Interpretação crítica e científica das instituições e do comportamento político

Opinião|Um legislativo de direita criaria problemas para um presidente de esquerda?


A distância ideológica do presidente para o Congresso não é determinante para a governabilidade no presidencialismo multipartidário

Por Carlos Pereira
Atualização:

Presidencialismos, especialmente os multipartidários como o brasileiro, elegem frequentemente presidentes com preferências ideológicas distantes da preferência agregada dos legisladores no Congresso.

É muito comum, por exemplo, observarmos presidentes de esquerda e/ou mais liberais que se deparam com a inconveniente realidade de terem que governar com legislativos mais à direita e/ou mais conservadores. Embora no Brasil seja menos comum, o inverso também é verdadeiro. Ou seja, presidentes mais conservadores governando com legislativos mais liberais.

O presidente da Republica Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante solenidade de promulgacao da PEC da reforma tributaria no Congresso Nacional Foto: Wilton Junior / Estadão
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Esse aparente paradoxo decorre das diferenças entre as regras eleitorais que elegem o presidente e as que elegem os legisladores.

O chefe do executivo no Brasil, por exemplo, é eleito pelo voto majoritário em dois turnos em todo o território nacional para um mandato de quatro anos, podendo se candidatar à reeleição apenas uma vez de forma consecutiva.

Os deputados federais, por sua vez, são eleitos por meio do voto proporcional em lista aberta em distritos eleitorais estaduais com distintas magnitudes (número de vagas disponíveis) e não existe limite de vezes em que podem concorrer à reeleição a cada quatro anos.

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Essas diferenças de regras eleitorais incentivam que eleitores votem de forma distinta e inconsistente para o executivo e para o legislativo.

Por exemplo, fica mais fácil para os eleitores votarem ideologicamente em candidatos à presidência, especialmente quando a disputa vai para o segundo turno, fazendo com que a distinção entre eles fique mais evidente. O jogo também é facilitado para os candidatos à presidência, que ao disputarem eleitores em todo o território nacional, tendem a apresentar um perfil ideológico mais bem definido e a focar suas campanhas em políticas de caráter universal.

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No entanto, não é razoável esperar que nos sistemas de representação proporcional os candidatos para o legislativo se apresentem ideologicamente consistentes para os eleitores. É mais provável que eles estabeleçam conexões individuais com redes locais de interesse em municípios geograficamente contíguos e que maximizem retornos eleitorais a partir de políticas locais. As identidades partidárias e ideológicas entre legisladores só se tornam mais evidentes dentro do próprio parlamento.

Em linha com essa expectativa, Cesar Zucco e Timothy Power na nota de pesquisa “The ideology of Brazilian Parties and Presidents: A research note on coalition presidentialism under stress”, que acaba de ser publicada no periódico Latin American Politics and Society, mostram que tem existido uma grande variação na distância de preferência ideológica de presidentes e a preferência ideológica média dos partidos na Câmara dos Deputados.

Chama a atenção o fato de que a preferência ideológica da ex-presidente Dilma, do ex-presidente Bolsonaro e do presidente Lula em seu atual mandato se distanciaram mais dos partidos na Câmara dos Deputados do que os presidentes anteriores. Tal constatação leva os autores a concluírem que desde o impeachment da ex-presidente Dilma, em 2016, o presidencialismo de coalizão brasileiro estaria vivendo sob severo estresse institucional, mesmo que o governo Temer tenha sido muito bem-sucedido no legislativo.

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Mas até que ponto a distância ideológica do presidente para a preferência ideológica média dos partidos no legislativo não é relevante para a governabilidade no presidencialismo multipartidário?

Mesmo esses presidentes, ideologicamente muito distantes dos legisladores, têm sido capazes de montar coalizões majoritárias no legislativo.

Portanto, a distância ideológica do presidente para o Congresso não tem sido um impeditivo para que presidentes sejam atrativos ao ponto de montar coalizões majoritárias. É importante perceber, no entanto, que construir coalizões majoritárias não é necessariamente sinônimo de gerenciá-las bem.

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O exemplo que mais chama a atenção é o do governo do atual presidente Lula, que conseguiu a proeza de montar uma super coalizão majoritária de 16 partidos no legislativo. Porém, sua coalizão tem frustrado o presidente ao impor derrotas sistemáticas ao governo no Congresso. Não é pelo fato de Lula ser um presidente de esquerda diante de um legislativo conservador que estaria sofrendo derrotas no Congresso, mas pela má gerência de seus inúmeros parceiros ideologicamente heterogêneos e sub recompensados pelo seu governo.

