Tem havido uma incompreensão generalizada, inclusive entre os candidatos à Presidência, sobre o real significado das emendas de relator (RP9), mais conhecidas como “orçamento secreto”.
Maiorias legislativas sustentáveis, especialmente em ambiente multipartidário e ideologicamente amorfo, como o brasileiro, são mantidas a partir do uso estratégico e discricionário de uma “caixa de ferramentas” pelo Executivo que envolvem várias moedas de troca, tais como ministérios, cargos na burocracia pública, emendas dos parlamentares ao orçamento etc.
Conversas ou habilidades pessoais podem até ajudar, mas não são o fator determinante do sucesso legislativo do presidente.
As emendas individuais e coletivas funcionavam como ingredientes fundamentais nesse jogo, pois além de serem relativamente baratas, geravam retornos eleitorais para os legisladores, por um lado, e retornos de governabilidade para o presidente, por outro.
Tais emendas, que proporcionavam recursos a redes locais de interesse, muitas vezes não alcançados por políticas nacionais, eram alternativas a cargos nos ministérios quando o presidente não queria comprometer sua política de governo. Além disso, enquanto cargos são investimentos de longo prazo, na medida em que existe custos adicionais na substituição de ministros, a execução das emendas tem liquidez imediata. Esse jogo, portanto, estava em relativo equilíbrio.
Entretanto, a crescente vulnerabilidade política da ex-presidente Dilma, em sua tentativa quase que desesperada de escapar do impeachment, a levou a abrir mão da discricionariedade do Executivo na execução das emendas individuais (EC 86, 2015). Quis ceder os anéis para não perder os dedos, mas foi tarde demais.
Já Bolsonaro, para ser fiel a sua narrativa de condenar o uso de moedas de troca com o Legislativo, cedeu às demandas dos parlamentares e tornou as emendas coletivas ou de bancada também impositivas em 2019 (EC 100).
No momento em que parlamentares internalizaram que não precisavam mais votar consistentemente com os interesses do Executivo para terem em troca a execução de suas emendas, o Executivo foi forçado a encontrar novas moedas de troca, inflacionando assim o jogo.
A saída criada por Bolsonaro para lidar com a impositividade das emendas foi o orçamento secreto de perfil não republicano. Essa escolha foi predatória tanto pela falta de transparência, que abriu espaço para a corrupção, como pela delegação informal aos presidentes da Câmara e do Senado da discricionariedade na sua execução. Na realidade, o orçamento secreto foi o preço que o Centrão cobrou para preservar a cabeça de um presidente enfraquecido.
O maior desafio, portanto, não é apenas acabar com orçamento secreto, que é autorizativo e não mandatório. O próximo presidente poderá, simplesmente, deixar de executar as emendas de relator na sua integralidade. O maior desafio, na realidade, será reestabelecer os ganhos de troca legítimos e transparentes a partir do restabelecimento da discricionariedade do presidente na execução das emendas individuais e coletivas que, equivocadamente, passaram a ser impositivas.