Interpretação crítica e científica das instituições e do comportamento político

Opinião|Decisão monocrática aproxima STF da política e o distancia do direito


Ato de Dias Toffoli que anulou provas obtidas em acordo de leniência da Odebrecht cria perdas reputacionais para próprio ministro e põe à prova reputação da Suprema Corte

Por Carlos Pereira
Atualização:

A reputação da Suprema Corte brasileira mais uma vez foi posta à prova por conta da decisão monocrática de um de seus ministros. O ministro Dias Toffoli decidiu individualmente invalidar as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht.

No livro O Supremo: Entre o Direito e a Política, que acaba de ser publicado, Diego Werneck Arguelhes analisa o dilema da relação entre esses dois pilares sob a perspectiva dos ritos dos procedimentos (individuais versus coletivos) na Suprema Corte brasileira. Diego argumenta que o comportamento individual de seus ministros, por meio de decisões monocráticas, afasta a Suprema Corte do Direito e a aproxima da política.

Enquanto decisões majoritárias do colegiado de um tribunal tendem a ser percebidas, mesmo pelo lado derrotado, como imparciais e, portanto, imbuídas de mais legitimidade, decisões individuais tendem a ser percebidas como parciais e mais susceptíveis a variações dos ventos da política.

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Dias Toffoli anulou provas obtidas em acordo de leniência da Odebrecht em decisão monocrática Foto: Adriano Machado/Reuters

Mas o que pode surpreender é que as decisões monocráticas em nossos tribunais não é apenas resultado de atitudes unilaterais de ministros do Supremo, mas é também fruto de iniciativa legislativa que delegou vários poderes aos magistrados.

De acordo com Ivar Hartmann e Lívia Ferreira (2015), decisões monocráticas ingressaram no ordenamento jurídico brasileiro com a alteração do artigo 557 do CPC de 1973, após a entrada em vigor das Leis nº 9.139/95 e nº 9.756/98.

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Os autores lembram que o intuito do legislador com as referidas alterações, que possibilitaram um ministro relator decidir monocraticamente, era promover maior eficiência no Poder Judiciário, pois elas, supostamente, iriam minorar a carga de trabalho dos órgãos colegiados e reduzir o tempo de julgamento dos recursos. O objetivo, portanto, foi o de ampliar a efetividade do processo judicial.

Entretanto, todo processo de delegação de poderes amplos, inclusive aquela feita para ministros do Supremo, engendra riscos de comportamentos desviantes e/ou excessivos. Como todo ator político, é muito difícil esperar de membros do STF moderação ou autocontenção no uso estratégico de um poder delegado, mesmo que tal comportamento possa trazer perdas de legitimidade a Suprema Corte.

Esse é um dilema de difícil solução. Deve um ministro se autoconter e submeter a sua interpretação ao colegiado correndo riscos de que sua preferência seja derrotada? Ou se valer do poder delegado pelo legislador de agir monocraticamente aumentando as chances de que sua preferência prevaleça?

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Por outro lado, o legislador brasileiro tem preferido arcar com os custos de decisões monocráticas de ministros da Suprema Corte, mesmo quando não são consistentes com as suas preferências. O legislador, se quisesse, poderia estabelecer regras mais claras e/ou casos específicos em que uma decisão monocrática pudesse ser utilizada. Mas iniciativas dessa natureza, até o momento, não prosperaram.

Ao invés disso, mantém uma delegação ampla de poderes, tolerando o uso indiscriminado de decisões monocráticas. Há pelo menos duas possíveis explicações para esse fenômeno. De um lado a delegação ampla de poderes cria uma expectativa para a obtenção de decisões favoráveis aos interesses dos legisladores por meio de suas conexões individuais com ministros do Supremo. Além disso, o legislador pode temer retaliações por parte do Supremo.

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Talvez por ter percebido um potencial risco de perda reputacional do STF ou mesmo por receio de que o Legislativo pudesse impor uma restrição mais ampla, a presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, se antecipou e liderou uma reforma regimental que estabeleceu que medidas cautelares de natureza civil ou penal em que um ministro decida aplicar alguma decisão liminar (provisória e urgente), fica liberado para a apreciação do plenário ou das turmas imediatamente.

