BRASÍLIA - A Câmara dos Deputados ressuscitou a intenção de retirar dos governadores de Estado poder e controle sobre o comando da Polícia Militar (PM). Os deputados se preparam para votar nesta terça-feira, 2, um projeto de lei que institui a lista tríplice como forma de escolha dos comandantes-gerais, confere a eles um mandato de dois anos e dá autonomia orçamentária às PMs. A tendência é de aprovação.
Em junho, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e ministros receberam no Palácio da Alvorada parlamentares da comissão de segurança pública e entidades representativas de policiais, que defendem a aprovação de uma nova lei orgânica para as polícias: pressionavam pela votação como uma forma de aceno às bases do presidente na segurança pública, já que a lei orgânica é mais abrangente e traz outros benefícios. O governo federal acompanhou todos os passos da preparação do projeto, elaborado em consulta às associações, e também fez sugestões, por intermédio do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Originalmente, a limitação ao poder dos governadores havia sido incluída no projeto de lei orgânica das PMs. Uma ideia semelhante foi criada para nomeação dos delegados-gerais de Polícia Civil, que discutiam sua organização à parte. Nenhuma das duas leis orgânicas, no entanto, avançou a ponto de ser votada pelos deputados.
Houve forte reação de governadores descontentes, quando o Estadão revelou o teor dos projetos em gestação, em janeiro do ano passado. Ao longo de meses de debates, os parlamentares responsáveis pela elaboração da proposta recuaram e aceitaram retirar a lista tríplice e o mandato dos comandantes do escopo da lei orgânica. Não havia consenso nem sequer entre os atuais comandantes-gerais, que foram consultados por meio de um conselho nacional.
Agora, os deputados da bancada da bala decidiram retomar o assunto e acelerar a tramitação da proposta durante o esforço concentrado pré-eleitoral. A meta é colocar em discussão e votação o projeto com o propósito de instituir a lista tríplice como forma de escolha dos comandantes. A última versão ainda garante aos comandantes a prerrogativa de “elaborar a proposta orçamentária” das corporações.
O projeto de lei é de autoria do deputado José Nelto (Progressistas-GO), mas foi modificado por parlamentares bolsonaristas. Fizeram contribuições a deputada Major Fabiana (PL-RJ) e o Cabo Junio Amaral (PL-MG), ambos ex-policiais militares. Os favoráveis à ideia argumentam que visam reduzir a “ingerência política” e influência partidária dos governadores nas PMs.
Limites
O PL 164/2019 diz que o comando-geral de policiais e bombeiros militares será exercido por oficial da ativa do último posto, atualmente coronel, escolhido pelo governador a partir de lista tríplice. Essa lista será encaminhada ao governador depois de uma votação interna sigilosa, que envolverá todos os oficiais da ativa. Poderão concorrer os dez coronéis mais antigos.
O escolhido comandante-geral exercerá um mandato de dois anos e poderá ser reconduzido ao cargo, a critério do governador, uma vez. Já se o governador desejar destituir o comandante-geral, ele precisará de aprovação por maioria de votos dos deputados estaduais ou distritais. Nenhuma dessas amarras existe atualmente, e a escolha dos governadores é livre dentro da corporação.
Para o Instituto Sou da Paz, a lista tríplice, além de limitar o controle do chefe do Executivo sobre o braço armado dos Estados, fortalece a agenda corporativa dos comandantes e recrudesce disputas políticas internas, com campanhas para coronéis concorrerem à indicação a cada dois anos.
“O projeto que se propõe limitar ingerências políticas indevidas nas polícias acabaria na prática por acirrar ainda mais a politização entre seus membros, realidade incompatível com uma instituição militar e prejudicial para a própria função policial”, afirmou o Sou da Paz por meio de nota. O texto entrou na pauta da Comissão de Segurança Pública, dominada por deputados da base do governo e bolsonaristas ligados ao setor. Os deputados começaram a discutir o assunto em julho, mas adiaram a votação, por causa de pressões de governadores sobre o Planalto.
Pelo perfil do colegiado, os parlamentares envolvidos no debate entendem que o projeto será aprovado com facilidade, mas pode voltar a ser discutido de forma mais ampla se a lei orgânica retornar à pauta. O ritmo de votação pode ser expresso. O projeto segue direto ao Senado, sem passar pelo plenário da Câmara, se aprovado nas comissões de Segurança Pública e de Constituição e Justiça.
Especialistas em segurança pública já manifestaram uma série de ressalvas à lista tríplice nas polícias e dizem que, nos bastidores, a intenção de Jair Bolsonaro e sua base aliada no Congresso é desvincular as PMs dos governadores.
Estudos já mostraram adesão de policiais militares, base eleitoral do presidente, a ideias autoritárias defendidas por ele e seus apoiadores em ambientes virtuais. Há temor, mesmo nas Forças Armadas, de que facções de PMs se insurjam contra o resultado eleitoral desfavorável ao presidente, junto à militância bolsonarista e grupos civis armados, como os CACs (caçadores, atiradores e colecionadores).