O ano era 2017, as manchetes dos jornais e as chamadas televisivas só apontavam para um fenômeno que surgia na política e encantava parte dos eleitores, que embasbacados viam o prefeito da maior cidade do continente pintando muros, varrendo ruas e anunciando o final das filas de exames com um programa que fazia as pessoas na madrugada serem atendidas em hospitais particulares. João Doria, que acabara de se tornar o administrador do município de São Paulo, já era conduzido à condição de presidenciável.
Essa popularidade lhe rendeu em 3 meses de governo uma aprovação de 77% dos paulistanos, segundo pesquisa Datafolha, realizada à época, o maior índice considerando todos os ex-prefeitos medidos e 15 pontos porcentuais mais alto do que o segundo colocado, quando avaliados os inícios de gestões. Embarcado nessa onda de sucesso, João Doria muito precocemente começou a correr o País. Com status de popstar era recebido nas mais diversas localidades e reverenciado como um grande gestor, trabalhador e não político.
Seu partido, o PSDB, que desde que saiu da presidência da República viveu anos e anos em conflito, sem achar unidade em uma candidatura presidencial e que parecia pela primeira vez caminhar para um consenso em torno do então governador paulista Geraldo Alckmin, padrinho de João Doria no seu lançamento à Prefeitura de São Paulo, encarou novamente uma ranhura interna, com a defesa do nome do recém eleito prefeito para a disputa ao Planalto.
O resto a história conta e a relação Doria e Alckmin nunca mais foi a mesma. De fogo amigo a lamentações públicas, Geraldo Alckmin foi candidato a presidente e deixou seu vice-governador Márcio França ser alçado à reeleição contra João Doria. França ligou uma artilharia mortífera contra Doria nos debates, Alckmin lavou as mãos na disputa ao Bandeirantes e Doria se aproximou de Bolsonaro, com a campanha pelo voto “bolsodoria”. Bem sucedido em sua incursão ao Governo do Estado, Doria logo rompeu com Bolsonaro e novamente mirou o Planalto. O resultado foi seu afastamento da vida pública, sem nem ter tido a possibilidade de buscar a reeleição como governador. Seu candidato, Rodrigo Garcia, nem sequer chegou ao segundo turno, mesmo sentado na cadeira deixada por Doria.
O exemplo Doria é a principal lição para Tarcísio de Freitas. Com 83% de ótimo, bom e regular, segundo a última pesquisa Datafolha, o atual governador de São Paulo é apontado como o principal herdeiro de Jair Bolsonaro, inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral. Em levantamento feito pelo Ideia, um pouco antes da inelegibilidade do ex-presidente, a maioria dos eleitores já viam em Tarcísio o nome principal para herdar o seu capital político. Em recente sondagem, a consultoria Quaest, mostrou que 74% do mercado financeiro quer que Bolsonaro apoie o governador paulista.
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Toda essa maré positiva em torno de seu nome é louvável para quem pretende disputar o cargo, mas tem que ser muito bem gerenciada. Nesse ínterim, Tarcísio de Freitas tem feito o trabalho de não permitir que essa discussão se torne central e supere a sua atuação como governador. O risco da agenda presidencial e política superar a gestão é muito grande e os resultados históricos mostram certa frustração eleitoral de quem permitiu que isso acontecesse. Além de Doria, Gilberto Kassab reeleito prefeito paulistano, viu sua popularidade roer e ter a pior aprovação na prefeitura desde Celso Pitta, quando resolveu montar o PSD e correr o País buscando filiados para seu novo partido. Kassab, depois de sua saída da prefeitura, ainda se aventurou a uma candidatura ao Senado Federal, em 2014, onde não atingiu nem 6% dos votos.
Envolto na maior polêmica de sua gestão, desde que assumiu o cargo, com os conflitos entre a Polícia Militar de São Paulo e as organizações criminosas, Tarcísio parece ter entendido que não é hora de antecipar a corrida presidencial. Sua posição no jogo é confortável. Está bem avaliado, governa o maior eleitorado do País, foi ministro do governo Bolsonaro e é tido como alguém de mais fácil diálogo do que o ex-presidente. O debate sobre a reforma tributária, em que Tarcísio e Bolsonaro foram divergentes e expostos por uma gravação interna em reunião partidária, serviu de alerta para conter a fúria de aliados por fazerem de Tarcísio o herdeiro bolsonarista.
Com 51% de aprovação, segundo o PoderData, Lula parece ter mantido o seu eleitorado após um semestre de governo. Esse dado é fundamental para as pretensões da oposição. Caso Lula se mantenha mais aprovado do que reprovado, as chances dos adversários ficam diminutas. Mais um motivo para que não se antecipe a disputa presidencial, no caso de Tarcísio. Vale ressaltar, que essa máxima não serve para Romeu Zema, seu maior competidor pelo espólio de Bolsonaro, já que o mandatário mineiro não tem a opção da reeleição em 2026.
O fato é que Bolsonaro continua sendo o grande nome desta raia eleitoral e a disputa, caso nada de muito fora do comum ocorra, passará por ele. Ao se posicionar como não candidato e soldado fiel do capitão, o governador paulista tira o peso das suas costas e mostra fidelidade ao projeto maior que é o de sacar o PT do poder e retomar a presidência da República. Vai na contramão do que Doria fez e se mostra altivo e comprometido com seu mandato.
Em grupos qualitativos com eleitores que rejeitam João Doria, a máxima da desilusão por ele ter se tornado um “político” na pior das conotações do termo, alguém que só pensava em si, em seu projeto pessoal e que traiu seus aliados, é grande. Como, provavelmente, Tarcísio monitore por meio de pesquisas seu eleitorado e seu governo, deve ter se apercebido de que não deve entrar nessa bola dividida agora. Dois anos e meio ainda faltam para o próximo pleito, uma eternidade em se tratando de política. É hora de maratonar, portanto, e não pensar em sprints. Nessa corrida, quem larga muito cedo se cansa e pode não ter fôlego para chegar até o final.