A imagem de um homem branco, próximo dos 60 anos e vestido com traje social, bastou para Cíntia, de 33 anos, dar o seu veredito: “Tem cara de corrupto. Daqueles políticos que roubam merenda”. Ao lado dela, o seu Ivanildo, de 50 anos, também se arriscou no palpite: “Não é do tipo de político que se preocupa com os mais pobres”. Essas impressões não surgiram ao acaso. Elas vieram à tona durante uma pesquisa qualitativa que investigou como a aparência dos políticos influencia a percepção dos eleitores.
No experimento conduzido pelo Instituto Travessia e acompanhado pelo Estadão, 10 participantes analisaram fotos de pessoas desconhecidas apresentadas como políticos. Sem qualquer informação adicional além da imagem, a tarefa era simples: descrever as primeiras impressões que aquelas figuras despertavam. As reações revelaram como traços físicos e escolhas de vestuário moldam e reforçam estereótipos.
A pesquisa, que faz parte da dissertação de mestrado da jornalista Deniza Gurgel no IDP, apresentou 10 perfis variados ao grupo. A imagem de um homem branco, entre 50 e 60 anos, vestido de terno e gravata, foi a que provocou mais reações negativas. Para o grupo, ele simbolizava o estereótipo do político tradicional. “Cara de corrupto”, “a favor do dinheiro” e “não se preocupa com os pobres” foram alguns dos rótulos lançados assim que a foto foi exibida em uma tela de televisão. Termos como “ladrão” e “antiquado” também vieram à tona. Apesar da conotação negativa, o grupo se dividiu em relação à identificação ideológica do homem. Para metade dos participantes, a figura deveria estar associada a um político de direita; para a outra metade, trazia características associadas à esquerda.
Já o perfil de um homem de meia-idade, vestindo camisa polo e com porte atlético, foi rapidamente relacionado ao movimento armamentista e à nova política. “Não usa camisa social para parecer moderno”, avaliou uma eleitora. Outro participante foi mais incisivo: “Tem cara de que, se pudesse, matava todos os bandidos”. Para a maioria, o perfil simbolizava a direita, encaixando-se facilmente no grupo dos defensores da família e da ordem. Em outros testes, a camisa polo também foi relacionada ao empreendedorismo, enquanto homens com físicos atléticos evocavam, quase de forma instintiva, uma conexão com o campo conservador.
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Entre os homens, o estilo que mais agradou foi a combinação de blazer com camiseta, vista como um equilíbrio entre formalidade e modernidade. Não por acaso, essa foi a escolha de Lula em boa parte de sua campanha de 2022. Um dos personagens testados na pesquisa, um homem negro, entre 30 e 40 anos, recebeu elogios de quase todo o grupo. Um eleitor disse que ele passa “firmeza e confiança”. Outro acrescentou que ele parece ser um empresário bem-sucedido que migrou para a política.
“Os homens mais velhos com traje social, antes sinônimo de confiança, força e respeito, hoje transmitem uma imagem pejorativa, de políticos tradicionais associados à corrupção — a clássica imagem do Congresso Nacional”, explica Renato Dorgan, cientista político e CEO do Instituto Travessia. “Curiosamente, roupas mais despojadas transmitem uma percepção maior de competência e modernidade nos homens. São aqueles que mantêm um estilo sofisticado, mas com toques de contemporaneidade. O blazer, por exemplo, sugere modernidade e empreendedorismo, lembrando a figura de um outsider. Homens mais fortes, com definição muscular, transmitem uma ideia policialesca, de combate à criminalidade.
Para eleitores com viés à direita, isso sugere ordem e disciplina. Observamos também alguns preconceitos em relação a homens com tatuagem e barba, que foram associados a políticos ligados ao crime organizado ou à milícia”, afirma Dorgan.
Ele observa que os personagens negros foram frequentemente vinculados a políticos preocupados com políticas sociais. “Eleitores percebem uma grande identificação entre pessoas negras e os desejos das classes mais pobres, estabelecendo uma correlação entre as duas coisas. Raramente políticos negros são vistos como pragmáticos, alinhados à direita ou com ideais liberais.”
Homens mais associados à corrupção
No caso das mulheres, os estereótipos também pesaram, mas de maneira distinta. Enquanto quase todos os homens apresentados ao grupo foram, de alguma forma, associados à corrupção, apenas uma das seis mulheres recebeu essa atribuição. A personagem em questão era uma jovem, loira, de cabelo liso. O grupo disse que ela deveria ser “musa do tráfico”, filha ou amante de algum político.
As mulheres mais velhas foram tratadas com maior respeito em relação às mais jovens. Um dos perfis apresentados, de uma mulher branca, magra, por volta dos 50 anos e vestindo roupas despojadas, chamou a atenção dos participantes, que a associaram à figura de uma professora. Sua aparência inspirou confiança e remeteu à intelectualidade e ao compromisso com políticas sociais. O grupo usou adjetivos positivos para descrevê-la, como “confiável”, “honesta”, “experiente” e “humilde”.
Outra personagem, da mesma faixa etária, mas trajando roupas sociais, foi vista como uma política de centro ou direita. Apesar de associada à classe alta, a mulher foi percebida como alguém preocupada com os mais pobres.
“As mulheres mais jovens que portavam peças de artesanato foram associadas à esquerda e não agradaram tanto. Tatuagens levaram a um estereótipo de falta de maturidade, como se elas não coubessem naquele espaço. Apesar de não serem vistas como corruptas, elas tiveram menos aceitação. Vimos também que elementos como estampas, cabelos que não são lisos e pele morena continuam sendo associados ao campo progressista”, diz Deniza, que é pesquisadora do Grupo Informação Pública e Eleições (IPE) da UnB.
A especialista ainda acrescenta: “Trazendo para o que observamos na política real, enquanto os candidatos homens estão cada vez mais aderindo ao uso de camiseta, calça jeans e blazer, deixando de lado a gravata, o movimento com as mulheres é o oposto. Tabata Amaral, por exemplo, aparecia sempre de terninho na campanha eleitoral; quando estava em agendas de rua, o mais despojado que usava era uma camisa social e calça jeans. Marina Helena também optava pelo terninho com frequência. As mulheres, para transmitirem respeito, recorrem a peças mais formais, enquanto os homens, por serem malvistos com esse estilo tradicional, vão se afastando desses elementos que remetem a estereótipos da política convencional.”
Para Dorgan, o brasileiro carrega em seu imaginário uma série de arquétipos pré-definidos, moldados por sua formação cultural conservadora e um tanto fantasiosa, além de preconceitos enraizados e a constante busca por heróis.
“O politicamente correto, o pai de família exemplar — conservador, mas jovial, com coragem e muita energia de trabalho — ainda guia esse ideário. No entanto, há uma novidade nesse cenário: o empreendedorismo. Esse arquétipo representa o homem que rompe as barreiras da mesmice, abrindo portas para oportunidades que, no imaginário popular, quase sempre estão ligadas a sinais de prosperidade financeira e à promessa de conduzir seu povo a essa prosperidade.”