O tradicional perfil do vereador de bairro parece estar perdendo força em São Paulo. Dos dez vereadores mais votados para a Câmara Municipal em 2020, a maioria não possui uma base eleitoral concentrada em uma região específica da capital. Em vez disso, angariaram votos de várias partes da cidade devido ao engajamento em pautas diversas, alinhadas tanto à direita quanto à esquerda, mostra levantamento do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada (LAPPCOM), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), feito a pedido do Estadão.
Especialistas ouvidos pela reportagem destacam o papel das redes sociais na explicação do bom desempenho dos candidatos de opinião, ou seja, aqueles que não possuem uma base eleitoral territorial definida. Eles também avaliam que esse perfil de político pode ter uma vantagem sobre os candidatos tradicionais novamente nas eleições deste ano, com os evangélicos se destacando entre os potenciais eleitos.
A pesquisa realizada pelo LAPPCOM analisou apenas os parlamentares em exercício. Como o Estadão mostrou, a Câmara teve 13 baixas em relação à lista de 55 vereadores eleitos em 2020. Entre os dez mais votados, seis não possuem uma base eleitoral territorial e são considerados “políticos de opinião”. Em outras palavras, esses parlamentares não foram eleitos por representarem uma região, mas, sim, por defenderem suas agendas políticas e ideológicas.
Coordenadora do LAPPCOM, Mayra Goulart conta que os candidatos de opinião têm uma vantagem sobre aqueles com base eleitoral em uma região específica na corrida por uma vaga na Câmara Municipal neste ano. “Em uma cidade imensa como São Paulo, um candidato de opinião pode ter uma vantagem considerável. Se ele conseguir conquistar minorias em uma área geograficamente ampla, é bastante provável que seja eleito como um dos mais votados”, esclarece a professora da UFRJ.
Os candidatos com forte concentração de votos em uma região são chamados de “majoritários”, representando o tradicional político que atua nos bairros, muitas vezes por meio de associações locais. Esse tipo de candidato geralmente tem uma influência considerável sobre sua área de atuação. Isso indica que ele não apenas atrai minorias nesse território, mas também o eleitor médio, que não está vinculado a grupos específicos, como sindicatos ou o movimento negro, por exemplo.
Já o político de opinião é aquele que representa um nicho específico, como um movimento social ou uma categoria trabalhista. Em uma cidade grande, é possível que um vereador esteja entre os mais votados sem ter um perfil majoritário, devido ao grande número de eleitores e à influência das minorias. Porém, em cidades pequenas, é improvável que um político sem perfil majoritário seja eleito, já que as minorias não têm força suficiente para garantir a eleição de alguém.
Mayra explica que as redes sociais desempenham um papel crucial para os candidatos de opinião. Elas ampliam o acesso à esfera de formação da opinião pública, que anteriormente era restrita à mídia tradicional. “As redes sociais facilitam essa dinâmica e permitem um melhor estabelecimento dos nichos, além de possibilitar a produção de conteúdo de comunicação mais segmentado para nichos específicos”, conta a coordenadora do LAPPCOM.
Professor da Fundação Escola de Sociologia de São Paulo (FESPSP), Paulo Niccoli Ramirez esclarece que, na corrida por uma vaga à Câmara Municipal, geralmente há dois tipos distintos de candidatos. “Tradicionalmente, nas eleições, esse padrão de políticos que se adequam às demandas regionais e conseguem se eleger não é algo novo. No entanto, uma novidade nos últimos anos tem sido o impacto das redes sociais, que tendem a produzir um voto mais difuso”, conta.
Segundo Ramirez, os políticos que possuem alguma ligação com os evangélicos têm se destacado nesse contexto, pois conseguem mobilizar o apoio de uma base mais ampla. Da mesma forma, os chamados políticos outsiders também têm conseguindo tirar proveito das redes sociais para viabilizar suas candidaturas. “A juventude principalmente vota muito nesses políticos. Temos o caso do Kim Kataguiri que conseguiu ser eleito deputado federal”.
O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Claudio Couto, por sua vez, afirma que, embora os candidatos temáticos dominem entre os dez mais votados, essa tendência pode não refletir a distribuição geral dos votos. “Muitos vereadores com atuação regionalizada podem não angariar uma grande quantidade de votos, mas ainda assim conseguem o suficiente para garantir uma cadeira na Câmara Municipal”, disse.
