Carta de 2022 incomodou Bolsonaro e se contrapôs ao autoritarismo; leia análise


Simbolismo quase mítico das ‘Arcadas’ reverencia a democracia em espaço marcado pela cautela conservadora

Por Carlos Fico
Atualização:

A carta de 1977 tornou-se marco importante na memória dos que participaram da resistência democrática contra a ditadura militar, mas aquele manifesto não foi capaz de acelerar o fim do regime – assim como outras manifestações assemelhadas.

A memória de alguns setores valoriza o evento. Ao historiador cabe a tarefa inglória de buscar a (quase utópica) objetividade.

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Na época, a agência de São Paulo do Serviço Nacional de Informações (SNI) conseguiu um exemplar do manifesto e rascunhou uma “apreciação sumária” enviada à agência central. O documento enfatizava que poucos titulares e livre-docentes haviam assinado a carta. O SNI, entretanto, não difundiu a informação. O general-presidente Ernesto Geisel não mencionou a carta na longa entrevista divulgada em 1997 pela Fundação Getúlio Vargas.

Ato em defesa da democracia realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo  Foto: Felipe Rau/Estadão

O projeto da “lenta, gradativa e segura” abertura do general Geisel tinha como principais empecilhos os militares “revolucionários sinceros, mas radicais” – e não a oposição da sociedade civil. A chamada “linha dura” já havia desafiado Geisel com as mortes sob tortura de Vladimir Herzog (1975) e Manoel Fiel Filho (1976). O desafio foi respondido com a demissão do general Ednardo D’Ávila Mello do comando do II Exército onde aconteceram os assassinatos.

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Em abril de 1977, Geisel, fortalecido, pôs o Congresso em recesso, aumentou para seis anos o mandato de seu sucessor, criou a figura dos “senadores biônicos”, ampliou o alcance da “Lei Falcão” que limitava a propaganda eleitoral, entre outras arbitrariedades. Para os que esperavam a abertura, tudo isso parecia um absurdo, um exagero.

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Leitura da carta em defesa da democracia foi transmitida em um telão no Largo São Francisco

Essas medidas arbitrárias foram impostas sob o pretexto de que o Congresso havia rejeitado, no final de março de 1977, a reforma do Judiciário – sobre a qual discordavam ministros do STF, juízes federais e juristas vinculados aos estados da Federação. Foi nesse contexto que a carta de agosto de 1977 surgiu.

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A carta de 2022 conseguiu incomodar o atual presidente antes de ser lida. O evento mobilizou pessoas em todo o Brasil. A cerimônia, num espaço tradicionalmente marcado pela cautela conservadora, contou com a presença de mulheres, negros e estudantes cotistas. O simbolismo quase mítico das “Arcadas” – que reverencia a democracia – se contrapôs ao autoritarismo. Como cidadão, torço para que o historiador do futuro constate a importância do atual manifesto para a preservação do Estado de Direito.

Carlos Fico é professor titular de História do Brasil da UFRJ

A carta de 1977 tornou-se marco importante na memória dos que participaram da resistência democrática contra a ditadura militar, mas aquele manifesto não foi capaz de acelerar o fim do regime – assim como outras manifestações assemelhadas.

A memória de alguns setores valoriza o evento. Ao historiador cabe a tarefa inglória de buscar a (quase utópica) objetividade.

Na época, a agência de São Paulo do Serviço Nacional de Informações (SNI) conseguiu um exemplar do manifesto e rascunhou uma “apreciação sumária” enviada à agência central. O documento enfatizava que poucos titulares e livre-docentes haviam assinado a carta. O SNI, entretanto, não difundiu a informação. O general-presidente Ernesto Geisel não mencionou a carta na longa entrevista divulgada em 1997 pela Fundação Getúlio Vargas.

Ato em defesa da democracia realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo  Foto: Felipe Rau/Estadão

O projeto da “lenta, gradativa e segura” abertura do general Geisel tinha como principais empecilhos os militares “revolucionários sinceros, mas radicais” – e não a oposição da sociedade civil. A chamada “linha dura” já havia desafiado Geisel com as mortes sob tortura de Vladimir Herzog (1975) e Manoel Fiel Filho (1976). O desafio foi respondido com a demissão do general Ednardo D’Ávila Mello do comando do II Exército onde aconteceram os assassinatos.

Em abril de 1977, Geisel, fortalecido, pôs o Congresso em recesso, aumentou para seis anos o mandato de seu sucessor, criou a figura dos “senadores biônicos”, ampliou o alcance da “Lei Falcão” que limitava a propaganda eleitoral, entre outras arbitrariedades. Para os que esperavam a abertura, tudo isso parecia um absurdo, um exagero.

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Essas medidas arbitrárias foram impostas sob o pretexto de que o Congresso havia rejeitado, no final de março de 1977, a reforma do Judiciário – sobre a qual discordavam ministros do STF, juízes federais e juristas vinculados aos estados da Federação. Foi nesse contexto que a carta de agosto de 1977 surgiu.

A carta de 2022 conseguiu incomodar o atual presidente antes de ser lida. O evento mobilizou pessoas em todo o Brasil. A cerimônia, num espaço tradicionalmente marcado pela cautela conservadora, contou com a presença de mulheres, negros e estudantes cotistas. O simbolismo quase mítico das “Arcadas” – que reverencia a democracia – se contrapôs ao autoritarismo. Como cidadão, torço para que o historiador do futuro constate a importância do atual manifesto para a preservação do Estado de Direito.

