Principal referência da comunidade judaica no Brasil, o médico oftalmologista Claudio Lottenberg, de 62 anos, presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Beneficente Albert Einstein e presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), acredita que os gestos do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Estado de Israel são uma tentativa de aproximação com a comunidade evangélica.
Cauteloso ao falar de eleições, Lottenberg, que não declara seu voto, avaliou esse nesta entrevista ao Estadão que o discurso de ódio na política surgiu com movimentos nacionalistas, sejam eles de direita radical ou de esquerda.
No começo do mandato, Jair Bolsonaro deu um tratamento especial à comunidade judaica e prometeu até levar a Embaixada do Brasil (em Tel-Aviv) para Jerusalém. Ele conseguiu estabelecer uma relação?
No início do mandato, o presidente Bolsonaro teve uma posição muito positiva com o Estado de Israel. Isso não significa somente a comunidade judaica, mas principalmente a comunidade evangélica. É importante destacar que a identidade do estado judeu não é importante somente na lógica dos judeus. Hoje, o papel dos evangélicos é muito importante. Ele teve uma aproximação com o Estado de Israel. A gente tem de diferenciar o que significa a relação com a comunidade judaica, com o Estado de Israel e com a comunidade evangélica.
Como deve ser feita essa diferenciação?
Ele, de fato, teve um papel de aproximação com o Estado de Israel. Desde o primeiro momento, a gente percebeu isso com a vinda do então primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, para a posse do presidente Bolsonaro. Em um segundo momento, o próprio presidente fez a primeira viagem internacional para Israel. Isso criou uma empatia com os simpatizantes do Estado de Israel, que é a comunidade judaica e a evangélica e outras pessoas que enxergam como um patrimônio do estado democrático do Oriente Médio. Isso deve ser registrado positivamente.
Até que ponto essa aproximação do presidente com o Estado de Israel foi uma tentativa de buscar apoio no eleitorado evangélico?
Isso está presente no movimento de reeleição do presidente. Ele tem um apoio muito forte do segmento evangélico. O presidente tinha a visão da importância do que significaria para ele em termos de bônus político.
Hoje, a comunidade judaica no Brasil apoia majoritariamente o presidente da República na campanha?
A comunidade judaica é plural, é um recorte da sociedade brasileira. Temos judeus de direita e de esquerda, liberais e mais conservadores. A presença do voto judaico se manifesta entre todos os candidatos. Impossível fazer qualquer avaliação sobre quem tem maioria, Lula ou Bolsonaro.
Qual foi a repercussão na comunidade judaica da visita ao Bolsonaro da deputada alemã Beatrix von Storch, neta de um ministro de Hitler?
Naquele momento, a comunidade judaica se manifestou de maneira formal. Ninguém enxergou isso de forma positiva. Todos aqueles que enxergam as atrocidades do regime nazista viram com preocupação essa atitude do presidente. Criou-se uma imagem negativa a todos aqueles que defendem um Brasil democrático. A visita causou um impacto negativo.
Quem o sr. apoia no 1° turno e como avalia o favoritismo de Lula?
Eu apoio o vencedor. Apoio quem for eleito. Se Lula for eleito terá meu apoio e dos demais brasileiros. Espero que se encerre essa polarização no momento que for eleito o presidente da República.
Como o sr. enxerga esse movimento pelo voto útil contra o Bolsonaro?
No 1° turno, a gente deve expressar as nossas vontades, independente do candidato ter mais ou menos chance. O 2° turno, tem uma característica mais plebiscitária. Sem o voto útil, podemos avaliar o candidato com o peso que ele realmente tem.
Em 2018, a classe médica apoiou em grande parte o Bolsonaro, muito em função da rejeição ao programa Mais Médicos, que trazia médicos cubanos para o Brasil. Como está o cenário entre os médicos agora?
Como médico e uma pessoa ativa na saúde, não me recordo que a comunidade médica tenha sentado e discutido quem apoiar. Algumas lideranças médicas se tornaram mais presentes e expuseram sua preferência pelo candidato Jair Bolsonaro. É bom lembrar que, com o episódio da facada, o assunto saúde acabou ganhando mais visibilidade.
O sr. defende a inclusão da cannabis medicinal no SUS?
Os benefícios são muitos claros. Em epilepsia refratária aos tratamentos, que são milhões de pessoas, isso está comprovado. A utilização para tratamento paliativo e dor crônica também. E casos de depressão e ansiedade. Por que não criar condições de acesso para quem não tem condições financeiras?
A ascensão da direita radical e o discurso de ódio preocupam o sr?
O discurso de ódio me preocupa sempre em relação a todas as minorias. Para mim, ele é fruto de um movimento nacionalista que é uma resposta à globalização. A globalização não reduziu as desigualdades, mas surgiu como uma tentativa de melhorar o acesso a bens, insumos e serviços. Determinados países adotaram o tom nacionalista na defesa de interesses próprios. Não é incomum que esses nacionalistas, ao falar na sua defesa, façam um discurso de ódio.
Os sr. identifica traços deste discurso nacionalista no Bolsonaro?
Todo extremismo é ruim. A cultura nacionalista está na direita radical e na esquerda radical. Essa divisão de esquerda e direita devia ser uma pedra sepultada com o Muro de Berlim. Existem coisas boas dos dois lados.
Como recebeu o manifesto dos judeus pela democracia que defendeu voto no ex-presidente Lula?
A comunidade judaica é plural. Temos entre 120 ou 130 mil judeus. Essas pessoas não falam em nome da comunidade, mas eu os respeito.
Houve uso político da bandeira de Israel para atrair o voto evangélico?
Nós somos brasileiros. Por que usar a bandeira de um país? Não vejo necessidade disso. Não sei se foi algo premeditado, mas não faz sentido. Talvez tenha um dedo da comunidade evangélica. É bom lembrar que, ao contrário da comunidade judaica, a evangélica tem algumas dezenas de milhões de pessoa.