilizacional do bolsonarismo segue intacta e que essa porção da sociedade brasileira continuará garantindo vida às pretensões políticas de Jair Bolsonaro, independentemente de qualquer coisa.

Apoiadores de Jair Bolsonaro se reuniram na Avenida Paulista neste domingo, 25, para ato convocado pelo ex-presidente Foto: Taba Benedicto/Estadão

Com esse eleitorado fixado na oposição e sem qualquer mostra de desmembração, Lula não pode perder quem garantiu a ele a vitória em 2022. Dois grupos fundamentais que estão sob ameaça de dispersão, em função de um governo que tem sido menos amplo do que a propaganda eleitoral garantia e entregado muito menos resultado prático do que se esperava. O primeiro deles foi uma classe A/B1, que temeu a ameaça de uma tirania bolsonarista, caso o ex-presidente fosse eleito. O segundo, mais numeroso, a chamada classe C2, que pode ser alcunhada de swing vote brasileiro e tem mostrado níveis de insatisfação com o cômputo econômico e de serviços essenciais.

Lula se escorou na construção de uma frente democrática para enfrentar a ameaça que representaria o bolsonarismo. Houve uma parcela considerável da população nas classes mais altas, que, por medo do que seria o resultado de um segundo governo Bolsonaro, acabou votando em Lula. Isso se expressa em algumas lideranças políticas, que foram grandes opositoras ao petismo, durante seus governos anteriores e que declararam voto em Lula. João Amoêdo, Roberto Freire, José Serra, Fernando Henrique Cardoso, são alguns desses exemplos. Lula venceu Bolsonaro em zonais da região mais rica da capital paulista, por exemplo. Na Vila Mariana, o atual mandatário ganhou por 54 x 46. Em Perdizes, outra região de alta concentração de classe A/B1, mais uma vitória – 56 x 44. Esses bairros, no primeiro turno tinham mostrado grande força da terceira via, tendo Simone Tebet desempenhado grande votação.

Já no governo, Lula tem tomado posições que desagradam a parte desse eleitorado que lhe foi fundamental para a vitória. Ao flertar com o grupo terrorista Hamas e atacar Israel de maneira absolutamente despropositada, fazendo comparações com um dos períodos mais sombrios da história da humanidade, sofrido justamente pelo povo judeu, o Holocausto, Lula se mostra muito menos amplo e aberto ao diálogo do que se propôs durante o pleito eleitoral. A comparação entre Israel e o nazismo foi rejeitada por 83% dos brasileiros, segundo pesquisa RealTime Big Data, encomendada pela RecordTV. Um levantamento da Quaest mostrou que 68% das menções nas redes sociais que tratavam do tema foram negativas para Lula. A não condenação à Rússia, na guerra da Ucrânia, também já tinha gerado uma sensação negativa ao governo. Esses temas dialogam diretamente com esse eleitor de classe alta, que condenou Bolsonaro por ter uma postura menos democrática.

O maior risco para o governo, entretanto, está na classe C2. Uma porção significativa do eleitorado, que se encontra principalmente na periferia das grandes cidades e no entorno dos centros dos médios e pequenos municípios. Conhecida por sua volatilidade eleitoral, essa classe define voto essencialmente por dois fatores: renda e serviços. Com o aumento desenfreado dos preços dos alimentos, o brasileiro tem tido diminuição do seu poder de compra. Nos últimos dez anos, o IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, inflação oficial do País, subiu 88% e tem impactado na queda do poder de compra do brasileiro. A subida de itens básicos como o arroz, o feijão e os legumes tem assustado quem vai a um supermercado fazer compras.