Além do mais, a reforma estabeleceu que uma vez passado o prazo regimental de 90 dias para que um ministro apresente seu volto em caso de pedido de vista, o processo é automaticamente liberado para julgamento. Era comum que membros da corte ficassem meses ou mesmo anos sem liberar para que processos fossem julgados.

Entretanto, à decisão de Toffoli, por ser de mérito, não se aplica as regras da reforma regimental implementadas pela ministra Rosa Weber, que força o relator a colocar sua decisão para apreciação imediata pelo colegiado. Portanto a reforma corrigiu apenas parcialmente o problema, deixando ainda muito espaço para o uso estratégico de decisões monocráticas.

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Independentemente do mérito, ao decidir monocraticamente anular o acordo de leniência com a Odebrecht, Toffoli não criou apenas perdas reputacionais para si próprio, mas também expôs a julgamento da sociedade a própria Suprema Corte. O enorme risco de decisões monocráticas é o da sociedade passar a ser representada por ministros individuais e não pelo colegiado, especialmente em decisões relevantes.

A reputação da Suprema Corte brasileira mais uma vez foi posta à prova por conta da decisão monocrática de um de seus ministros. O ministro Dias Toffoli decidiu individualmente invalidar as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht.

No livro O Supremo: Entre o Direito e a Política, que acaba de ser publicado, Diego Werneck Arguelhes analisa o dilema da relação entre esses dois pilares sob a perspectiva dos ritos dos procedimentos (individuais versus coletivos) na Suprema Corte brasileira. Diego argumenta que o comportamento individual de seus ministros, por meio de decisões monocráticas, afasta a Suprema Corte do Direito e a aproxima da política.

Enquanto decisões majoritárias do colegiado de um tribunal tendem a ser percebidas, mesmo pelo lado derrotado, como imparciais e, portanto, imbuídas de mais legitimidade, decisões individuais tendem a ser percebidas como parciais e mais susceptíveis a variações dos ventos da política.

Dias Toffoli anulou provas obtidas em acordo de leniência da Odebrecht em decisão monocrática Foto: Adriano Machado/Reuters

Mas o que pode surpreender é que as decisões monocráticas em nossos tribunais não é apenas resultado de atitudes unilaterais de ministros do Supremo, mas é também fruto de iniciativa legislativa que delegou vários poderes aos magistrados.

De acordo com Ivar Hartmann e Lívia Ferreira (2015), decisões monocráticas ingressaram no ordenamento jurídico brasileiro com a alteração do artigo 557 do CPC de 1973, após a entrada em vigor das Leis nº 9.139/95 e nº 9.756/98.

Os autores lembram que o intuito do legislador com as referidas alterações, que possibilitaram um ministro relator decidir monocraticamente, era promover maior eficiência no Poder Judiciário, pois elas, supostamente, iriam minorar a carga de trabalho dos órgãos colegiados e reduzir o tempo de julgamento dos recursos. O objetivo, portanto, foi o de ampliar a efetividade do processo judicial.

Entretanto, todo processo de delegação de poderes amplos, inclusive aquela feita para ministros do Supremo, engendra riscos de comportamentos desviantes e/ou excessivos. Como todo ator político, é muito difícil esperar de membros do STF moderação ou autocontenção no uso estratégico de um poder delegado, mesmo que tal comportamento possa trazer perdas de legitimidade a Suprema Corte.

Esse é um dilema de difícil solução. Deve um ministro se autoconter e submeter a sua interpretação ao colegiado correndo riscos de que sua preferência seja derrotada? Ou se valer do poder delegado pelo legislador de agir monocraticamente aumentando as chances de que sua preferência prevaleça?

Por outro lado, o legislador brasileiro tem preferido arcar com os custos de decisões monocráticas de ministros da Suprema Corte, mesmo quando não são consistentes com as suas preferências. O legislador, se quisesse, poderia estabelecer regras mais claras e/ou casos específicos em que uma decisão monocrática pudesse ser utilizada. Mas iniciativas dessa natureza, até o momento, não prosperaram.

