BRASÍLIA - As cartas entregues pela Precisa Medicamentos ao Ministério da Saúde e que tiveram a autenticidade negada pela farmacêutica indiana Bharat Biotech têm fortes indícios de ‘colagem’ e manipulação de imagem. De forma simples, a reportagem identificou que, por trás de ambas as cartas, existe um mesmo documento: um pedido de visto para um representante da Precisa, identificado como Eduardo Sanchez.
O documento com indícios de colagem foi revelado pela rádio CBN e confirmado pelo Estadão. A reportagem conversou com o presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), Marcos Camargo. Na avaliação dele, uma perícia criminal "seria capaz de dizer exatamente o que ocorreu e como ocorreu".
"Aparentemente, tem-se uma possibilidade de adulteração no documento, ao aproveitar imagem de assinatura e carimbo de outro documento, e fraude, ao manipular o conteúdo do documento, substituindo um texto por outro", disse ao Estadão.
A Bharat Biotech anunciou nesta sexta-feira, 23, a rescisão de seu acordo com a Precisa Medicamentos sem revelar o motivo. Em comunicado, a Bharat informa que "continuará a trabalhar diligentemente" com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pela vacina indiana Covaxin.
No comunicado, a Bharat negou a autoria de duas cartas que fazem parte do processo administrativo de compra do imunizante e foram enviadas ao Ministério da Saúde. Os documentos foram incluídos no material enviado pela Pasta à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado.
A reportagem identificou que, nas duas cartas há três arquivos, uns colados aos outros. Os primeiros arquivos das camadas mais externas são as cartas negadas pela Bharat. Em seguida, há elementos em branco. No fundo, há um papel timbrado com o pedido de visto.
Da maneira como o arquivo está estruturado, os elementos em branco cobrem o conteúdo do pedido de visto. Sobram apenas o logotipo da Bharat Biotech e a assinatura com o carimbo da farmacêutica, que são visíveis nas cartas entregues pela Precisa ao Ministério da Saúde.
Em uma das cartas, o carimbo da Bharat foi "apagado" por um elemento em branco. E substituído por outro, idêntico, um pouco mais acima.
Em documento enviado ao senador Omar Aziz, presidente da CPI da Covid, os advogadas da Precisa afirmaram que a empresa não produziu as cartas. Segundo a defesa, os documentos foram enviados pela Envixia Pharmaceuticals LLC, empresa que consta do memorando de entendimentos fechado com a Bharat em novembro do ano passado.
O pedido de visto é datado de 23 de dezembro de 2021 e endereçado ao Consulado Geral da Índia em São Paulo. "Gostaríamos de convidar o Sr. Eduardo Sanchez da Precisa Comercialização de Medicamentos Ltda para nos visitar nos dias 7 e 8 de janeiro para discutir assuntos relacionados aos negócios", afirma o documento.
"Solicitamos que considere favoravelmente a emissão de visto de negócios para o Sr. Eduardo Sanchez."
As duas cartas apresentadas pela Precisa são datadas de 19 de fevereiro. Uma delas seria uma autorização de plenos poderes para a Precisa. A empresa brasileira seria a "representante legal e exclusiva no Brasil com poder de receber todas as notificações do Governo".
O suposto documento aponta que a empresa brasileira estaria "autorizada a participar de todos os processos de aquisição oficiais do Ministério da Saúde da Covaxin (vacina contra o Sars-CoV-2) produzidas pela Bharat Biotech International Limited, negociando preços e condições de pagamento, assim como datas de entrega, e todos os detalhes da operação, formalizando o contrato para nós".
A outra carta é intitulada "Declaração de inexistência de fatos impeditivos". O suposto documento registra que a farmacêutica estaria habilitada à contratação junto ao Ministério da Saúde.
A farmacêutica indiana afirmou que as cartas não foram expedidas "pela Companhia ou por seus executivos". "Portanto, negamos veementemente os mesmos", afirmou a companhia indiana.
A Bharat Biotech é a produtora da Covaxin. Em 25 de fevereiro, o Ministério da Saúde fechou contrato de compra com a Precisa, que representava a Bharat, para compra de 20 milhões de doses da vacina. A aquisição do imunizante é alvo de múltiplas investigações por suspeita de irregularidades e corrupção. Tornou-se alvo da CPI da Covid, da Polícia Federal (PF), do Ministério Público Federal (MPF), da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU).O contrato foi suspenso pelo Ministério da Saúde em 29 de junho, após recomendação da CGU. A Pasta se comprometeu a pagar US$ 15 por dose, a vacina mais cara adquirida pelo País até o momento. A Anvisa ainda não autorizou o uso emergencial ou definitivo do imunizante.
Leia a íntegra do posicionamento da Precisa Medicamentos
A Precisa Medicamentos lamenta o cancelamento do memorando de entendimento que viabilizou a parceria com a Bharat Biotech para a importação da vacina Covaxin ao Brasil. A decisão, precipitada, infelizmente prejudica o esforço nacional para vencer uma doença que já ceifou mais de 500 mil vidas no país e é ainda mais lastimável porque é consequência direta do caos político que se tornou o debate sobre a pandemia, que deveria ter como foco a saúde pública, e não interesses políticos.
A Precisa jamais praticou qualquer ilegalidade e reitera seu compromisso com a integridade nos processos de venda, aprovação e importação da vacina Covaxin, tanto que, nesta quinta-feira (22), obteve mais um passo relevante, com a aprovação, pela Anvisa, da fase três de testes no Brasil, a ser feita em parceria pelo Instituto Israelita Albert Einstein. Todos os trâmites foram conduzidos pela Precisa Medicamentos, que cumpriu os pré-requisitos impostos pela agência e apresentou todas as informações necessárias.
Infelizmente, o resultado prático desta confusão causada pelo momento político do país é o cancelamento de uma parceria com o laboratório indiano que iria trazer 20 milhões de doses de uma vacina com comprovada eficácia (65,2%) contra a variante Delta, justamente no momento em que essa variante escala no País.
A empresa continuará exercendo sua atividade no ramo fármaco empresarial, nos mais legítimos termos que sempre se pautou, com ética e valores sólidos, nesses mais de 20 anos de atuação.