A carestia afeta diretamente o imaginário do eleitor em relação a Lula. Desde sua primeira posse como presidente, no longínquo 2003, Lula sempre tratou a questão da comida no prato dos brasileiros como sua bandeira. O principal mote de seu primeiro ano de governo foi o programa Fome Zero. O Bolsa Família veio com a lógica de garantir ao brasileiro que ele pudesse fazer ao menos três refeições ao dia. Esse aumento desenfreado dos preços afeta no âmago o governo federal. Esse é um ponto de quebra de expectativas, o que é extremamente perigoso para um político. Apenas como exemplo, em grupos qualitativos durante a pandemia, entrevistados se mostravam incomodados com a falta de liderança do presidente Jair Bolsonaro para combater o vírus, justamente porque tinham nele a imagem de um líder militar. A entrega diferente do esperado gera um efeito de incredulidade e desânimo no eleitor.

Essa classe C2, havia sido responsável por uma grande votação para Bolsonaro em 2018 e foi ela justamente que desgarrou do ex-presidente em 2022 e migrou para Lula. Em municípios que possuem a classe C2 como dominante é possível ver essa migração. Em São João do Meriti, Baixada Fluminense, Bolsonaro fez 71,46% dos votos na eleição que saiu vencedor. Em sua reeleição, mesmo saindo vitorioso na cidade, teve 60,04% dos votos. Uma queda de 11% do eleitorado. Em Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, uma queda de 12% de uma eleição para a outra. Essa tônica se repetiu em quase todos esses colégios eleitorais de grande concentração eleitoral nessa classe social.

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República Foto: Pablo Porciuncula/AFP

A crise da segurança pública é um outro ponto que precisa de atenção mais do que especial. Em, 2018, a grande discussão eleitoral era a pauta da violência. O Rio de Janeiro estava sob intervenção federal, com homens do Exército atuando nas comunidades e morros da cidade. Não havia um dia sequer que a cobertura jornalística não mostrasse os desdobramentos das ações, no Estado mais turístico do País. O governo Temer chegou a criar um Ministério da Segurança Pública para tentar dirimir a questão. O fato é que Bolsonaro representava uma resposta à época para o caos da segurança. Um capitão do Exército com um discurso combativo encaixava para boa parte dos moradores da classe C2 que vivem com o tráfico de drogas e milícias nas portas de suas casas.

Hoje, Ronaldo Caiado, governador de Goiás, tenta se viabilizar presidencialmente com o discurso justamente da segurança pública. Tarcísio de Freitas, de São Paulo, fez uma grande mudança no comando da polícia paulista, invocando oficiais da Rota, polícia de elite, para a alta cúpula da segurança no Estado. Em contrapartida, ao passo que há uma tentativa de se endurecer as pautas penais no Brasil, como o projeto que acaba com a “saidinha” dos presos, o partido do presidente Lula, o PT, bate cabeça na votação do tema, tendo o senador sergipano Rogério Carvalho, como um dissidente, criando um clima de desarmonia na base governista. Há pressão para que Lula vete o projeto, o que o afastaria ainda mais de respostas para a crise.

A insatisfação popular pode ser derradeira para o projeto de reeleição de Lula. Diferentemente de seu primeiro mandato, que mesmo passando pelo escândalo do mensalão, Lula conseguiu achar um nicho eleitoral e aumentou sua base de aprovação, o contexto atual é outro. O bolsonarismo é presente e o adversário não desarmou. Lula precisa entender esse novo momento se não quiser deixar a cadeira de presidente daqui a dois anos. A frente ampla não pode ser só eleitoral, precisa ser prática. Dessa vez a estratégia não pode ser nichar, como foi outrora. A vitória foi muito magra para pensar que estava tudo resolvido. Urge expandir. Se não mudar, a chance de retorno do bolsonarismo é real.

Se a Justiça Eleitoral resolvesse marcar novas eleições presidenciais para daqui a 15 dias e os candidatos fossem Lula e Bolsonaro, o resultado seria absolutamente incerto. Há menos de dois anos ambos se enfrentaram e Lula por uma margem mínima conseguiu a vitória. Uma diferença de menos de dois pontos percentuais, algo ínfimo para um País que tem mais de 156 milhões de eleitores aptos a votar. Nesse sentido, a manifestação deste domingo, 25, sem uma bandeira muito clara, mas com o objetivo de ser um desagravo ao ex-presidente, mostrou de maneira substancial que a força mobilizacional do bolsonarismo segue intacta e que essa porção da sociedade brasileira continuará garantindo vida às pretensões políticas de Jair Bolsonaro, independentemente de qualquer coisa.