Ao invés disso, mantém uma delegação ampla de poderes, tolerando o uso indiscriminado de decisões monocráticas. Há pelo menos duas possíveis explicações para esse fenômeno. De um lado a delegação ampla de poderes cria uma expectativa para a obtenção de decisões favoráveis aos interesses dos legisladores por meio de suas conexões individuais com ministros do Supremo. Além disso, o legislador pode temer retaliações por parte do Supremo.

Talvez por ter percebido um potencial risco de perda reputacional do STF ou mesmo por receio de que o Legislativo pudesse impor uma restrição mais ampla, a presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, se antecipou e liderou uma reforma regimental que estabeleceu que medidas cautelares de natureza civil ou penal em que um ministro decida aplicar alguma decisão liminar (provisória e urgente), fica liberado para a apreciação do plenário ou das turmas imediatamente.

Além do mais, a reforma estabeleceu que uma vez passado o prazo regimental de 90 dias para que um ministro apresente seu volto em caso de pedido de vista, o processo é automaticamente liberado para julgamento. Era comum que membros da corte ficassem meses ou mesmo anos sem liberar para que processos fossem julgados.

Entretanto, à decisão de Toffoli, por ser de mérito, não se aplica as regras da reforma regimental implementadas pela ministra Rosa Weber, que força o relator a colocar sua decisão para apreciação imediata pelo colegiado. Portanto a reforma corrigiu apenas parcialmente o problema, deixando ainda muito espaço para o uso estratégico de decisões monocráticas.

Independentemente do mérito, ao decidir monocraticamente anular o acordo de leniência com a Odebrecht, Toffoli não criou apenas perdas reputacionais para si próprio, mas também expôs a julgamento da sociedade a própria Suprema Corte. O enorme risco de decisões monocráticas é o da sociedade passar a ser representada por ministros individuais e não pelo colegiado, especialmente em decisões relevantes.

A reputação da Suprema Corte brasileira mais uma vez foi posta à prova por conta da decisão monocrática de um de seus ministros. O ministro Dias Toffoli decidiu individualmente invalidar as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht.

No livro O Supremo: Entre o Direito e a Política, que acaba de ser publicado, Diego Werneck Arguelhes analisa o dilema da relação entre esses dois pilares sob a perspectiva dos ritos dos procedimentos (individuais versus coletivos) na Suprema Corte brasileira. Diego argumenta que o comportamento individual de seus ministros, por meio de decisões monocráticas, afasta a Suprema Corte do Direito e a aproxima da política.

Enquanto decisões majoritárias do colegiado de um tribunal tendem a ser percebidas, mesmo pelo lado derrotado, como imparciais e, portanto, imbuídas de mais legitimidade, decisões individuais tendem a ser percebidas como parciais e mais susceptíveis a variações dos ventos da política.

Dias Toffoli anulou provas obtidas em acordo de leniência da Odebrecht em decisão monocrática Foto: Adriano Machado/Reuters

Mas o que pode surpreender é que as decisões monocráticas em nossos tribunais não é apenas resultado de atitudes unilaterais de ministros do Supremo, mas é também fruto de iniciativa legislativa que delegou vários poderes aos magistrados.

De acordo com Ivar Hartmann e Lívia Ferreira (2015), decisões monocráticas ingressaram no ordenamento jurídico brasileiro com a alteração do artigo 557 do CPC de 1973, após a entrada em vigor das Leis nº 9.139/95 e nº 9.756/98.

Os autores lembram que o intuito do legislador com as referidas alterações, que possibilitaram um ministro relator decidir monocraticamente, era promover maior eficiência no Poder Judiciário, pois elas, supostamente, iriam minorar a carga de trabalho dos órgãos colegiados e reduzir o tempo de julgamento dos recursos. O objetivo, portanto, foi o de ampliar a efetividade do processo judicial.

Entretanto, todo processo de delegação de poderes amplos, inclusive aquela feita para ministros do Supremo, engendra riscos de comportamentos desviantes e/ou excessivos. Como todo ator político, é muito difícil esperar de membros do STF moderação ou autocontenção no uso estratégico de um poder delegado, mesmo que tal comportamento possa trazer perdas de legitimidade a Suprema Corte.

