Diante da tentativa de assassinado do ex-presidente Donald Trump na Pensilvânia e da falta de vigor do atual presidente Joe Biden na sua campanha à reeleição, muitos analistas têm observado que o retorno de Trump para a Casa Branca é cada vez mais provável.
Esses receios não são totalmente destituídos de razão uma vez que Trump não apenas não reconheceu a sua derrota em 2020, como também existem várias evidências que se valeu durante seu mandato de retóricas autocráticas, como também de ações e artifícios ilegais para continuar no poder. Por exemplo, pressionou o Secretário de Estado da Geórgia a “recalcular” e a “encontrar 11.780 votos” a favor da sua candidatura que o levaria à vitória. Também estimulou a invasão do Capitólio para impedir que o Congresso validasse a eleição de Biden.
Em seu primeiro mandato, Trump ainda não controlava a totalidade de seu partido, como parece fazer agora. Tinha menos experiência sobre como governar e transformar as instituições. Tinha um menor número de apoiadores leais a um projeto iliberal para fragilizar qualquer obstáculo institucional ao exercício de seu poder. Acredita-se que danos institucionais de populistas extremos são mais prováveis de ocorrer quando são reconduzidos ao poder.
Em um potencial segundo mandato, Trump governaria com uma Suprema Corte majoritariamente republicana (6 entre 9 juízes, sendo 3 já indicados pelo próprio Trump) e com a possibilidade de ampliar ainda mais esse domínio em caso de aposentadoria de algum juiz indicado pelos democratas. Além do mais, é muito comum em eleições concomitantes para a presidência e para o legislativo, como é o caso das eleições deste ano, que o partido do presidente eleito alcance a maioria de cadeiras tanto na Câmara dos Deputados (House of Representaives) como no senado, configurando assim a condição de “governo unificado”.
De acordo com Aníbal Pérez-Liñan, no artigo “Presidential Hegemony and Democratic Backsliding in Latin America, 1925-2016″, presidentes com perfil hegemônico – ou seja, com capacidade de controlar outras instituições, particularmente o legislativo e o judiciário – é a maior fonte de instabilidade democrática.
Entretanto, é importante lembrar que o sistema político americano não é um sistema “majoritário puro”, o que permitiria que mudanças institucionais radicais fossem implementadas sem grandes resistências e de forma célere por maiorias legislativas episódicas a favor do presidente.
Na realidade, os EUA possuem um sistema político híbrido, pois combina tanto elementos majoritários (notadamente o seu sistema eleitoral distrital uninominal para o legislativo, que fortalece o bipartidarismo), como vários elementos consociativos, que exigem a formação de consenso entre atores políticos com preferências políticas distintas (presidencialismo, federalismo, bicameralismo, independência do judiciário etc.).
Além do mais, a democracia americana possui um legado vigoroso de muita resiliência e estabilidade institucional ao longo de toda a sua história republicana, com eleições livres, regulares, competitivas e com alternância pacífica de poder. Possui uma mídia muito combativa e robusta. Tem uma sociedade civil muito organizada e diversificada com acesso a bens e serviços e uma economia extremamente diferenciada em que nenhum setor é marcadamente dominante.
Todos esses elementos institucionais de consenso, em conjunto com o legado do jogo político democrático e uma sociedade vibrante, funcionam como vetos ou escudos protetores. É muito difícil que preferências extremas se tornem predominantes e que instituições sejam controladas, ocasionando erosões e/ou deteriorações da qualidade democrática. Esse diagnóstico, entretanto, não pode ser confundido com passividade, desmobilização ou falta de vigilância.
Até mesmo Steven Levitsky, que foi recentemente um dos autores mais alarmistas com os riscos à democracia gerados pela eleição de populistas extremos (especialmente a de Trump em 2016) com o seu bestseller mundial “Como as Democracias Morrem”, reviu suas expectativas pessimistas em seu mais recente artigo publicado no início deste ano no Journal of Democracy “Democracy’s Surprising Resilience” ao afirmar que “não há provas de que exista uma tendência geral para a autocratização. Na realidade, a democracia tem provado que é surpreendentemente resiliente no século XXI”.