Com uma vitória arrasadora, não apenas no número de delegados no colégio eleitoral e em praticamente todos os estados pêndulos, mas também na grande maioria dos eleitores americanos (popular vote), Donald Trump foi eleito para retornar à Casa Branca como o quadragésimo sétimo presidente dos Estados Unidos.
Além disso, o Partido Republicano obteve a maioria dos governos estaduais e das cadeiras no Senado e tem grandes chances de também conquistar a maioria das cadeiras na House of Representatives, configurando o que, no jargão da ciência política, chama-se de governo unificado.
Diante dessa performance eleitoral surpreendente, não seria um exagero concluir que Trump adquiriu um amplo mandato dos eleitores americanos para implementar a sua agenda de políticas declaradamente conservadora e de fragilização das organizações de controle.
Mas será que este extenso mandato popular poderia ser interpretado como uma espécie de “cheque-em-branco” para que um presidente de perfil claramente populista e com tendências autocráticas coloque em risco e fragilize a democracia americana?
Este receio não é totalmente destituído de razão pois, além da maioria nas duas casas legislativas, dos estados e na sociedade americana, Trump governará com uma Suprema Corte também majoritariamente republicana, composta por 6 juízes indicados por presidentes republicanos (3 já indicados pelo próprio Trump) e apenas 3 juízes indicados por presidentes democratas.
Ou seja, é esperado que as restrições e constrangimentos institucionais à governabilidade de um segundo governo de Trump no legislativo, nos estados e no judiciário sejam muito menores, o que, teoricamente, facilitaria um projeto de erosão democrática.
Mas, em seu novo livro “Democracy’s Resilience to Populism’s Threat: Countering Global Alarmism”, Kurt Weyland, professor do departamento de governo da Universidade do Texas, Austin, critica essa inferência alarmista ao mostrar muitos casos em que líderes populistas de perfil personalista, plebiscitário e autocrata, como Trump, falharam em seus projetos de fragilizar e/ou asfixiar a democracia.
Por meio de uma análise comparativa sistemática de chefes de executivo populistas na América Latina e na Europa ao longo últimas quatro décadas, Weyland revela que líderes populistas, sejam eles de esquerda ou de direita, só conseguem fragilizar a democracia diante da combinação de dois pré-requisitos cruciais e necessários.
O primeiro, é a existência de algum tipo de fragilidade institucional grave que permita que chefes do executivo populistas cimentem a sua hegemonia, minem a oposição partidária, comprimam a sociedade civil e distorçam o calendário eleitoral. Para ele, “apenas fortalezas quebradiças podem ser violadas”, o que não parece ser o caso das instituições democráticas americanas.
Segundo, mesmo quando as instituições estão fragilizadas, populistas necessitam encontrar oportunidades conjunturais muito incomuns para impulsionar uma agenda plebiscitária antidemocrática. Em circunstâncias relativamente normais, populistas podem até causar danos, mas não ao ponto de asfixiar o pluralismo liberal democrático.
Para Weyland, populistas de esquerda, por exemplo, só conseguem sufocar a democracia quando se beneficiam de enormes receitas provenientes de ganhos inesperados, usualmente de recursos naturais como da extração de petróleo. Já populistas de direita só alcançam fragilizar a democracia quando conseguem realizar feitos heroicos inusitados ao, por exemplo, resolver crises econômicas graves e agudas que afligem dramaticamente a população.
Como a maioria dos populistas eleitos não enfrentam essas condições contextuais propícias à erosão democrática, Weyland sugere que, apesar da ameaça de governos populistas, a democracia tende a permanecer resiliente e a resistir.
Mesmo que se admita que uma potencial tibieza institucional gerada por um governo unificado, que acaba de sair das urnas nos EUA, ofereça espaço para que líderes personalistas e populista, como Trump, se aproveitem e concentrem mais poderes e enfraqueçam controles, não estão presentes nos EUA as oportunidades conjunturais extraordinárias que permitiriam que Trump obtivesse apoio político e popular esmagador para empurrar de lado obstáculos institucionais restantes, atacar e perseguir a oposição, cimentar a sua hegemonia e, assim, destruir a democracia.