Esse é um dilema de difícil solução. Deve um ministro se autoconter e submeter a sua interpretação ao colegiado correndo riscos de que sua preferência seja derrotada? Ou se valer do poder delegado pelo legislador de agir monocraticamente aumentando as chances de que sua preferência prevaleça?

Por outro lado, o legislador brasileiro tem preferido arcar com os custos de decisões monocráticas de ministros da Suprema Corte, mesmo quando não são consistentes com as suas preferências. O legislador, se quisesse, poderia estabelecer regras mais claras e/ou casos específicos em que uma decisão monocrática pudesse ser utilizada. Mas iniciativas dessa natureza, até o momento, não prosperaram.

Ao invés disso, mantém uma delegação ampla de poderes, tolerando o uso indiscriminado de decisões monocráticas. Há pelo menos duas possíveis explicações para esse fenômeno. De um lado a delegação ampla de poderes cria uma expectativa para a obtenção de decisões favoráveis aos interesses dos legisladores por meio de suas conexões individuais com ministros do Supremo. Além disso, o legislador pode temer retaliações por parte do Supremo.

Talvez por ter percebido um potencial risco de perda reputacional do STF ou mesmo por receio de que o Legislativo pudesse impor uma restrição mais ampla, a presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, se antecipou e liderou uma reforma regimental que estabeleceu que medidas cautelares de natureza civil ou penal em que um ministro decida aplicar alguma decisão liminar (provisória e urgente), fica liberado para a apreciação do plenário ou das turmas imediatamente.

Além do mais, a reforma estabeleceu que uma vez passado o prazo regimental de 90 dias para que um ministro apresente seu volto em caso de pedido de vista, o processo é automaticamente liberado para julgamento. Era comum que membros da corte ficassem meses ou mesmo anos sem liberar para que processos fossem julgados.

Entretanto, à decisão de Toffoli, por ser de mérito, não se aplica as regras da reforma regimental implementadas pela ministra Rosa Weber, que força o relator a colocar sua decisão para apreciação imediata pelo colegiado. Portanto a reforma corrigiu apenas parcialmente o problema, deixando ainda muito espaço para o uso estratégico de decisões monocráticas.

Independentemente do mérito, ao decidir monocraticamente anular o acordo de leniência com a Odebrecht, Toffoli não criou apenas perdas reputacionais para si próprio, mas também expôs a julgamento da sociedade a própria Suprema Corte. O enorme risco de decisões monocráticas é o da sociedade passar a ser representada por ministros individuais e não pelo colegiado, especialmente em decisões relevantes.

A reputação da Suprema Corte brasileira mais uma vez foi posta à prova por conta da decisão monocrática de um de seus ministros. O ministro Dias Toffoli decidiu individualmente invalidar as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht.

No livro O Supremo: Entre o Direito e a Política, que acaba de ser publicado, Diego Werneck Arguelhes analisa o dilema da relação entre esses dois pilares sob a perspectiva dos ritos dos procedimentos (individuais versus coletivos) na Suprema Corte brasileira. Diego argumenta que o comportamento individual de seus ministros, por meio de decisões monocráticas, afasta a Suprema Corte do Direito e a aproxima da política.

Enquanto decisões majoritárias do colegiado de um tribunal tendem a ser percebidas, mesmo pelo lado derrotado, como imparciais e, portanto, imbuídas de mais legitimidade, decisões individuais tendem a ser percebidas como parciais e mais susceptíveis a variações dos ventos da política.

Dias Toffoli anulou provas obtidas em acordo de leniência da Odebrecht em decisão monocrática Foto: Adriano Machado/Reuters

Mas o que pode surpreender é que as decisões monocráticas em nossos tribunais não é apenas resultado de atitudes unilaterais de ministros do Supremo, mas é também fruto de iniciativa legislativa que delegou vários poderes aos magistrados.

De acordo com Ivar Hartmann e Lívia Ferreira (2015), decisões monocráticas ingressaram no ordenamento jurídico brasileiro com a alteração do artigo 557 do CPC de 1973, após a entrada em vigor das Leis nº 9.139/95 e nº 9.756/98.

