Para o ex-embaixador do Brasil em Washington, Roberto Abdenur, "está claro, a esta altura, que a candidatura do egípcio Farouk Hosny à direção-geral da Unesco é inviável". Na Europa, na Ásia e até entre países árabes há resistências ao seu nome, diz ele, "e ao que se sabe a secretária de Estado Hillary Clinton já manifestou ao governo egípcio a oposição da Casa Branca a essa candidatura". Mas Abdenur, com a longa experiência também de titular nas embaixadas brasileiras de Berlim, Viena e Pequim, acredita que há uma saída para o fato de o Itamaraty apoiar o egípcio justamente contra um nome brasileiro de grande aceitação, o de Marcio Barbosa. "Compreende-se que o governo não deseje recuar de seu compromisso com os árabes. Mas essa postura não precisaria implicar oposição à candidatura de Barbosa, que poderia ser formalizada por outros países". Se a diplomacia brasileira aceitar essa possibilidade até quinta-feira que vem, quando termina o prazo das candidaturas, os dois nomes, diz o embaixador, podem caminhar lado a lado, com outros candidatos. "E até setembro, na eleição, é altamente provável que a pretensão egípcia caia pelo caminho. Poderá o Brasil, então, sem prejuízos diante do mundo árabe, fazer a opção que lhe pareça conveniente." O Brasil se colocou em situação difícil ao se definir pelo egípcio Farouk Hosny para a direção-geral da Unesco - um nome que muita gente rejeita. Como vê esse episódio? O anúncio do apoio brasileiro reduziu, em alguma medida, os ânimos de muitos que, desde cedo, iam se alinhando com Marcio Barbosa. Mas está claro, a esta altura, que a candidatura de Hosny é inviável. Salvo a hipótese de um recuo desde logo por parte do governo egípcio, ela será oficializada até dia 30. E com ela virão outras, da Bulgária, Grécia, Noruega, Rússia e talvez de um ou dois outros árabes. Algumas delas surgiram apenas para tolher os passos de um nome indesejável, o de Hosny. Ele acaba de sofrer também um ataque de intelectuais de prestígio, como Bernard Henri-Lévy e Elie Wiesel. Que apoios ele tem? A pressão excessiva do governo do Egito em defesa de seu ministro gerou resistências dentro do próprio mundo árabe e há críticas a Hosny mesmo entre segmentos da opinião pública egípcia. Do mesmo modo, entre governos da África subsaariana. Tem forte oposição entre países asiáticos e europeus. É rejeitado por Nicolas Sarkozy, na França, e pelos EUA, oposição que a própria Hillary Clinton teria transmitido pessoalmente ao presidente Mubarak. E, como você mencionou, é significativo que um dos jornais mais influentes da Europa, Le Monde, o tenha criticado como criticou. A diplomacia brasileira errou? O sr. acha que seria melhor ela voltar atrás do apoio prometido? Compreende-se que o governo não deseje recuar do apoio que lhe deu. Mas essa postura não teria por que implicar oposição à formalização da candidatura de Barbosa por um grupo de países a ele simpáticos - como é possível pelos regulamentos da Unesco. O importante é que, até o final do mês, Barbosa possa ser incluído entre os candidatos. Outros organismos multilaterais da ONU já fizeram isso. Lembro que ElBaradei, em sua primeira eleição à direção da Agência Internacional de Energia Atômica, a AIEA, foi eleito mesmo sem apoio de seu país - que, no caso, era o próprio Egito. Por que o Itamaraty faria isso? É que o prazo para candidaturas termina dia 30, mas a eleição só acontece em setembro. Com o desenrolar da competição, seguramente cairá pelo caminho a pretensão de Hosny. Poderá então o Brasil, sem prejuízo em termos de seu gesto diante do mundo árabe, fazer outra opção que lhe pareça conveniente. Talvez a do próprio brasileiro. Que garantias há de que se o Brasil mudar Barbosa será o vencedor? Sua candidatura estava bem encaminhada até semanas atrás. Ele estava próximo de obter os 30 votos, de um total de 58, necessários à sua votação. E cabe esclarecer que estão descartadas as candidaturas de países da Europa, EUA, Ásia e África. Valem nomes da Europa Leste, dos árabes, America Latina e Caribe. E Barbosa, como segundo homem na hierarquia da Unesco, tem apoio do seu chefe, o japonês Koichiro Matsuuda. Poderia citar 20 a 30 países que já estão inclinados a confirmá-lo. Se o Brasil não alterar sua decisão, que garantias há de que ele possa no futuro fazer outro diretor nesse posto? Minha impressão é que, se Barbosa, que desfruta hoje de situação tão privilegiada por sua popularidade nos meios da organização, não for eleito agora, numa eleição futura, daqui a alguns anos, vai ficar difícil fazermos um diretor-geral na Unesco. Até porque, nessas novas oportunidades, outros países latino-americanos pretenderão ter sua chance e apoiar novamente um nome brasileiro seria menos provável.