Carlos Fico é professor titular de História do Brasil da UFRJ

A carta de 1977 tornou-se marco importante na memória dos que participaram da resistência democrática contra a ditadura militar, mas aquele manifesto não foi capaz de acelerar o fim do regime – assim como outras manifestações assemelhadas.

A memória de alguns setores valoriza o evento. Ao historiador cabe a tarefa inglória de buscar a (quase utópica) objetividade.

Na época, a agência de São Paulo do Serviço Nacional de Informações (SNI) conseguiu um exemplar do manifesto e rascunhou uma “apreciação sumária” enviada à agência central. O documento enfatizava que poucos titulares e livre-docentes haviam assinado a carta. O SNI, entretanto, não difundiu a informação. O general-presidente Ernesto Geisel não mencionou a carta na longa entrevista divulgada em 1997 pela Fundação Getúlio Vargas.

Ato em defesa da democracia realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo  Foto: Felipe Rau/Estadão

O projeto da “lenta, gradativa e segura” abertura do general Geisel tinha como principais empecilhos os militares “revolucionários sinceros, mas radicais” – e não a oposição da sociedade civil. A chamada “linha dura” já havia desafiado Geisel com as mortes sob tortura de Vladimir Herzog (1975) e Manoel Fiel Filho (1976). O desafio foi respondido com a demissão do general Ednardo D’Ávila Mello do comando do II Exército onde aconteceram os assassinatos.

Em abril de 1977, Geisel, fortalecido, pôs o Congresso em recesso, aumentou para seis anos o mandato de seu sucessor, criou a figura dos “senadores biônicos”, ampliou o alcance da “Lei Falcão” que limitava a propaganda eleitoral, entre outras arbitrariedades. Para os que esperavam a abertura, tudo isso parecia um absurdo, um exagero.

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Essas medidas arbitrárias foram impostas sob o pretexto de que o Congresso havia rejeitado, no final de março de 1977, a reforma do Judiciário – sobre a qual discordavam ministros do STF, juízes federais e juristas vinculados aos estados da Federação. Foi nesse contexto que a carta de agosto de 1977 surgiu.

A carta de 2022 conseguiu incomodar o atual presidente antes de ser lida. O evento mobilizou pessoas em todo o Brasil. A cerimônia, num espaço tradicionalmente marcado pela cautela conservadora, contou com a presença de mulheres, negros e estudantes cotistas. O simbolismo quase mítico das “Arcadas” – que reverencia a democracia – se contrapôs ao autoritarismo. Como cidadão, torço para que o historiador do futuro constate a importância do atual manifesto para a preservação do Estado de Direito.

Carlos Fico é professor titular de História do Brasil da UFRJ

A carta de 1977 tornou-se marco importante na memória dos que participaram da resistência democrática contra a ditadura militar, mas aquele manifesto não foi capaz de acelerar o fim do regime – assim como outras manifestações assemelhadas.

A memória de alguns setores valoriza o evento. Ao historiador cabe a tarefa inglória de buscar a (quase utópica) objetividade.

Na época, a agência de São Paulo do Serviço Nacional de Informações (SNI) conseguiu um exemplar do manifesto e rascunhou uma “apreciação sumária” enviada à agência central. O documento enfatizava que poucos titulares e livre-docentes haviam assinado a carta. O SNI, entretanto, não difundiu a informação. O general-presidente Ernesto Geisel não mencionou a carta na longa entrevista divulgada em 1997 pela Fundação Getúlio Vargas.

Ato em defesa da democracia realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo  Foto: Felipe Rau/Estadão

O projeto da “lenta, gradativa e segura” abertura do general Geisel tinha como principais empecilhos os militares “revolucionários sinceros, mas radicais” – e não a oposição da sociedade civil. A chamada “linha dura” já havia desafiado Geisel com as mortes sob tortura de Vladimir Herzog (1975) e Manoel Fiel Filho (1976). O desafio foi respondido com a demissão do general Ednardo D’Ávila Mello do comando do II Exército onde aconteceram os assassinatos.

Em abril de 1977, Geisel, fortalecido, pôs o Congresso em recesso, aumentou para seis anos o mandato de seu sucessor, criou a figura dos “senadores biônicos”, ampliou o alcance da “Lei Falcão” que limitava a propaganda eleitoral, entre outras arbitrariedades. Para os que esperavam a abertura, tudo isso parecia um absurdo, um exagero.

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Leitura da carta em defesa da democracia foi transmitida em um telão no Largo São Francisco

Essas medidas arbitrárias foram impostas sob o pretexto de que o Congresso havia rejeitado, no final de março de 1977, a reforma do Judiciário – sobre a qual discordavam ministros do STF, juízes federais e juristas vinculados aos estados da Federação. Foi nesse contexto que a carta de agosto de 1977 surgiu.

A carta de 2022 conseguiu incomodar o atual presidente antes de ser lida. O evento mobilizou pessoas em todo o Brasil. A cerimônia, num espaço tradicionalmente marcado pela cautela conservadora, contou com a presença de mulheres, negros e estudantes cotistas. O simbolismo quase mítico das “Arcadas” – que reverencia a democracia – se contrapôs ao autoritarismo. Como cidadão, torço para que o historiador do futuro constate a importância do atual manifesto para a preservação do Estado de Direito.

Carlos Fico é professor titular de História do Brasil da UFRJ

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