Apoiadores de Jair Bolsonaro se reuniram na Avenida Paulista neste domingo, 25, para ato convocado pelo ex-presidente Foto: Taba Benedicto/Estadão

Com esse eleitorado fixado na oposição e sem qualquer mostra de desmembração, Lula não pode perder quem garantiu a ele a vitória em 2022. Dois grupos fundamentais que estão sob ameaça de dispersão, em função de um governo que tem sido menos amplo do que a propaganda eleitoral garantia e entregado muito menos resultado prático do que se esperava. O primeiro deles foi uma classe A/B1, que temeu a ameaça de uma tirania bolsonarista, caso o ex-presidente fosse eleito. O segundo, mais numeroso, a chamada classe C2, que pode ser alcunhada de swing vote brasileiro e tem mostrado níveis de insatisfação com o cômputo econômico e de serviços essenciais.

Lula se escorou na construção de uma frente democrática para enfrentar a ameaça que representaria o bolsonarismo. Houve uma parcela considerável da população nas classes mais altas, que, por medo do que seria o resultado de um segundo governo Bolsonaro, acabou votando em Lula. Isso se expressa em algumas lideranças políticas, que foram grandes opositoras ao petismo, durante seus governos anteriores e que declararam voto em Lula. João Amoêdo, Roberto Freire, José Serra, Fernando Henrique Cardoso, são alguns desses exemplos. Lula venceu Bolsonaro em zonais da região mais rica da capital paulista, por exemplo. Na Vila Mariana, o atual mandatário ganhou por 54 x 46. Em Perdizes, outra região de alta concentração de classe A/B1, mais uma vitória – 56 x 44. Esses bairros, no primeiro turno tinham mostrado grande força da terceira via, tendo Simone Tebet desempenhado grande votação.

Já no governo, Lula tem tomado posições que desagradam a parte desse eleitorado que lhe foi fundamental para a vitória. Ao flertar com o grupo terrorista Hamas e atacar Israel de maneira absolutamente despropositada, fazendo comparações com um dos períodos mais sombrios da história da humanidade, sofrido justamente pelo povo judeu, o Holocausto, Lula se mostra muito menos amplo e aberto ao diálogo do que se propôs durante o pleito eleitoral. A comparação entre Israel e o nazismo foi rejeitada por 83% dos brasileiros, segundo pesquisa RealTime Big Data, encomendada pela RecordTV. Um levantamento da Quaest mostrou que 68% das menções nas redes sociais que tratavam do tema foram negativas para Lula. A não condenação à Rússia, na guerra da Ucrânia, também já tinha gerado uma sensação negativa ao governo. Esses temas dialogam diretamente com esse eleitor de classe alta, que condenou Bolsonaro por ter uma postura menos democrática.

O maior risco para o governo, entretanto, está na classe C2. Uma porção significativa do eleitorado, que se encontra principalmente na periferia das grandes cidades e no entorno dos centros dos médios e pequenos municípios. Conhecida por sua volatilidade eleitoral, essa classe define voto essencialmente por dois fatores: renda e serviços. Com o aumento desenfreado dos preços dos alimentos, o brasileiro tem tido diminuição do seu poder de compra. Nos últimos dez anos, o IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, inflação oficial do País, subiu 88% e tem impactado na queda do poder de compra do brasileiro. A subida de itens básicos como o arroz, o feijão e os legumes tem assustado quem vai a um supermercado fazer compras.

