Bolsonaro não conseguiu dar um golpe enquanto é presidente. As preocupações agora se voltam sobre se ele seria capaz de fazê-lo quando deixar a presidência.
Acredita-se que um dos pilares centrais da democracia é o reconhecimento da derrota pelo perdedor. Ou seja, sua submissão ao resultado do jogo, preferencialmente por meio do tradicional telefonema ao vencedor congratulando-o pela vitória. Essa liturgia não seria apenas uma demonstração de civilidade, mas de reconhecimento da legitimidade do processo eleitoral e uma garantia de que não haveria “virada de mesa”.
Mas será que a recusa do perdedor em reconhecer a sua derrota seria um sinal de sofrimento da democracia?
Donald Trump, ex-presidente dos EUA, se negou a reconhecer sua derrota sob a alegação de fraude. A despeito dessa grave agressão, a democracia americana não quebrou. Quem está governando do Salão Oval da Casa Branca, reconhecido pela maioria dos eleitores e instituições americanas e pela comunidade internacional como legítimo presidente, é Joe Biden. Trump esperneou, protestou e até mesmo estimulou a invasão do Capitólio, mas, no fim das contas, foi ele quem deixou de ser o presidente.
De forma similar, a ex-presidente Dilma não reconheceu a legitimidade de seu impeachment, classificando-o de “golpe”. Independentemente desta crença ter sido compartilhada pelos seus parcos fiéis seguidores, a maioria da sociedade, suas instituições e a comunidade internacional reconheceram que o processo de impeachment foi legítimo e que Michel Temer seria o novo presidente.
Esses são os fatos que vão ficar para a história, tanto nos EUA como no Brasil.
O que gera legitimidade em democracias é o reconhecimento pelas instituições e pela maioria da sociedade de que os procedimentos previamente acordados foram rigorosamente seguidos, e não a desejada civilidade dos gestos de seus atores políticos. O comportamento descortês do perdedor em não cumprimentar o vencedor ou em não reconhecer a derrota pode até esgarçar as relações políticas e aumentar a polarização, mas não necessariamente abala os alicerces de uma democracia em equilíbrio.
Os sinais concretos de sofrimento de uma democracia devem ser observados a partir de retrocessos institucionais. Ou seja, quando as organizações de controle apresentam fragilidades para reagir e para exercer seu papel de constranger e de impor limites e derrotas consistentes a presidentes que desviam e que desrespeitam as regras do jogo democrático. Até o momento, não há sinais de tais retrocessos.