Marcada por ditaduras militares bastante repressivas, nos anos 70 e 80, a América Latina fez uma transição dos regimes autoritários para a democracia com uma característica bastante comum aos presidentes eleitos nos anos 90. Os chamados neoliberais, pela esquerda, fizeram a reabertura dos países e foram responsáveis por criar uma base econômica, que por muitas vezes não foi suficiente para sustentar crescimento e resolver desigualdades.
No Brasil, o Plano Real, elaborado por Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco foi fundamental para combater as altas taxas de inflação. Na Argentina, o início do governo Carlos Menem foi marcado pelo plano de conversabilidade, também focado em estancar a inflação galopante que se via no país, além de uma série de privatizações. Dessa mesma maneira Gonzálo Sanches de Lozada com sua “terapia de choque” criou uma guerra contra a hiperinflação, na Bolívia. As medidas econômicas, importantes para responder à crise que os países viviam, deram a tônica da politica latinoamericana na década, mas falharam ao não conseguirem capturar a necessidade de combate à pobreza.
Com as crises econômicas do final dos anos 90, que impactaram o mundo emergente, o efeito da planificação econômica sofreu um grande revés. Aumento do desemprego e da pobreza foram combustíveis para o alavancar de políticos de esquerda por toda a região, inaugurando uma nova fase na América Latina.
Lula, no Brasil, Néstor Kirchner, na Argentina, Evo Morales, na Bolívia, Hugo Chávez, na Venezuela, Fernando Lugo, no Paraguai, Ollanta Humala, no Peru, Tabaré Vásquez e Pepe Mujica, no Uruguai, Michele Bachelet, no Chile e Rafael Corrêa, no Equador, tornaram-se presidentes dos seus países e foram parte fundamental dessa nova cara da política regional. Com discursos de empoderamento dos mais pobres e movidos por um crescimento econômico em todo o mundo, muitos desses presidentes viraram verdadeiras lendas em seus países.
A altíssima popularidade de alguns criou movimentos de perpetuação de poder e ruptura democrática. No Brasil, Jackson Barreto, deputado federal à época pelo MDB de Sergipe, chegou a protocolar uma proposta para que se permitisse uma nova reeleição a Lula, garantindo-lhe um terceiro mandato consecutivo, nos mesmos moldes de Morales, na Bolívia.
Os diversos casos de corrupção, o aumento dos níveis de violência e a pouca mobilidade social vista ao final desses ciclos, criou movimentos de fortalecimento de uma nova direita na América Latina. Ainda em transição, essa direita se mantinha muito fiel aos preceitos econômicos e fazendo discursos liberais para modificar a estrutura da economia dos países.
No Peru, Pedro Paulo Kuczynski sucedeu Humala ainda pautado na fundamentação teórica do mercado e de combate ao intervencionismo estatal. PPK foi um dos primeiros candidatos da direita a vencerem depois desse domínio regional da esquerda. Seu governo, no entanto, foi muito decepcionante e diversas denúncias de malversação do dinheiro público acabaram causando o seu impedimento. Macri, na Argentina, Sebastian Piñera, no Chile e Jair Bolsonaro, no Brasil, não conseguiram reeleição ou fazer sucessores, sendo derrotados justamente pela esquerda que tanto combateram.
A assunção de novos líderes de direita, todavia, tem sido mais exitosa nesse atual momento. Com características bem distintas dos discursos economicistas, essa direita renovada tem como base de proposta a justiça social. O combate à criminalidade e um olhar para os mais necessitados, tem dado uma nova roupagem para esses líderes, que capturaram melhor o novo momento da sociedade.
O simples fato de Lula pensar em vetar o projeto de lei que encerra a saída temporária de presos, já mostra a dissonância de pensamento dessa esquerda com as demandas populares e justifica o fato dessa direita popular conseguir voos maiores. Dados do instituto RealTime Big Data, divulgados pela Record, mostram que mais de 90% dos brasileiros querem o fim desse benefício.
