BRASÍLIA - Congressistas do “Centrão” e até da oposição tiveram mais sucesso que governistas do PT e do PCdoB em garantir o envio de recursos de emendas parlamentares para prefeituras antes do prazo eleitoral – o que pode fazer toda a diferença em ano de eleições municipais. O êxito dos centristas se deve à estratégia de concentrar as indicações nas chamadas “emendas Pix” e em rubricas de custeio da Saúde. Como resultado, os deputados do PSD, por exemplo, conseguiram mandar em média quase R$ 5 milhões a mais que congressistas do PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em ano eleitoral, a legislação proíbe pagamento de emendas parlamentares da União a municípios três meses antes do pleito – com exceção de obras que já estejam em andamento. Este ano, o prazo para liberação de recursos terminou em 6 de julho.
Embora a norma fale em “transferências”, vários ministérios também param de fazer o empenho das emendas, ou seja, a reserva do dinheiro. O Centrão viabilizou maior fatia do repasse dos recursos por meio das “emendas Pix”, modalidade em que o dinheiro sai dos cofres da União e vai direto para a prefeitura sem necessidade de um projeto para justificar o gasto. O município fica livre para aplicar os recursos.
Ao mesmo tempo em que facilitam a operação política de parlamentares e prefeitos, as “emendas Pix” são contestadas no Supremo Tribunal Federal (STF) pela falta de transparência em sua aplicação nos municípios.
“As ‘emendas Pix’ e as emendas destinadas ao custeio da saúde têm uma execução mais ágil que as emendas destinadas às demais ações orçamentárias, por não necessitarem de apresentação de propostas de trabalho com as respectivas análises necessárias para sua aprovação”, explica Wagner Primo Júnior, consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados.
Na bancada do PSD, 91% de tudo que os deputados conseguiram empenhar este ano foi para as chamadas “emendas Pix” e para o custeio de ações de Saúde, nas modalidades de atendimentos de média e alta complexidade (MAC) e atenção básica (PAB). Já na bancada do PT, só 76% foi para estas três modalidades de emendas. No caso das emendas para custeio da Saúde, os pagamentos podem ser feitos desde que a cidade ainda não tenha atingido os limites para este tipo de verba (chamados de “teto MAC” e “teto PAB”).
PSOL e Novo foram os partidos que menos usaram as “emendas Pix” e as ações orçamentárias de custeio da saúde (41% e 59%, respectivamente). Como consequência, os deputados destes partidos foram também os que menos conseguiram pagamentos de suas emendas até agora. Em ambos os casos, menos de R$ 9 milhões foram pagos, em média. No outro extremo, a bancada do Avante foi a que mais priorizou estas três ações orçamentárias. Conseguiram, na média, viabilizar R$ 27,8 milhões cada.
Na Câmara, o campeão em emendas pagas este ano até o momento é o deputado Antônio Leocádio dos Santos, mais conhecido como Antônio Doido (MDB-PA). Ex-prefeito de São Miguel do Guamá, município de 65 mil habitantes localizado a 150 km de Belém, Antônio conseguiu mandar R$ 37,8 milhões para diversas prefeituras paraenses. Tudo foi para as duas ações orçamentárias de custeio da Saúde, tanto para a atenção básica quanto para a média e alta complexidade, em diversas prefeituras do Pará.
Estratégia similar foi adotada pelo segundo e terceiro colocados, Ricardo Silva (PSD-SP) e Lula da Fonte (PP-PE). Segundo congressistas com trânsito no governo, o Palácio do Planalto fez um acordo para tentar viabilizar os pagamentos deste tipo de emenda antes do prazo determinado pela lei eleitoral.
Só em emendas individuais, os deputados federais conseguiram empenhar R$ 10,9 bilhões antes do dia 5 de junho – os senadores conseguiram destinar outros R$ 3,1 bilhões. Contando emendas de comissão e de bancadas estaduais, o montante destinado pelos congressistas antes do prazo eleitoral alcança R$ 23,1 bilhões.
“Emenda Pix”: ágil, mas contestada no STF
Apesar da agilidade que dá aos operadores políticos, a “emenda Pix” tem problemas sérios de transparência. Ao contrário dos outros tipos de emendas, as “Pix” podem ser usadas pelas prefeituras para qualquer finalidade, exceto pagamento de pessoal. E, na prática, são poucos os municípios que informam como estão usando o dinheiro – o congressista também não precisa dizer como a prefeitura deverá usar o recurso, ao apresentar a emenda. Elas foram criadas pelo Congresso por meio de uma emenda à Constituição, em 2019.
“A preferência (dos congressistas) pela Emenda Pix tem uma razão até óbvia, que é a facilidade de destiná-las. O ‘custo-benefício’ político é alto. A emenda é aprovada, e você já cumpriu a sua parte, de enviar os recursos. Só que elas têm diversos elementos de opacidade, desde o momento em que são aprovadas; para onde vai; e na execução. É muito difícil de acompanhar, pois não existia uma obrigação de prestação de contas (...). No contexto do ano eleitoral, isso fica até mais grave, pela possibilidade de você usar um recurso da União para se beneficiar eleitoralmente”, diz Marina Atoji, que é diretora de Programas da Transparência Brasil, uma ONG voltada para o tema da transparência pública.
Nesta quinta-feira, 25, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) ingressou com uma ação no STF para questionar a constitucionalidade das “emendas Pix”. Para a entidade, este tipo de emenda provoca um “apagão” nos sistemas de fiscalização do Orçamento, acompanhando o uso dos recursos por parte da imprensa e da sociedade. “Ao buscar na base de dados, a União já transferiu, efetivamente, mais de R$ 15 bilhões em emendas individuais por transferências desde 2020, e empenhou mais de R$ 20 bilhões ao todo”, diz a peça judicial.
No Supremo Tribunal Federal, as “emendas Pix” são discutidas também em uma ação ingressada pelo PSOL ainda em 2021. A partir de uma provocação da Transparência Brasil e de outras duas ONGs (Contas Abertas e Transparência Internacional), o ministro Flávio Dino reabriu a ação, em junho deste ano. Originalmente, a ação discutia o Orçamento Secreto, prática baseada no uso das chamadas emendas de relator e revelada pelo Estadão.
Ao reabrir o assunto, Dino mencionou também as “emendas Pix”, chamando-as de “emendas pizza”. “Fica evidenciado que não importa a embalagem ou o rótulo (RP 2, RP 8, emendas pizza etc.). A mera mudança de nomenclatura não constitucionaliza uma prática classificada como inconstitucional pelo STF, qual seja, a do orçamento secreto”, pontificou Dino em junho. Na ocasião, o ministro marcou uma audiência de conciliação sobre o assunto com o governo, a Câmara, o Senado e a Procuradoria-Geral da República. O encontro está marcado para 1º de agosto.