Presidencialismos, especialmente os multipartidários como o brasileiro, elegem frequentemente presidentes com preferências ideológicas distantes da preferência agregada dos legisladores no Congresso.

É muito comum, por exemplo, observarmos presidentes de esquerda e/ou mais liberais que se deparam com a inconveniente realidade de terem que governar com legislativos mais à direita e/ou mais conservadores. Embora no Brasil seja menos comum, o inverso também é verdadeiro. Ou seja, presidentes mais conservadores governando com legislativos mais liberais.

O presidente da Republica Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante solenidade de promulgacao da PEC da reforma tributaria no Congresso Nacional Foto: Wilton Junior / Estadão

Esse aparente paradoxo decorre das diferenças entre as regras eleitorais que elegem o presidente e as que elegem os legisladores.

O chefe do executivo no Brasil, por exemplo, é eleito pelo voto majoritário em dois turnos em todo o território nacional para um mandato de quatro anos, podendo se candidatar à reeleição apenas uma vez de forma consecutiva.

Os deputados federais, por sua vez, são eleitos por meio do voto proporcional em lista aberta em distritos eleitorais estaduais com distintas magnitudes (número de vagas disponíveis) e não existe limite de vezes em que podem concorrer à reeleição a cada quatro anos.

Essas diferenças de regras eleitorais incentivam que eleitores votem de forma distinta e inconsistente para o executivo e para o legislativo.

Por exemplo, fica mais fácil para os eleitores votarem ideologicamente em candidatos à presidência, especialmente quando a disputa vai para o segundo turno, fazendo com que a distinção entre eles fique mais evidente. O jogo também é facilitado para os candidatos à presidência, que ao disputarem eleitores em todo o território nacional, tendem a apresentar um perfil ideológico mais bem definido e a focar suas campanhas em políticas de caráter universal.

No entanto, não é razoável esperar que nos sistemas de representação proporcional os candidatos para o legislativo se apresentem ideologicamente consistentes para os eleitores. É mais provável que eles estabeleçam conexões individuais com redes locais de interesse em municípios geograficamente contíguos e que maximizem retornos eleitorais a partir de políticas locais. As identidades partidárias e ideológicas entre legisladores só se tornam mais evidentes dentro do próprio parlamento.

Em linha com essa expectativa, Cesar Zucco e Timothy Power na nota de pesquisa “The ideology of Brazilian Parties and Presidents: A research note on coalition presidentialism under stress”, que acaba de ser publicada no periódico Latin American Politics and Society, mostram que tem existido uma grande variação na distância de preferência ideológica de presidentes e a preferência ideológica média dos partidos na Câmara dos Deputados.

Chama a atenção o fato de que a preferência ideológica da ex-presidente Dilma, do ex-presidente Bolsonaro e do presidente Lula em seu atual mandato se distanciaram mais dos partidos na Câmara dos Deputados do que os presidentes anteriores. Tal constatação leva os autores a concluírem que desde o impeachment da ex-presidente Dilma, em 2016, o presidencialismo de coalizão brasileiro estaria vivendo sob severo estresse institucional, mesmo que o governo Temer tenha sido muito bem-sucedido no legislativo.

Mas até que ponto a distância ideológica do presidente para a preferência ideológica média dos partidos no legislativo não é relevante para a governabilidade no presidencialismo multipartidário?

Mesmo esses presidentes, ideologicamente muito distantes dos legisladores, têm sido capazes de montar coalizões majoritárias no legislativo.

Portanto, a distância ideológica do presidente para o Congresso não tem sido um impeditivo para que presidentes sejam atrativos ao ponto de montar coalizões majoritárias. É importante perceber, no entanto, que construir coalizões majoritárias não é necessariamente sinônimo de gerenciá-las bem.

O exemplo que mais chama a atenção é o do governo do atual presidente Lula, que conseguiu a proeza de montar uma super coalizão majoritária de 16 partidos no legislativo. Porém, sua coalizão tem frustrado o presidente ao impor derrotas sistemáticas ao governo no Congresso. Não é pelo fato de Lula ser um presidente de esquerda diante de um legislativo conservador que estaria sofrendo derrotas no Congresso, mas pela má gerência de seus inúmeros parceiros ideologicamente heterogêneos e sub recompensados pelo seu governo.

