BRASÍLIA - Mesmo sem dinheiro de empresas privadas, as eleições de 2022 devem igualar ou até ultrapassar o gasto de 2014, a disputa mais cara da história do País. Naquele ano, a maior parte das campanhas foi bancada por construtoras investigadas pela Operação Lava Jato. Agora, só haverá recursos públicos e de pessoas físicas. Mas as campanhas voltaram a ter arrecadações milionárias com o embate acirrado de grupos alinhados ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Até outubro, os candidatos terão aproximadamente R$ 6 bilhões em recursos públicos para gastar nas campanhas, somando os fundos eleitoral e partidário. O dinheiro foi distribuído pelos partidos entre seus candidatos de acordo com critérios dos próprios dirigentes das siglas. A esse montante somam-se doações de pessoas físicas que, na estimativa de especialistas em campanhas, devem chegar a um valor recorde neste ano.
Para se ter uma ideia, nos primeiros dez dias de campanha entraram R$ 165 milhões em doações dessa forma. Somente o empresário José Salim Mattar repassou R$ 2,8 milhões para vários candidatos – é o maior doador até agora. As campanhas podem receber também recursos de financiamentos coletivos, as chamadas “vaquinhas”.
Assim, o custo da eleição deste ano poderá superar os R$ 8 bilhões movimentados na disputa de 2014, a mais cara da história, considerando o valor da época corrigido pela inflação.
Há outra diferença entre as disputas do período da Lava Jato e de agora que preocupam especialistas. Na eleição de 2014, foram 90 dias para os candidatos pedirem voto. Neste ano, a campanha oficial vai durar apenas 45. Ou seja, os candidatos terão menos tempo para gastar bilhões de reais despejados nas campanhas.
“A demanda real por gastos diminuiu, mas o dinheiro aumentou. O risco de corrupção se elevou demais”, afirmou o consultor sênior da Transparência Internacional no Brasil, Michael Mohallem.
Para o consultor, a intenção das últimas mudanças na legislação eleitoral – como a que proibiu o financiamento por empresas – foi diminuir o custo das campanhas, o que deve ser revertido nesta eleição em que os dois protagonistas são, pela primeira vez, o presidente e um ex-presidente.
Inelegíveis
Uma parte do dinheiro público e das doações de pessoas físicas está sendo gasto em campanhas de candidatos que estão na mira da Justiça Eleitoral. Na próxima terça-feira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decide se o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) poderá manter sua candidatura ao Palácio do Planalto. Para evitar desperdício de dinheiro público, o ministro Carlos Horbach, que indicou a inelegibilidade de Jefferson, se adiantou e suspendeu repasses de fundos eleitorais para a campanha.
Outro que corre risco de perder direito de se candidatar é o deputado Neri Geller (Progressistas-MT), que disputa vaga ao Senado. Condenado por abuso do poder econômico na campanha em 2018, o parlamentar teve o mandato na Câmara e a atual candidatura a senador cassados pelo TSE na semana passada, mas uma decisão da juíza Clara da Mota Santos, do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, restituiu seus direitos. O caso deve voltar ao TSE. Enquanto isso, Geller já recebeu R$ 2,7 milhões do fundo eleitoral e aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal.
Cassado em 2016, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PTB) começou sua campanha na TV para uma vaga de deputado federal por São Paulo. Na quinta-feira passada, o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo, derrubou a liminar que o mantinha na disputa. A campanha continua, enquanto ele aguarda o julgamento no TSE. Cunha já recebeu R$ 1 milhão do “fundão” para financiar sua campanha.
História
O aumento do financiamento público foi articulado por partidos políticos, aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro. A estratégia foi permitir que as campanhas tivessem uma estrutura parecida com eleições anteriores, mesmo sem depender do financiamento de grandes empresas. O valor do fundo eleitoral entrou no Orçamento da União e é bancado com impostos federais e multas pagas à Justiça Eleitoral.
Além de um “fundão” à disposição dos candidatos, as eleições deste ano têm regras diferentes. É a primeira disputa nacional sem coligações proporcionais, grupos que partidos formavam para eleger deputados. Agora, cada legenda terá que ter sozinha o número de votos necessários para eleger um candidato – que varia de acordo com o Estado e o número de vagas disponíveis. Na prática, o político precisará de mais votos – e, consequentemente, mais dinheiro – para obter uma cadeira na Câmara.
O cargo de deputado passou a ser ainda mais cobiçado com o aumento do poder do Congresso e o acesso ao orçamento secreto. Conforme o Estadão publicou, a disputa tem um número recorde de candidatos à reeleição na Câmara.
“O fundo eleitoral ficou maior sem aumentar a transparência e a fiscalização, que claramente não estão na mesma proporção”, disse o diretor da Transparência Brasil, Manoel Galdino. A margem para candidaturas “laranjas”, gastos fictícios e enriquecimento ilícito aumentou, de acordo com ele. “É mais do que desperdício, é crime mesmo”, alertou.
Teto
O gasto também deve aumentar nas campanhas presidenciais. Em 2018, o presidente Jair Bolsonaro declarou ter gasto R$ 2,5 milhões. O PT informou um total de R$ 37,5 milhões para a campanha de Fernando Haddad. Agora, o limite para a campanha de Bolsonaro e de Lula será de R$ 88,9 milhões. Em um eventual segundo turno, haverá um acréscimo de R$ 44,5 milhões. As campanhas dizem que devem chegar perto do teto, mas o valor final só é conhecido depois da disputa.
Até ontem, os partidos distribuíram R$ 2,3 bilhões dos dois fundos para 6.044 candidatos. A metade do valor, R$ 1,1 bilhão, entrou na conta de apenas 6% dos candidatos. Quem mais recebeu verba pública foi Lula, R$ 66,7 milhões. Dados do TSE mostram que os candidatos já receberam R$ 2,4 bilhões, somando fundos eleitoral e partidário, doações de pessoas físicas e “vaquinhas”. Até agora, eles declararam ter contratado R$ 224,1 milhões em despesas, das quais R$ 93 milhões já foram pagas.