A estratégia de Bolsonaro de “emparedar” o Legislativo com sua agenda populista de sobrevivência eleitoral por meio de políticas de transferência de renda aos mais pobres e de subsídios a grupos específicos da sociedade, como caminhoneiros ou taxistas, foi muito bem-sucedida no Senado.
A votação da PEC 16 obteve a quase unanimidade dos senadores, com o apoio massivo dos partidos de oposição, inclusive do PT, que não tiveram alternativa a não ser votar favoravelmente ao governo. Os riscos e custos com os eleitores foram interpretados como proibitivos em um ano eleitoral.
Mas será que o sucesso obtido no Senado, a ser possivelmente confirmado na Câmara dos Deputados, será também reproduzido na Suprema Corte, uma vez motivada?
Por um lado, o fato de a PEC ter sido aprovada pela quase unanimidade dos senadores e em um contexto de grande deterioração econômica poderia gerar uma espécie de autocontenção dos ministros do Supremo de não interferir diretamente nessa escolha conjunta do executivo e do legislativo.
A pressão sobre a Suprema Corte poderia aumentar com a ameaça de parlamentares do Centrão, embora até o momento não crível, de retaliar ao tentar aprovar outra PEC que permitiria o legislativo anular suas decisões sempre que elas não forem unânimes e houver alegação de extrapolação dos limites constitucionais pelo STF.
Por outro lado, a PEC da sobrevivência de Bolsonaro, conhecida como Kamikaze, parece infringir restrições legais, como a lei eleitoral, a lei de responsabilidade fiscal e o teto de gastos. O que é mais grave, parece violar princípios constitucionais protegidos como cláusulas pétreas, como o da impessoalidade e o da igualdade ou “paridade de armas” entre candidatos. O STF precisará interpretar se a PEC tende a abolir essas exigências centrais implícitas no nosso sistema democrático.
Se este for o caso, é possível que o STF seja motivado (por exemplo, por um mandado de segurança de um parlamentar) antes mesmo que a Câmara se posicione sobre a PEC, como a jurisprudência do Supremo já reconhece. Existiriam, portanto, argumentos suficientes para que o STF interprete a PEC 16 inconstitucional.
O fato de a quase totalidade dos legisladores ter votado favoravelmente a PEC não significa necessariamente que eles estariam de acordo com ela. Sinalizaria fundamentalmente que os custos eleitorais para os parlamentares a rejeitarem seriam muito altos. Neste caso, ao considerar inconstitucional, o Supremo, na realidade, estaria realizando, mesmo que indiretamente, a preferência de senadores que votaram de forma favorável a PEC de forma estratégica, mas não sincera.
O STF pode até não conseguir tirar os legisladores do paredão, mas terá a chance de impedir que o Brasil vá parar lá.