Interpretação crítica e científica das instituições e do comportamento político

Opinião|Decisão do STF de condicionar emendas a arcabouço fiscal reestabelece poder majoritário do executivo


Dependendo da dose, organizações contramajoritárias podem ser remédio (indispensáveis) ou veneno (indefensáveis) na democracia

Por Carlos Pereira

Quando maiorias devem governar e quando elas devem ser controladas? Essa é a pergunta que os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt se propõem a responder no artigo “When should the majority rule?” que acaba de ser publicado no Journal of Democracy.

Contrariando a interpretação dominante, que assume que “o sucesso duradouro de democracias necessariamente requer limites significativos à própria democracia”, Levitsky e Ziblatt argumentam que a atuação de controles que limitam ações de governos majoritários pode tanto fortalecer a democracia liberal, como também minar o seu funcionamento.

O presidente Lulz com o o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), durante posse do magistrado na Corte, em fevereiro de 2024 Foto: Wilton Junior/Estadão
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Dependendo da dose, portanto, organizações contramajoritárias podem ser remédio (indispensáveis) ou veneno (indefensáveis). Controles efetivos a maiorias eventuais podem, por um lado, proteger direitos fundamentais e incentivar o bom governo, como, por outro lado, subverter a democracia ao não permitir que maiorias eleitas governem.

Se o presidente eleito é constitucionalmente fraco, mas seu partido é majoritário no legislativo, a governabilidade não estaria comprometida. Mas interesses minoritários poderiam vir a estar sob risco. Instituições contramajoritárias seriam assim essenciais para impedir eventuais excessos decorrentes da unificação de interesses entre executivo e legislativo.

Já em presidencialismos multipartidários, como o brasileiro, presidentes eleitos quase nunca disfrutam de maiorias partidárias no legislativo. Para governar, o executivo precisa ser forte ao concentrar poderes e recursos capazes de atrair apoios de uma maioria de partidos. Diante da incompetência dessa maioria legislativa de controlar um executivo poderoso, instituições contramajoritárias, como o STF, seriam chamadas a exercer esse papel.

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Porém, um aspecto negligenciado nesse debate é quando organizações de controle, que supostamente exerceriam um papel contramajoritário, exercerem, na prática, um papel majoritário, ao beneficiar as preferências do governo de plantão.

Um bom exemplo foi a decisão recente de STF de condicionar a execução de emendas dos parlamentares ao cumprimento do arcabouço fiscal. Essa interpretação, na prática, devolve a discricionariedade para o executivo que havia sido perdida com a impositividade da execução das emendas individuais e de bancada.

Ainda não restabelece a capacidade de o presidente agir estrategicamente executando primordialmente emendas de parlamentares mais fieis da sua coalizão. Mas a decisão do STF teria o potencial de reestabelecer a preponderância do executivo em relação ao legislativo no orçamento, facilitando a governabilidade.

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Quando maiorias devem governar e quando elas devem ser controladas? Essa é a pergunta que os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt se propõem a responder no artigo “When should the majority rule?” que acaba de ser publicado no Journal of Democracy.

Contrariando a interpretação dominante, que assume que “o sucesso duradouro de democracias necessariamente requer limites significativos à própria democracia”, Levitsky e Ziblatt argumentam que a atuação de controles que limitam ações de governos majoritários pode tanto fortalecer a democracia liberal, como também minar o seu funcionamento.

O presidente Lulz com o o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), durante posse do magistrado na Corte, em fevereiro de 2024 Foto: Wilton Junior/Estadão

Dependendo da dose, portanto, organizações contramajoritárias podem ser remédio (indispensáveis) ou veneno (indefensáveis). Controles efetivos a maiorias eventuais podem, por um lado, proteger direitos fundamentais e incentivar o bom governo, como, por outro lado, subverter a democracia ao não permitir que maiorias eleitas governem.