Presidencialismos, especialmente os multipartidários como o brasileiro, elegem frequentemente presidentes com preferências ideológicas distantes da preferência agregada dos legisladores no Congresso.

É muito comum, por exemplo, observarmos presidentes de esquerda e/ou mais liberais que se deparam com a inconveniente realidade de terem que governar com legislativos mais à direita e/ou mais conservadores. Embora no Brasil seja menos comum, o inverso também é verdadeiro. Ou seja, presidentes mais conservadores governando com legislativos mais liberais.

O presidente da Republica Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante solenidade de promulgacao da PEC da reforma tributaria no Congresso Nacional Foto: Wilton Junior / Estadão

Esse aparente paradoxo decorre das diferenças entre as regras eleitorais que elegem o presidente e as que elegem os legisladores.

O chefe do executivo no Brasil, por exemplo, é eleito pelo voto majoritário em dois turnos em todo o território nacional para um mandato de quatro anos, podendo se candidatar à reeleição apenas uma vez de forma consecutiva.

Os deputados federais, por sua vez, são eleitos por meio do voto proporcional em lista aberta em distritos eleitorais estaduais com distintas magnitudes (número de vagas disponíveis) e não existe limite de vezes em que podem concorrer à reeleição a cada quatro anos.

Essas diferenças de regras eleitorais incentivam que eleitores votem de forma distinta e inconsistente para o executivo e para o legislativo.

Por exemplo, fica mais fácil para os eleitores votarem ideologicamente em candidatos à presidência, especialmente quando a disputa vai para o segundo turno, fazendo com que a distinção entre eles fique mais evidente. O jogo também é facilitado para os candidatos à presidência, que ao disputarem eleitores em todo o território nacional, tendem a apresentar um perfil ideológico mais bem definido e a focar suas campanhas em políticas de caráter universal.

No entanto, não é razoável esperar que nos sistemas de representação proporcional os candidatos para o legislativo se apresentem ideologicamente consistentes para os eleitores. É mais provável que eles estabeleçam conexões individuais com redes locais de interesse em municípios geograficamente contíguos e que maximizem retornos eleitorais a partir de políticas locais. As identidades partidárias e ideológicas entre legisladores só se tornam mais evidentes dentro do próprio parlamento.

Em linha com essa expectativa, Cesar Zucco e Timothy Power na nota de pesquisa “The ideology of Brazilian Parties and Presidents: A research note on coalition presidentialism under stress”, que acaba de ser publicada no periódico Latin American Politics and Society, mostram que tem existido uma grande variação na distância de preferência ideológica de presidentes e a preferência ideológica média dos partidos na Câmara dos Deputados.

Chama a atenção o fato de que a preferência ideológica da ex-presidente Dilma, do ex-presidente Bolsonaro e do presidente Lula em seu atual mandato se distanciaram mais dos partidos na Câmara dos Deputados do que os presidentes anteriores. Tal constatação leva os autores a concluírem que desde o impeachment da ex-presidente Dilma, em 2016, o presidencialismo de coalizão brasileiro estaria vivendo sob severo estresse institucional, mesmo que o governo Temer tenha sido muito bem-sucedido no legislativo.

Mas até que ponto a distância ideológica do presidente para a preferência ideológica média dos partidos no legislativo não é relevante para a governabilidade no presidencialismo multipartidário?

Mesmo esses presidentes, ideologicamente muito distantes dos legisladores, têm sido capazes de montar coalizões majoritárias no legislativo.

Portanto, a distância ideológica do presidente para o Congresso não tem sido um impeditivo para que presidentes sejam atrativos ao ponto de montar coalizões majoritárias. É importante perceber, no entanto, que construir coalizões majoritárias não é necessariamente sinônimo de gerenciá-las bem.

O exemplo que mais chama a atenção é o do governo do atual presidente Lula, que conseguiu a proeza de montar uma super coalizão majoritária de 16 partidos no legislativo. Porém, sua coalizão tem frustrado o presidente ao impor derrotas sistemáticas ao governo no Congresso. Não é pelo fato de Lula ser um presidente de esquerda diante de um legislativo conservador que estaria sofrendo derrotas no Congresso, mas pela má gerência de seus inúmeros parceiros ideologicamente heterogêneos e sub recompensados pelo seu governo.

Opinião por Carlos Pereira

Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) e sênior fellow do CEBRI.

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