BRASÍLIA — Uma comitiva de organizações da sociedade civil se reúne nesta terça-feira, 26, com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, na tentativa de tentar frear a tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Anistia. O texto está na pauta de votação da Comissão especial da Câmara. A PEC pretende dar o maior perdão aos partidos políticos na história.
Estão, no grupo que irá à audiência com Moraes, o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), o Pacto pela Democracia, a Transparência Partidária, o Elas no Poder, a Coalizão Negra por Direitos, o Educafro e a Mulheres Negras Decidem.
“Essa reunião serve para a sociedade civil alertar a corte sobre esse possível ataque, se solidarizar com uma instituição protagonizou as ações em defesa do processo eleitoral nos últimos anos e também colher as avaliações do presidente do Tribunal Superior Eleitoral acerca do tema”, disse Arthur Mello, coordenador de advocacy do Pacto pela Democracia.
Estiveram, entre outros nomes, Roberto Livianu, presidente do Inac
Como mostrou o Estadão, a versão mais recente da PEC, além de conceder um perdão de multas às legendas que pode ir até R$ 23 bilhões em dívidas com a Justiça Eleitoral, abre brecha para que as siglas burlem a cota de gênero e não indiquem mulheres ao pleito.
A legislação eleitoral prevê que pelo menos 30% das candidaturas lançadas por um partido político devem ser destinadas ao gênero oposto ao da maioria. Por exemplo, 70% homens e 30% mulheres, ou vice-versa. Na prática, a cota é reservada para mulheres, que sempre são minoria dos candidatos.
O texto da PEC mantém essa regra, mas diz que a cota não precisa ser preenchida obrigatoriamente pelas siglas. Ou seja, o partido vai abrir vagas para candidatas mulheres, mas se não tiver número suficiente para cumprir o percentual mínimo, não precisará fazê-lo.
As organizações que se reunirão com o presidente do TSE dizem que a proposta desqualifica a democracia e enfraquece o mecanismo e a legislação eleitoral. Apesar do apelo a Moraes, não é praxe do poder Judiciário interferir na votação de uma nova legislação enquanto o assunto ainda está sendo debatido no Congresso. A visita das entidades ao TSE reforça, no entanto, a pressão contra a adoção de regras que reduzam a transparência no processo eleitoral.
Entenda o que os partidos poderão ganhar com a PEC da Anistia:
Novo piso para negros e reserva de vagas para mulheres no Legislativo
O relator, Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), propõe que seja estabelecido um novo piso de 20% de repasse do Fundo Eleitoral para candidaturas de negros e que a Câmara dos Deputados e demais legislativos estaduais e municipais reservem 20% de suas vagas para parlamentares mulheres a partir de 2026.
Quarta anistia para partidos que não repassaram fundo eleitoral para mulheres
Rodrigues argumenta que a PEC “nasceu da constatação de dificuldades concretas vividas pelos partidos políticos” para se adaptar às regras de distribuição de recursos a candidaturas femininas e negras, ainda que esse novo perdão repita uma outra anistia criada pelo Congresso e aprovada em abril de 2022.
Naquela data, o Congresso aprovou a emenda à Constituição que indultou partidos que não usaram os recursos destinados às campanhas femininas na eleição de 2020, propondo novamente o adiamento do cumprimento da porcentagem mínima de 30% do repasse do fundo eleitoral a candidaturas femininas.
Essa será a quarta anistia da Câmara a partidos que não cumpriram a cota de candidaturas femininas. Além da PEC do ano passado, legendas tiveram um perdão em 2015 e outro em 2019.
Relator da PEC da Anistia, do PL, coloca trechos para favorecer o próprio partido
Para impedir multas milionárias – como a de R$ 22 milhões imposta por Alexandre de Moraes ao PL – o texto limitou as sanções financeiras aplicáveis pela Justiça Eleitoral a 10% do montante mensal do Fundo Partidário. A PEC estende a anistia às fundações e aos institutos partidários. O relator, Antonio Carlos Rodrigues, é do PL e faz parte do grupo de membros do partido mais próximo ao presidente da sigla, Valdemar Costa Neto.
Não é o único trecho que favorecerá o partido. A PEC ainda anistia as legendas que apresentaram irregularidades nas prestações de contas realizadas antes da promulgação da emenda constitucional.
O relator ainda incluiu um trecho que impede a perda de mandato e decretação de inelegibilidade, por decisão judicial, que acarrete redução do número de candidatas eleitas. Ou seja, nesse caso, se o partido descumprir a cota de gênero, a Justiça Eleitoral não pode cassar a chapa toda, caso mulheres também tenham se beneficiado e vencido a eleição.
Esse trecho da PEC poderá salvar o PL do Ceará, presidido pelo deputado federal André Fernandes, apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro. A bancada estadual do PL deve ter o mandato cassado por fraude à cota de gênero. Entre eles, está o deputado estadual bolsonarista Carmelo Neto, o mais votado ao cargo em 2022.
A deputada Bia Kicis (PL-DF) elogiou a PEC e pediu para que fosse mantido esse exato trecho, que pode salvar o diretório estadual do seu partido.
Internamente, o PT dialoga com outras legendas para formar maioria e derrubar o parágrafo, por destaque, no plenário da Câmara.
Entenda o trâmite da PEC
O texto precisa passar pela comissão especial para ser votado em plenário, onde serão necessários os votos de 308 deputados em dois turnos para aprovar a PEC. Antes da análise na comissão especial, a proposta já havia sido aprovada, em abril, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. A previsão é que a votação aconteça no mesmo dia.
Na ocasião, o projeto limitou as sanções financeiras aplicáveis pela Justiça Eleitoral a 10% do montante mensal recebido do Fundo Partidário. A medida aprovada naquele momento ainda ampliou a anistia não só aos partidos, mas às suas fundações e aos seus institutos.