Interpretação crítica e científica das instituições e do comportamento político

Opinião|Entre a ingovernabilidade e o iliberalismo


O principal risco do hipopresidencialismo é a ingovernabilidade, e o do hiperpresidencialismo é a democracia iliberal

Por Carlos Pereira

Sistemas presidencialistas correm o risco de apresentar dois tipos extremos de disfuncionalidade.

A primeira disfuncionalidade, de acordo com Dan Berbecel no livro “Presidential Power in Latin America: Examining the Cases of Argentina and Chile”, seria o hiperpresidencialismo, situação na qual o presidente concentra uma quantidade expressiva de poder, mas não é controlado efetivamente pelo Legislativo nem pelo Judiciário. Em sistemas hiperpresidencialistas, presidentes são capazes de aprovar, muitas vezes de forma unilateral, agendas radicais e extremadas de políticas sem grandes receios de veto efetivo, legislativo ou judicial.

Hiperpresidencialismo tende a ocorrer quando as instituições de controle (Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas etc.) são débeis e quando o partido do presidente é grande o suficiente no Legislativo para governar sem a necessidade de formar coalizões com outras siglas (governo unificado).

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O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, que promoveu uma reforma iliberal no Judiciário Foto: Foto: Presidencia de Mexico

A Argentina, quando governada por Carlos Menem (1989-1999), é um bom exemplo de hiperpresidencialismo. Menem fez uso de vários mecanismos ao seu dispor para concentrar ainda mais poderes e permanecer na Presidência. Além de contar com uma maioria legislativa, fez uso irregular e excessivo de decretos presidenciais e interveio na Suprema Corte aumentando o número de ministros de cinco para nove, com a indicação de novos membros de sua preferência. De forma similar, também substituiu o procurador geral, o procurador de investigações administrativas e os membros do Tribunal de Contas.

Mas enxergo também uma segunda disfuncionalidade, que seria o hipopresidencialismo. Esta ocorre quando o Executivo é constitucionalmente fraco e desprovido de moedas-de-troca institucionalizadas; incapaz, portanto, de montar e sustentar maiorias legislativas estáveis.

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Essa disfuncionalidade do presidencialismo era muito comum na maioria dos países da América Latina nos primeiros dois terços do século 20, inclusive no Brasil de 1946 a 1964. Nesse período, presidentes minoritários enfrentavam crises sucessivas de ingovernabilidade, instabilidades políticas ou mesmo de quebras da própria democracia.

O hipopresidencialismo, entretanto, pode ser mascarado quando o partido do presidente consegue sozinho a maioria episódica de cadeiras no Legislativo. No México, por exemplo, a despeito de o presidente ser constitucionalmente muito fraco, maiorias legislativas do partido do presidente (Partido Revolucionário Institucional, PRI) fizeram com que o Legislativo se comportasse de forma subserviente aos interesses do Executivo por mais de 70 anos (1929-2000).

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Situação similar se repete atualmente: o Morena, partido do atual presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador (AMLO), ao obter maioria qualificada no Legislativo nas últimas eleições, conseguiu aprovar nos 30 dias finais de mandato uma reforma iliberal no Judiciário. Quase dois mil magistrados, inclusive da Suprema Corte, serão substituídos por novos escolhidos pelos eleitores. Quando era minoritário no Legislativo, AMLO havia tentado essa e outras reformas de perfil iliberal durante os seus seis anos de mandato sem, no entanto, obter sucesso.

Para alcançar funcionalidade, portanto, o presidencialismo, especialmente o multipartidário, requer um presidente constitucionalmente forte, mas sob o intenso escrutínio de instituições de controle também muito fortes e independentes. Esse desenho não significa que as políticas ou soluções para os conflitos seriam eficientes, mas que elas seriam estáveis e previsíveis. O Chile e o Brasil são os exemplos mais expressivos desse modelo funcional de presidencialismo na América Latina.

Nesses sistemas, presidentes, por serem fortes e disporem de uma caixa de ferramentas de governo, têm capacidade de manter e sustentar coalizões legislativas majoritárias. Mas isso não significa que essas coalizões seriam necessariamente subservientes aos interesses do presidente, pois as políticas implementadas seriam fruto de negociações, acordos e barganhas entre os membros da coalizão de governo. Políticas extremas e muito distantes da preferência agregada do Legislativo seriam muito raras e improváveis. Maiores ou menores dificuldades governativas dependem das escolhas do presidente sobre como gerenciar suas coalizões majoritárias.