Se o presidente eleito é constitucionalmente fraco, mas seu partido é majoritário no legislativo, a governabilidade não estaria comprometida. Mas interesses minoritários poderiam vir a estar sob risco. Instituições contramajoritárias seriam assim essenciais para impedir eventuais excessos decorrentes da unificação de interesses entre executivo e legislativo.

Já em presidencialismos multipartidários, como o brasileiro, presidentes eleitos quase nunca disfrutam de maiorias partidárias no legislativo. Para governar, o executivo precisa ser forte ao concentrar poderes e recursos capazes de atrair apoios de uma maioria de partidos. Diante da incompetência dessa maioria legislativa de controlar um executivo poderoso, instituições contramajoritárias, como o STF, seriam chamadas a exercer esse papel.

Porém, um aspecto negligenciado nesse debate é quando organizações de controle, que supostamente exerceriam um papel contramajoritário, exercerem, na prática, um papel majoritário, ao beneficiar as preferências do governo de plantão.

Um bom exemplo foi a decisão recente de STF de condicionar a execução de emendas dos parlamentares ao cumprimento do arcabouço fiscal. Essa interpretação, na prática, devolve a discricionariedade para o executivo que havia sido perdida com a impositividade da execução das emendas individuais e de bancada.

Ainda não restabelece a capacidade de o presidente agir estrategicamente executando primordialmente emendas de parlamentares mais fieis da sua coalizão. Mas a decisão do STF teria o potencial de reestabelecer a preponderância do executivo em relação ao legislativo no orçamento, facilitando a governabilidade.

Quando maiorias devem governar e quando elas devem ser controladas? Essa é a pergunta que os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt se propõem a responder no artigo “When should the majority rule?” que acaba de ser publicado no Journal of Democracy.

Contrariando a interpretação dominante, que assume que “o sucesso duradouro de democracias necessariamente requer limites significativos à própria democracia”, Levitsky e Ziblatt argumentam que a atuação de controles que limitam ações de governos majoritários pode tanto fortalecer a democracia liberal, como também minar o seu funcionamento.

O presidente Lulz com o o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), durante posse do magistrado na Corte, em fevereiro de 2024 Foto: Wilton Junior/Estadão

Dependendo da dose, portanto, organizações contramajoritárias podem ser remédio (indispensáveis) ou veneno (indefensáveis). Controles efetivos a maiorias eventuais podem, por um lado, proteger direitos fundamentais e incentivar o bom governo, como, por outro lado, subverter a democracia ao não permitir que maiorias eleitas governem.

Se o presidente eleito é constitucionalmente fraco, mas seu partido é majoritário no legislativo, a governabilidade não estaria comprometida. Mas interesses minoritários poderiam vir a estar sob risco. Instituições contramajoritárias seriam assim essenciais para impedir eventuais excessos decorrentes da unificação de interesses entre executivo e legislativo.

Já em presidencialismos multipartidários, como o brasileiro, presidentes eleitos quase nunca disfrutam de maiorias partidárias no legislativo. Para governar, o executivo precisa ser forte ao concentrar poderes e recursos capazes de atrair apoios de uma maioria de partidos. Diante da incompetência dessa maioria legislativa de controlar um executivo poderoso, instituições contramajoritárias, como o STF, seriam chamadas a exercer esse papel.

Porém, um aspecto negligenciado nesse debate é quando organizações de controle, que supostamente exerceriam um papel contramajoritário, exercerem, na prática, um papel majoritário, ao beneficiar as preferências do governo de plantão.

Um bom exemplo foi a decisão recente de STF de condicionar a execução de emendas dos parlamentares ao cumprimento do arcabouço fiscal. Essa interpretação, na prática, devolve a discricionariedade para o executivo que havia sido perdida com a impositividade da execução das emendas individuais e de bancada.

Ainda não restabelece a capacidade de o presidente agir estrategicamente executando primordialmente emendas de parlamentares mais fieis da sua coalizão. Mas a decisão do STF teria o potencial de reestabelecer a preponderância do executivo em relação ao legislativo no orçamento, facilitando a governabilidade.

Opinião por Carlos Pereira

Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) e sênior fellow do CEBRI.

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