Além disso, segundo Couto, as redes sociais desempenham um papel duplo na campanha eleitoral. Elas permitem que os candidatos temáticos alcancem um grande número de pessoas, mas também facilitam a comunicação em nível regional. Por exemplo, a criação de grupos de WhatsApp específicos para determinados bairros pode ser uma ferramenta poderosa para garantir votos dentro dessas comunidades, cita o professor.
Confira o perfil de cada um dos dez vereadores mais votados
Milton Leite: com destaque na atual legislatura, Milton Leite já foi o vereador mais votado de São Paulo nas últimas eleições e atualmente ocupa o cargo de presidente da Câmara. Ele é um político de propensão majoritária, com uma base eleitoral expressiva em bairros da zona sul, especialmente nos arredores do Capão Redondo, indicando que o perfil de seu eleitor é de classe popular.
Silvia da Bancada Feminista: o perfil da bancada é de opinião e se destaca por ter seus principais locais de votação em áreas com renda média acima da mediana nos distritos de São Paulo. Isso é característico de candidaturas de opinião desse tipo, que geralmente têm seus votos concentrados em regiões mais ricas.
Fernando Holiday: o vereador demonstra um perfil de opinião, com foco em pautas da direita conservadora e participação em debates nacionalizados. Seus votos não se concentram significativamente em nenhum dos critérios analisados pelo LAPPCOM, indicando uma votação dispersa em regiões com diferentes níveis de renda.
Thammy Miranda: é um vereador de opinião, com votos dispersos. Sua maior concentração de votos é de 2,7% na zona eleitoral da Brasilândia, seguida pela zona da Sé. Thammy atua principalmente na pauta de proteção à mulher e foi o nono vereador mais votado da cidade.
André Santos: o político tem seus votos concentrados, porém sem dominância, ou seja, sem figurar entre os mais votados das regiões nas quais atua, que são principalmente em áreas de renda média baixa, nas zonas central e oeste da capital paulista.
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Rute Costa: Quanto à distribuição de votos, a vereadora pode ser classificada como uma candidata de opinião. A zona eleitoral de Pinheiros é onde ela recebe a maior parte dos votos, representando 7,28% do total. Rute Costa demonstra relevância tanto na zona oeste quanto no centro de São Paulo, especialmente em bairros identificados socioeconomicamente como regiões de renda acima da mediana. No entanto, ela também mantém um bom diálogo com algumas localidades mais pobres, possivelmente devido à sua conexão com o público evangélico.
Atílio Francisco: o vereador apresenta números significativos em relação à concentração de votos, especialmente nos distritos de Jardim Ângela, Grajaú (17º mais pobre da capital), Pedreira e Capão Redondo. Essa concentração reflete sua influência, principalmente na Zona Sul de São Paulo, sugerindo um perfil com tendência majoritária, embora sem dominância absoluta.
Sansão Pereira: Apesar de não ser considerado um candidato com tendência majoritária, sua performance eleitoral mostra certas concentrações em determinadas regiões da cidade. Estas incluem Itaim Paulista (14º mais pobre), Cidade Tiradentes (39º mais pobre) e São Mateus (34º mais pobre). Assim como Atílio, Sansão também concentra uma quantidade significativa de votos nesses distritos (aproximadamente 25% do total), mas sem alcançar a predominância necessária para ser classificado como político majoritário. A principal diferença é que ele tem um desempenho melhor entre os distritos com perfil socioeconômico mais próximo da mediana, geralmente localizados na zona leste.
Luana Alves: No que diz respeito à performance eleitoral, a vereadora não concentra seus votos, sendo o distrito de Rio Pequeno (26º mais pobre) onde ela recebe a maior parte. Há também alguma concentração em Pinheiros (6º mais rico), totalizando juntas 10% dos votos da vereadora. Assim, Luana se destaca como uma candidata de opinião, com seus votos dispersos pela cidade de São Paulo. Ao contrário do padrão para candidatos de opinião, ela consegue alcançar um público mais pobre, apesar de sua atuação ideológica, o que a torna um perfil único entre os analisados pela LAPPCOM.
Roberto Trípoli: O vereador não apresenta altas taxas de concentração de votos. Portanto, ele se enquadra no contexto de candidato de opinião, que tem maior atuação nas áreas de baixo perfil socioeconômico da zona leste de São Paulo, especialmente por envolver-se em demandas sociais de orientação ambiental.