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Além desses “freios” endógenos da esfera político-partidária, as organizações de controle independentes formam camadas extras de proteção para que as negociações entre o Executivo e o Legislativo não sejam predatórias e disfuncionais.

Sistemas presidencialistas correm o risco de apresentar dois tipos extremos de disfuncionalidade.

A primeira disfuncionalidade, de acordo com Dan Berbecel no livro “Presidential Power in Latin America: Examining the Cases of Argentina and Chile”, seria o hiperpresidencialismo, situação na qual o presidente concentra uma quantidade expressiva de poder, mas não é controlado efetivamente pelo Legislativo nem pelo Judiciário. Em sistemas hiperpresidencialistas, presidentes são capazes de aprovar, muitas vezes de forma unilateral, agendas radicais e extremadas de políticas sem grandes receios de veto efetivo, legislativo ou judicial.

Hiperpresidencialismo tende a ocorrer quando as instituições de controle (Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas etc.) são débeis e quando o partido do presidente é grande o suficiente no Legislativo para governar sem a necessidade de formar coalizões com outras siglas (governo unificado).

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, que promoveu uma reforma iliberal no Judiciário Foto: Foto: Presidencia de Mexico

A Argentina, quando governada por Carlos Menem (1989-1999), é um bom exemplo de hiperpresidencialismo. Menem fez uso de vários mecanismos ao seu dispor para concentrar ainda mais poderes e permanecer na Presidência. Além de contar com uma maioria legislativa, fez uso irregular e excessivo de decretos presidenciais e interveio na Suprema Corte aumentando o número de ministros de cinco para nove, com a indicação de novos membros de sua preferência. De forma similar, também substituiu o procurador geral, o procurador de investigações administrativas e os membros do Tribunal de Contas.

Mas enxergo também uma segunda disfuncionalidade, que seria o hipopresidencialismo. Esta ocorre quando o Executivo é constitucionalmente fraco e desprovido de moedas-de-troca institucionalizadas; incapaz, portanto, de montar e sustentar maiorias legislativas estáveis.

Essa disfuncionalidade do presidencialismo era muito comum na maioria dos países da América Latina nos primeiros dois terços do século 20, inclusive no Brasil de 1946 a 1964. Nesse período, presidentes minoritários enfrentavam crises sucessivas de ingovernabilidade, instabilidades políticas ou mesmo de quebras da própria democracia.

O hipopresidencialismo, entretanto, pode ser mascarado quando o partido do presidente consegue sozinho a maioria episódica de cadeiras no Legislativo. No México, por exemplo, a despeito de o presidente ser constitucionalmente muito fraco, maiorias legislativas do partido do presidente (Partido Revolucionário Institucional, PRI) fizeram com que o Legislativo se comportasse de forma subserviente aos interesses do Executivo por mais de 70 anos (1929-2000).

Situação similar se repete atualmente: o Morena, partido do atual presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador (AMLO), ao obter maioria qualificada no Legislativo nas últimas eleições, conseguiu aprovar nos 30 dias finais de mandato uma reforma iliberal no Judiciário. Quase dois mil magistrados, inclusive da Suprema Corte, serão substituídos por novos escolhidos pelos eleitores. Quando era minoritário no Legislativo, AMLO havia tentado essa e outras reformas de perfil iliberal durante os seus seis anos de mandato sem, no entanto, obter sucesso.

Para alcançar funcionalidade, portanto, o presidencialismo, especialmente o multipartidário, requer um presidente constitucionalmente forte, mas sob o intenso escrutínio de instituições de controle também muito fortes e independentes. Esse desenho não significa que as políticas ou soluções para os conflitos seriam eficientes, mas que elas seriam estáveis e previsíveis. O Chile e o Brasil são os exemplos mais expressivos desse modelo funcional de presidencialismo na América Latina.

Nesses sistemas, presidentes, por serem fortes e disporem de uma caixa de ferramentas de governo, têm capacidade de manter e sustentar coalizões legislativas majoritárias. Mas isso não significa que essas coalizões seriam necessariamente subservientes aos interesses do presidente, pois as políticas implementadas seriam fruto de negociações, acordos e barganhas entre os membros da coalizão de governo. Políticas extremas e muito distantes da preferência agregada do Legislativo seriam muito raras e improváveis. Maiores ou menores dificuldades governativas dependem das escolhas do presidente sobre como gerenciar suas coalizões majoritárias.

Além desses “freios” endógenos da esfera político-partidária, as organizações de controle independentes formam camadas extras de proteção para que as negociações entre o Executivo e o Legislativo não sejam predatórias e disfuncionais.

