Após a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro pelo crime eleitoral de “prática ilegal de abuso de poder político” e torná-lo inelegível por oito anos, levantaram-se dúvidas sobre quem de fato deveria tomar essa decisão.
Foi alegado que, em vez do TSE, seria mais apropriado que o eleitor fosse o “juiz” do ex-presidente. Afinal de contas, em uma democracia o “verdadeiro soberano” é o eleitor e não o Judiciário.
O próprio presidente Lula, quando estava sendo julgado pelos crimes de “corrupção passiva e lavagem de dinheiro” na operação Lava Jato pelo ex-juiz e agora senador Sérgio Moro, disse: “Eu não quero ser apenas julgado pela Justiça. Quero antes ser julgado pelo povo brasileiro”.
O eleitor, entretanto, não é juiz criminal nem tampouco de ilícitos eleitorais. Assim como a reeleição de um governante supostamente criminoso não pode ser interpretada como uma absolvição dos seus crimes, sua eventual derrota eleitoral também não pode ser interpretada como uma condenação. Concretamente, assim como a eleição do presidente Lula em 2022 não foi uma absolvição do eleitor pelos seus crimes pregressos, a derrota do ex-presidente Bolsonaro não foi uma condenação pelos seus crimes de ameaças às instituições democráticas.
O eleitor, de fato, faz um julgamento; mas é um julgamento fundamentalmente político e retrospectivo da performance do governante. Se avalia positivamente seu governo, tende a reelegê-lo ou a eleger quem ele indica para ser seu sucessor. Por outro lado, se faz uma avaliação negativa da sua performance, o eleitor tende a considerar alternativas.
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É natural que informações, evidências e processos criminais possam influenciar na avaliação que o eleitor faz da performance do governante e, consequentemente, interfiram na sua decisão de voto. Por exemplo, em artigo em colaboração com Marcus Melo e Carlos Maurício Figueiredo, mostramos que decisões de Tribunais de Contas Estaduais (TCEs) no sentido de rejeitar as contas de prefeituras de cidades brasileiras em ano eleitoral diminuem as chances de reeleição de seus prefeitos em cerca de 19%.
Entretanto, em artigo complementar com Marcus Melo, mostramos que quando controlamos pelo gasto da prefeitura em políticas públicas, o impacto negativo da decisão do TCE de rejeitar as constas da prefeitura na reeleição do prefeito simplesmente desaparece. Ou seja, embora eleitores sejam capazes de responsabilizar governantes por eventuais maus comportamentos, esses resultados sugerem que nem sempre o fazem ao ponto de puni-los eleitoralmente.
Além da oferta de políticas públicas, vários outros aspectos interferem no cálculo que o eleitor faz na sua decisão de voto que podem atenuar o impacto de maus comportamentos de governantes e/ou aumentar a tolerância do eleitor a comportamentos desviantes. Não raro, mesmo eleitores informados podem preferir “absolver” eleitoralmente um mau governante por afinidades ideológicas, identidades partidárias e/ou conexões afetivas com seu líder.
Daí porque democracias competitivas, especialmente com um presidente constitucionalmente poderoso, como é o caso do brasileiro, não podem prescindir de um sistema de justiça forte e independente capaz de impor perdas judiciais e eleitorais a governantes que venham a apresentar comportamentos desviantes. Ainda que o Judiciário possa agir motivado politicamente, de forma excessiva e/ou hiperbólica, vale a pena correr esse risco do que deixar esse julgamento a cargo do eleitor.