O sucesso de Nayib Bukele em El Salvador, mesmo com todas as supressões de direitos, tem dado a tônica dessa popularidade. Reeleito com 83% dos votos, o jovem presidente salvadorenho tem feito escola pela América. Daniel Noboa, presidente do Equador, venceu uma eleição bastante renhida, com 52% dos votos ante 48% da socialista Luisa González, apoiada por Machi Correa. Noboa atinge, hoje, índices de 82% de aprovação, segundo pesquisa da empresa Cedatos, afiliada do grupo Gallup, no país. Ou seja, boa parte do eleitorado que votou na candidata de esquerda tem se rendido ao trabalho do presidente equatoriano, que só possui 35 anos de idade.
Uma pesquisa da Equipo Consultores, do Uruguai, mostra Lacalle Pou com 50% de aprovação, contra 30% de desaprovação, em seu último ano de mandato. Níveis muito parecidos com os dos presidentes de esquerda que dominaram a política uruguaia nos últimos 15 anos.
Um certo reacionarismo da esquerda, que não admite as mudanças que o mundo atual exige, tem feito dessa corrente ainda refém do eleitorado dos rincões de pobreza dos países. Perdendo a discussão nas grandes cidades, justamente por posicionamentos que não coadunam com o momento da civilização, como a discussão sobre os aplicativos de mobilidade e entrega, a insistência por regras trabalhistas que perderam o sentido com o tempo e com uma dificuldade em tratar questões relativas à criminalidade e violência, a antiga pecha de vanguardista tem ruído cada vez mais, e com o surgimento de uma direita com menos vínculo ideológico e mais pragmática, a esquerda pode ficar sem prumo nos próximos pleitos.
No Brasil, o bolsonarismo ainda insiste em travar essa disputa com a esquerda apenas pelo campo ideológico. O serviço segurança pública ainda timidamente é tratado pelos bolsonaristas, mas as ações de alguns governos de direita é que tem capturado o interesse das pessoas sobre o tema.
Ronaldo Caiado, que tenta se viabilizar candidato a presidente por esse corredor tem tido na ação da segurança o seu maior pico de aprovação, no estado de Goiás, do qual é governador. As ações da polícia militar paulista na Baixada Santista têm dado respaldo popular ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, um dos nomes cogitados para 2026. A discussão sobre melhorar a vida dos mais pobres ainda passa ao largo dessa direita brasileira.
Quase 30% da população do Brasil está concentrada na classe D e vive com menos de um salário mínimo de renda familiar. Esse público mesmo sofrendo com os altos preços dos alimentos, do gás de cozinha, dos combustíveis, não enxerga em outra liderança brasileira acolhimento. Esse eleitor está decepcionado com Lula, que mesmo com toda a desaprovação crescente, ainda fulgura entre os presidentes de esquerda com melhor avaliação, na região, perdendo apenas para o mexicano López Obrador.
A ocupação da direita em pautas sociais é fundamental para o seu sucesso futuro. O deputado mineiro Nikolas Ferreira terá a missão de comandar uma importante comissão da Câmara dos Deputados, a de educação, e pode neste espaço romper com o discurso para convertidos, ampliando o leque de atuação dessa direita.
Vale ressaltar, que de todos os nomes pensados para a disputa presidencial vindoura, a direita só possui um candidato que, hoje, consegue penetrar no eleitorado de classe D. Ratinho Junior, governador do Paraná, é alçado a esse posto muito em função da alta popularidade de seu pai. Se percorrer um caminho distinto do que os demais concorrentes têm pregado, que apenas se comunicam com a base sólida do bolsonarismo, pode inaugurar uma nova frente de uma direita popular, no Brasil.
Os ciclos da América Latina mostram uma uniformidade interessante de épocas e perfis. A direita brasileira, se quiser vencer o lulismo definitivamente, precisará conquistar o eleitor que tem garantido as vitórias petistas. Com a quebra de expectativas desse público em relação ao que Lula tem ofertado, nunca essa missão teve tão alcançável. Para isso, é necessário menos ideologia e mais realismo.