Sistemas presidencialistas correm o risco de apresentar dois tipos extremos de disfuncionalidade.

A primeira disfuncionalidade, de acordo com Dan Berbecel no livro “Presidential Power in Latin America: Examining the Cases of Argentina and Chile”, seria o hiperpresidencialismo, situação na qual o presidente concentra uma quantidade expressiva de poder, mas não é controlado efetivamente pelo Legislativo nem pelo Judiciário. Em sistemas hiperpresidencialistas, presidentes são capazes de aprovar, muitas vezes de forma unilateral, agendas radicais e extremadas de políticas sem grandes receios de veto efetivo, legislativo ou judicial.

Hiperpresidencialismo tende a ocorrer quando as instituições de controle (Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas etc.) são débeis e quando o partido do presidente é grande o suficiente no Legislativo para governar sem a necessidade de formar coalizões com outras siglas (governo unificado).

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, que promoveu uma reforma iliberal no Judiciário Foto: Foto: Presidencia de Mexico

A Argentina, quando governada por Carlos Menem (1989-1999), é um bom exemplo de hiperpresidencialismo. Menem fez uso de vários mecanismos ao seu dispor para concentrar ainda mais poderes e permanecer na Presidência. Além de contar com uma maioria legislativa, fez uso irregular e excessivo de decretos presidenciais e interveio na Suprema Corte aumentando o número de ministros de cinco para nove, com a indicação de novos membros de sua preferência. De forma similar, também substituiu o procurador geral, o procurador de investigações administrativas e os membros do Tribunal de Contas.

Mas enxergo também uma segunda disfuncionalidade, que seria o hipopresidencialismo. Esta ocorre quando o Executivo é constitucionalmente fraco e desprovido de moedas-de-troca institucionalizadas; incapaz, portanto, de montar e sustentar maiorias legislativas estáveis.

Essa disfuncionalidade do presidencialismo era muito comum na maioria dos países da América Latina nos primeiros dois terços do século 20, inclusive no Brasil de 1946 a 1964. Nesse período, presidentes minoritários enfrentavam crises sucessivas de ingovernabilidade, instabilidades políticas ou mesmo de quebras da própria democracia.

O hipopresidencialismo, entretanto, pode ser mascarado quando o partido do presidente consegue sozinho a maioria episódica de cadeiras no Legislativo. No México, por exemplo, a despeito de o presidente ser constitucionalmente muito fraco, maiorias legislativas do partido do presidente (Partido Revolucionário Institucional, PRI) fizeram com que o Legislativo se comportasse de forma subserviente aos interesses do Executivo por mais de 70 anos (1929-2000).

Situação similar se repete atualmente: o Morena, partido do atual presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador (AMLO), ao obter maioria qualificada no Legislativo nas últimas eleições, conseguiu aprovar nos 30 dias finais de mandato uma reforma iliberal no Judiciário. Quase dois mil magistrados, inclusive da Suprema Corte, serão substituídos por novos escolhidos pelos eleitores. Quando era minoritário no Legislativo, AMLO havia tentado essa e outras reformas de perfil iliberal durante os seus seis anos de mandato sem, no entanto, obter sucesso.

Para alcançar funcionalidade, portanto, o presidencialismo, especialmente o multipartidário, requer um presidente constitucionalmente forte, mas sob o intenso escrutínio de instituições de controle também muito fortes e independentes. Esse desenho não significa que as políticas ou soluções para os conflitos seriam eficientes, mas que elas seriam estáveis e previsíveis. O Chile e o Brasil são os exemplos mais expressivos desse modelo funcional de presidencialismo na América Latina.

Nesses sistemas, presidentes, por serem fortes e disporem de uma caixa de ferramentas de governo, têm capacidade de manter e sustentar coalizões legislativas majoritárias. Mas isso não significa que essas coalizões seriam necessariamente subservientes aos interesses do presidente, pois as políticas implementadas seriam fruto de negociações, acordos e barganhas entre os membros da coalizão de governo. Políticas extremas e muito distantes da preferência agregada do Legislativo seriam muito raras e improváveis. Maiores ou menores dificuldades governativas dependem das escolhas do presidente sobre como gerenciar suas coalizões majoritárias.

Além desses “freios” endógenos da esfera político-partidária, as organizações de controle independentes formam camadas extras de proteção para que as negociações entre o Executivo e o Legislativo não sejam predatórias e disfuncionais.

Opinião por Carlos Pereira

Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) e sênior fellow do CEBRI.

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