Os autores lembram que o intuito do legislador com as referidas alterações, que possibilitaram um ministro relator decidir monocraticamente, era promover maior eficiência no Poder Judiciário, pois elas, supostamente, iriam minorar a carga de trabalho dos órgãos colegiados e reduzir o tempo de julgamento dos recursos. O objetivo, portanto, foi o de ampliar a efetividade do processo judicial.

Entretanto, todo processo de delegação de poderes amplos, inclusive aquela feita para ministros do Supremo, engendra riscos de comportamentos desviantes e/ou excessivos. Como todo ator político, é muito difícil esperar de membros do STF moderação ou autocontenção no uso estratégico de um poder delegado, mesmo que tal comportamento possa trazer perdas de legitimidade a Suprema Corte.

Esse é um dilema de difícil solução. Deve um ministro se autoconter e submeter a sua interpretação ao colegiado correndo riscos de que sua preferência seja derrotada? Ou se valer do poder delegado pelo legislador de agir monocraticamente aumentando as chances de que sua preferência prevaleça?

Por outro lado, o legislador brasileiro tem preferido arcar com os custos de decisões monocráticas de ministros da Suprema Corte, mesmo quando não são consistentes com as suas preferências. O legislador, se quisesse, poderia estabelecer regras mais claras e/ou casos específicos em que uma decisão monocrática pudesse ser utilizada. Mas iniciativas dessa natureza, até o momento, não prosperaram.

Ao invés disso, mantém uma delegação ampla de poderes, tolerando o uso indiscriminado de decisões monocráticas. Há pelo menos duas possíveis explicações para esse fenômeno. De um lado a delegação ampla de poderes cria uma expectativa para a obtenção de decisões favoráveis aos interesses dos legisladores por meio de suas conexões individuais com ministros do Supremo. Além disso, o legislador pode temer retaliações por parte do Supremo.

Talvez por ter percebido um potencial risco de perda reputacional do STF ou mesmo por receio de que o Legislativo pudesse impor uma restrição mais ampla, a presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, se antecipou e liderou uma reforma regimental que estabeleceu que medidas cautelares de natureza civil ou penal em que um ministro decida aplicar alguma decisão liminar (provisória e urgente), fica liberado para a apreciação do plenário ou das turmas imediatamente.

Além do mais, a reforma estabeleceu que uma vez passado o prazo regimental de 90 dias para que um ministro apresente seu volto em caso de pedido de vista, o processo é automaticamente liberado para julgamento. Era comum que membros da corte ficassem meses ou mesmo anos sem liberar para que processos fossem julgados.

Entretanto, à decisão de Toffoli, por ser de mérito, não se aplica as regras da reforma regimental implementadas pela ministra Rosa Weber, que força o relator a colocar sua decisão para apreciação imediata pelo colegiado. Portanto a reforma corrigiu apenas parcialmente o problema, deixando ainda muito espaço para o uso estratégico de decisões monocráticas.

Independentemente do mérito, ao decidir monocraticamente anular o acordo de leniência com a Odebrecht, Toffoli não criou apenas perdas reputacionais para si próprio, mas também expôs a julgamento da sociedade a própria Suprema Corte. O enorme risco de decisões monocráticas é o da sociedade passar a ser representada por ministros individuais e não pelo colegiado, especialmente em decisões relevantes.

A reputação da Suprema Corte brasileira mais uma vez foi posta à prova por conta da decisão monocrática de um de seus ministros. O ministro Dias Toffoli decidiu individualmente invalidar as provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht.

No livro O Supremo: Entre o Direito e a Política, que acaba de ser publicado, Diego Werneck Arguelhes analisa o dilema da relação entre esses dois pilares sob a perspectiva dos ritos dos procedimentos (individuais versus coletivos) na Suprema Corte brasileira. Diego argumenta que o comportamento individual de seus ministros, por meio de decisões monocráticas, afasta a Suprema Corte do Direito e a aproxima da política.

Enquanto decisões majoritárias do colegiado de um tribunal tendem a ser percebidas, mesmo pelo lado derrotado, como imparciais e, portanto, imbuídas de mais legitimidade, decisões individuais tendem a ser percebidas como parciais e mais susceptíveis a variações dos ventos da política.

