Divide et Impera é um conceito amplamente difundido na teoria das relações internacionais e presente nos manuais de sociologia política da história. Dividir para conquistar é ensinamento dos grandes teóricos e parece cada vez mais necessário para o atual presidente do Brasil, dado ao contexto de polarização enrijecida e um governo bastante deficitário em entregas e que tão pouco tem conseguido devolver aos seus eleitores a expectativa que gerou no último pleito com sua volta. Lula amarga sua pior avaliação como presidente em seus três mandatos, mesmo tendo passado por crises do tamanho de um mensalão em outras oportunidades. O fato é que a sua reeleição vai se tornando cada vez mais difícil e a estratégia de dividir a oposição tem se tornado cada vez mais necessária para que possa continuar no poder, pós-2026.
As eleições de 2024, apesar de terem objetivos muito diferentes das de 2026, deram um panorama interessante sobre o que pode ocorrer daqui dois anos. Lula e Bolsonaro mostraram que continuam dividindo as preferências gerais do eleitorado e que seus apoios e presença são fortes para definir raias e impulsionar candidaturas. Todavia, a ampla vitória de partidos de centro, deixou claro que ambos possuem teto e se tiverem adversários que consigam transpassar a linha de diálogo com os setores menos radicalizados da sociedade, estes conseguem absorver o voto da rejeição a esses polos e saem vitoriosos no confronto geral. Nenhum candidato de Lula e Bolsonaro, direto, conseguiu vencer a eleição nas grandes cidades quando enfrentaram um candidato mais moderado no segundo turno. Bruno Engler perdeu em Belo Horizonte para o centrista Fuad Noman, Guilherme Boulos para Ricardo Nunes, em São Paulo, Ramagem para Paes, no Rio de Janeiro, Maria do Rosário para Melo, em Poro Alegre e assim por diante.
Para a preocupação do entorno de Lula, além da pouca capacidade de vencer em 2024, candidatos não bolsonaristas da centro-direita foram os principais ganhadores dessa contenda. Nesse ínterim, enfrentar uma candidatura à direita, que não carregue a pecha do bolsonarismo mais duro é o grande pesadelo para Lula. Com a inegibilidade de Bolsonaro, nomes tem surgido à rodo para ocupar essa raia e todos tem potencial destrutivo muito maiores para Lula do que se enfrentar o adversário conhecido. Contra Bolsonaro, o jogo é duro, mas é uma guerra de rejeições. Já, contra os demais postulantes, a possibilidade de crescimento com rejeição mais diminuta em função de terem níveis de conhecimento muito menores e espaço para construção de imagem, o desafio ganha tons muito mais dramáticos.
Fenômeno nacional por sua participação na eleição paulistana, Pablo Marçal tem sido ventilado como um player provável no jogo presidencial. Sua situação eleitoral depende dos desdobramentos jurídicos do processo que tenta cassar seus direitos políticos, após a irresponsável divulgação de um laudo médico falso que dizia que Guilherme Boulos, seu adversário, era usuário de entorpecentes, na véspera das urnas. Por pouco menos de 60 mil votos, Marçal não conseguiu ir para o segundo turno, número ínfimo pensando no universo de eleitores da maior metrópole da América Latina.
Esse resultado surpreendente e a projeção de imagem que ganhou pelo País, com sua postura beligerante nos debates e propostas tidas como ousadas e pouco convencionais, mas principalmente pela conexão que criou com um eleitorado mais jovem, evangélico e morador da periferia, tem feito de Marçal um nome com potencial interessante para a disputa, mas que carrega algo de suma importância para Lula, altíssima rejeição. Pesquisa da Quaest, de outubro, aponta Marçal com 18% das intenções de voto para a presidência, um número bastante alto e muito à frente de alguns possíveis adversários, que ocupam cargos importantes na vida pública, como Caiado, governador de Goiás, Zema, governador de Minas Gerais e Ratinho Jr., governador do Paraná.
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A proliferação de nomes para enfrentar Lula, no campo da direita, tem também dedo de culpa de Bolsonaro, que ao invés de tentar unificar esse campo ao seu redor e ser o grande guardião dessa chave para 2026, por falta de capacidade de liderança, fez de vários desses nomes seus adversários no último pleito. Sua ida a Goiânia, no dia eleitoral, para apoiar uma candidatura que enfrentava o candidato do governador Ronaldo Caiado talvez tenha sido o maior exemplo dessa equivocada postura. Em Curitiba, apoiou a candidatura antagônica a de Ratinho Junior, assim como em Belo Horizonte, no primeiro turno contra o candidato de Romeu Zema, além da titubeante posição no primeiro turno paulistano, onde promoveu Tarcísio de Freitas como o grande fiador da candidatura vencedora, a de Ricardo Nunes.
Com o dólar atingindo pela primeira vez na história os R$ 6 e com uma agenda econômica que tem gerado muitas críticas, além de uma estagnação completa de mobilidade social da população, Lula terá dificuldades até o final de seu governo, que já passa da metade do mandato para se reerguer. Pesquisa do Instituto Paraná mostra que 51% dos brasileiros desaprovam a gestão federal, sendo que 42,3% deles consideram o terceiro governo de Lula ruim ou péssimo. No cenário comparativo, de agosto de 2023 para novembro de 2024, em pouco mais de um ano, houve um aumento de 11% de pessoas que rejeitam a gestão. Desafio enorme para Lula, que venceu uma eleição com uma diferença ínfima de votos e que em toda a sua experiência como líder máximo da nação, nunca enfrentou um cenário tão desolador.
Eleitoralmente, a preço de hoje, Lula precisa se agarrar aos 46% dos brasileiros que ainda o aprovam e torcer para uma divisão na sua oposição. Apesar do péssimo cenário, a montagem do jogo político do próximo pleito pode fazer de Lula vencedor até mesmo em primeiro turno. Uma divisão na direita entre Bolsonaro e Marçal e com Lula conseguindo fazer aqueles que aprovam a sua gestão darem um novo voto de confiança a ele, o contexto vira positivo para Lula. As denúncias de participação de Bolsonaro em uma tentativa de golpe militar calcificam ainda mais a sua rejeição e impedem grandes mobilidades de voto, fazendo de Bolsonaro o adversário ideal para Lula, principalmente se tiver alguém como Marçal que tem a capacidade de penetrar neste campo e dialogar diretamente com esse eleitor mais conservador.
O lulismo e o bolsonarismo se retroalimentam. Um precisa do outro para sobreviver. A força motriz do bolsonarismo é derrotar Lula e o PT, assim como a do lulismo é impedir a volta de Bolsonaro. A inelegibilidade de Bolsonaro é um risco atroz para Lula. Não ter alguém como Marçal que divida o outro campo também é muito ruim para Lula, que precisa fugir de um segundo turno, no qual o tema não será só posições ideológicas, mas a continuidade ou não de um governo frágil e de pouquíssimas realizações. 2025 será fundamental para a construção desse cenário. Se o governo não conseguir melhorar, Lula precisará da tática bélica romana para tornar sua reeleição possível. Idealizador da divisão para conquistar, o imperador Júlio César, também ficou famoso por um jargão que coaduna com o momento: Alea jacta est, ou seja “a sorte está lançada”.