A carestia afeta diretamente o imaginário do eleitor em relação a Lula. Desde sua primeira posse como presidente, no longínquo 2003, Lula sempre tratou a questão da comida no prato dos brasileiros como sua bandeira. O principal mote de seu primeiro ano de governo foi o programa Fome Zero. O Bolsa Família veio com a lógica de garantir ao brasileiro que ele pudesse fazer ao menos três refeições ao dia. Esse aumento desenfreado dos preços afeta no âmago o governo federal. Esse é um ponto de quebra de expectativas, o que é extremamente perigoso para um político. Apenas como exemplo, em grupos qualitativos durante a pandemia, entrevistados se mostravam incomodados com a falta de liderança do presidente Jair Bolsonaro para combater o vírus, justamente porque tinham nele a imagem de um líder militar. A entrega diferente do esperado gera um efeito de incredulidade e desânimo no eleitor.

Essa classe C2, havia sido responsável por uma grande votação para Bolsonaro em 2018 e foi ela justamente que desgarrou do ex-presidente em 2022 e migrou para Lula. Em municípios que possuem a classe C2 como dominante é possível ver essa migração. Em São João do Meriti, Baixada Fluminense, Bolsonaro fez 71,46% dos votos na eleição que saiu vencedor. Em sua reeleição, mesmo saindo vitorioso na cidade, teve 60,04% dos votos. Uma queda de 11% do eleitorado. Em Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, uma queda de 12% de uma eleição para a outra. Essa tônica se repetiu em quase todos esses colégios eleitorais de grande concentração eleitoral nessa classe social.

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República Foto: Pablo Porciuncula/AFP

A crise da segurança pública é um outro ponto que precisa de atenção mais do que especial. Em, 2018, a grande discussão eleitoral era a pauta da violência. O Rio de Janeiro estava sob intervenção federal, com homens do Exército atuando nas comunidades e morros da cidade. Não havia um dia sequer que a cobertura jornalística não mostrasse os desdobramentos das ações, no Estado mais turístico do País. O governo Temer chegou a criar um Ministério da Segurança Pública para tentar dirimir a questão. O fato é que Bolsonaro representava uma resposta à época para o caos da segurança. Um capitão do Exército com um discurso combativo encaixava para boa parte dos moradores da classe C2 que vivem com o tráfico de drogas e milícias nas portas de suas casas.

Hoje, Ronaldo Caiado, governador de Goiás, tenta se viabilizar presidencialmente com o discurso justamente da segurança pública. Tarcísio de Freitas, de São Paulo, fez uma grande mudança no comando da polícia paulista, invocando oficiais da Rota, polícia de elite, para a alta cúpula da segurança no Estado. Em contrapartida, ao passo que há uma tentativa de se endurecer as pautas penais no Brasil, como o projeto que acaba com a “saidinha” dos presos, o partido do presidente Lula, o PT, bate cabeça na votação do tema, tendo o senador sergipano Rogério Carvalho, como um dissidente, criando um clima de desarmonia na base governista. Há pressão para que Lula vete o projeto, o que o afastaria ainda mais de respostas para a crise.

A insatisfação popular pode ser derradeira para o projeto de reeleição de Lula. Diferentemente de seu primeiro mandato, que mesmo passando pelo escândalo do mensalão, Lula conseguiu achar um nicho eleitoral e aumentou sua base de aprovação, o contexto atual é outro. O bolsonarismo é presente e o adversário não desarmou. Lula precisa entender esse novo momento se não quiser deixar a cadeira de presidente daqui a dois anos. A frente ampla não pode ser só eleitoral, precisa ser prática. Dessa vez a estratégia não pode ser nichar, como foi outrora. A vitória foi muito magra para pensar que estava tudo resolvido. Urge expandir. Se não mudar, a chance de retorno do bolsonarismo é real.

Opinião por Bruno Soller

Bruno Soller é estrategista eleitoral. Especializado em pesquisas de opinião pública, é graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com especialização em Comunicação Política pela George Washington University. Trabalhou no governo federal, Câmara dos Deputados e Comissão Europeia.

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