Dias Toffoli anulou provas obtidas em acordo de leniência da Odebrecht em decisão monocrática Foto: Adriano Machado/Reuters

Mas o que pode surpreender é que as decisões monocráticas em nossos tribunais não é apenas resultado de atitudes unilaterais de ministros do Supremo, mas é também fruto de iniciativa legislativa que delegou vários poderes aos magistrados.

De acordo com Ivar Hartmann e Lívia Ferreira (2015), decisões monocráticas ingressaram no ordenamento jurídico brasileiro com a alteração do artigo 557 do CPC de 1973, após a entrada em vigor das Leis nº 9.139/95 e nº 9.756/98.

Os autores lembram que o intuito do legislador com as referidas alterações, que possibilitaram um ministro relator decidir monocraticamente, era promover maior eficiência no Poder Judiciário, pois elas, supostamente, iriam minorar a carga de trabalho dos órgãos colegiados e reduzir o tempo de julgamento dos recursos. O objetivo, portanto, foi o de ampliar a efetividade do processo judicial.

Entretanto, todo processo de delegação de poderes amplos, inclusive aquela feita para ministros do Supremo, engendra riscos de comportamentos desviantes e/ou excessivos. Como todo ator político, é muito difícil esperar de membros do STF moderação ou autocontenção no uso estratégico de um poder delegado, mesmo que tal comportamento possa trazer perdas de legitimidade a Suprema Corte.

Esse é um dilema de difícil solução. Deve um ministro se autoconter e submeter a sua interpretação ao colegiado correndo riscos de que sua preferência seja derrotada? Ou se valer do poder delegado pelo legislador de agir monocraticamente aumentando as chances de que sua preferência prevaleça?

Por outro lado, o legislador brasileiro tem preferido arcar com os custos de decisões monocráticas de ministros da Suprema Corte, mesmo quando não são consistentes com as suas preferências. O legislador, se quisesse, poderia estabelecer regras mais claras e/ou casos específicos em que uma decisão monocrática pudesse ser utilizada. Mas iniciativas dessa natureza, até o momento, não prosperaram.

Ao invés disso, mantém uma delegação ampla de poderes, tolerando o uso indiscriminado de decisões monocráticas. Há pelo menos duas possíveis explicações para esse fenômeno. De um lado a delegação ampla de poderes cria uma expectativa para a obtenção de decisões favoráveis aos interesses dos legisladores por meio de suas conexões individuais com ministros do Supremo. Além disso, o legislador pode temer retaliações por parte do Supremo.

Talvez por ter percebido um potencial risco de perda reputacional do STF ou mesmo por receio de que o Legislativo pudesse impor uma restrição mais ampla, a presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, se antecipou e liderou uma reforma regimental que estabeleceu que medidas cautelares de natureza civil ou penal em que um ministro decida aplicar alguma decisão liminar (provisória e urgente), fica liberado para a apreciação do plenário ou das turmas imediatamente.

Além do mais, a reforma estabeleceu que uma vez passado o prazo regimental de 90 dias para que um ministro apresente seu volto em caso de pedido de vista, o processo é automaticamente liberado para julgamento. Era comum que membros da corte ficassem meses ou mesmo anos sem liberar para que processos fossem julgados.

Entretanto, à decisão de Toffoli, por ser de mérito, não se aplica as regras da reforma regimental implementadas pela ministra Rosa Weber, que força o relator a colocar sua decisão para apreciação imediata pelo colegiado. Portanto a reforma corrigiu apenas parcialmente o problema, deixando ainda muito espaço para o uso estratégico de decisões monocráticas.

Independentemente do mérito, ao decidir monocraticamente anular o acordo de leniência com a Odebrecht, Toffoli não criou apenas perdas reputacionais para si próprio, mas também expôs a julgamento da sociedade a própria Suprema Corte. O enorme risco de decisões monocráticas é o da sociedade passar a ser representada por ministros individuais e não pelo colegiado, especialmente em decisões relevantes.

Opinião por Carlos Pereira

Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) e sênior fellow do CEBRI.

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