Presidente do CFM se recusa a vetar cloroquina para covid; OMS é contra


Mauro Ribeiro argumenta que experiência de quem atende diretamente a paciente é importante e difere da de profissionais que ficam ‘lendo estudo e nunca viram doente na vida’; atuação do CFM é alvo de investigação do MPF e da CPI da Covid

Por Roberta Jansen

RIO - O presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Mauro Luiz de Britto Ribeiro, investigado pela CPI da Covid, disse em entrevista ao Estadão que estudos científicos internacionais adotados como parâmetro pela Organização Mundial da Saúde (OMS) não são suficientes para que o conselho condene o uso de hidroxicloroquina e cloroquina no tratamento precoce da infecção pelo Sars-CoV2. Em abril de 2020, um parecer do CFM, do qual Ribeiro foi relator, liberou o uso das substâncias, a critério de cada médico, no combate à pandemia. Àquela altura, o presidente Jair Bolsonaro tinha acabado de demitir Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde por resistir à prescrição dos medicamentos.

Ribeiro ainda defende a decisão do conselho, apesar de, em março deste ano, a Organização Mundial da Saúde ter concluído que a hidroxicloroquina é contra-indicada no tratamento da covid, com risco de efeitos colaterais adversos. A OMS emitiu “forte recomendação” contra o uso da substância. 

O presidente Jair Bolsonaro durante encontro com Mauro Ribeiro, presidente do Conselho Federal de Medicina. Foto: Isac Nóbrega/PR
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Segundo o presidente do CFM, a “experiência observacional” do médico que atende aos pacientes da pandemia nos hospitais e postos de saúde também deve ser levada em conta na decisão de prescrever a cloroquina ou não.

“É diferente o médico que fica no ar condicionado lendo estudo e que nunca viu um doente na vida”, disse.

Segundo Ribeiro, de 25% a 30% dos médicos brasileiros são favoráveis ao uso das substâncias. “Não podemos pegar trabalhos científicos e tomar decisões apenas em cima disso. Temos que levar tudo em consideração.” Por isso, explicou, o CFM preconiza a autonomia médica na decisão do tratamento. “Não defendemos o tratamento”, frisou, acrescentando que todas as decisões do conselho são pautadas pela ciência e não pela política.

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Segundo anunciou na última quarta-feira o relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), Ribeiro passou à condição de investigado “por seu apoio ao negacionismo, pela maneira como deu suporte à prescrição de remédios ineficazes – e os defendeu publicamente – e pela omissão diante de fatos evidentemente criminosos”.

Ribeiro disse lamentar ter passado à condição de investigado sem nunca ter sido ouvido pela CPI, embora tenha se oferecido para falar. Ele afirmou ainda que o Brasil vive um momento complicado em função da politização da pandemia.

“Não podemos questionar nada que somos colocados como negacionistas, como terraplanistas, isso está errado, temos que discutir as coisas”, afirmou Ribeiro. “Estamos diante de uma doença desconhecida, não pode ter assunto proibido.”

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A seguir os principais trechos da conversa de Ribeiro com o Estadão, realizada na tarde quinta-feira, 7, antes da notícia de que também o Ministério Público Federal em São Paulo abriu inquérito sobre a conduta do conselho.

Como o senhor recebeu a notícia de que passou a ser investigado pela CPI da Covid?

Recebemos com toda tranquilidade do mundo, sem nenhuma surpresa, apenas lamentando o fato de termos pedido várias vezes para sermos convocados na CPI e nunca termos sido chamados, mesmo sendo a voz dos médicos. A comissão investigou o tratamento da covid-19. Várias pessoas foram chamadas para falar, mas os médicos não se fizeram representar por sua maior instituição que é o Conselho Federal de Medicina (CFM). Mas a verdade vai prevalecer, vamos prestar todos os esclarecimentos, dentro daquilo que temos dito: não apoiamos nenhum tipo de tratamento, nem condenamos. Defendemos, sim, a autonomia do médico, um princípio hipocrático, e vamos defender sempre. O tratamento das doenças está sendo criminalizado no Brasil. Os jornalistas dão opiniões definitivas, os políticos dão opiniões definitivas. O único que não está sendo ouvido é o médico brasileiro.

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A Associação Médica Brasileira (AMB), que reúne as 54 sociedades médicas do País, já se pronunciou várias vezes contrária ao tratamento precoce. Diversas sociedades médicas também se posicionaram contra o uso da cloroquina, bem como muitos médicos individualmente...

A entidade médica que verdadeiramente representa os médicos é o CFM. Todos os médicos brasileiros --- e somos mais de 530 mil --- têm registro na nossa instituição. A AMB é importantíssima, mas ela é uma entidade opinativa. E ela vem dando declarações de forma reiterada contra a autonomia do médico. É uma opinião que lamentamos muito. É a primeira vez que vejo um representante da classe falar contra a autonomia do médico. Respeitamos a opinião deles, mas vamos combatê-la de forma veemente. (Na verdade, as declarações da AMB são favoráveis à autonomia médica. A associação defende, no entanto, que a autonomia não se aplica a drogas cuja ineficácia já está comprovada cientificamente).

Qual é o papel do CFM?

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Somos uma autarquia federal, cujo objetivo maior é garantir à população boas condições de atendimento em saúde. Temos a competência legal de fiscalizar e normatizar a medicina no Brasil, somos responsáveis por julgarmos os médicos por delitos éticos e estabelecer o que é tratamento experimental e o que não é. A associação dá opiniões, nós não. O que dizemos deve ser cumprido.

O senhor falou que uma das atribuições do CFM é estabelecer o que é tratamento experimental. O tratamento precoce contra a covid-19 (com hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina) não é experimental?

Não, não é. A covid é uma doença sobre a qual não sabemos nada. Vou repetir: não sabemos nada sobre essa doença. Todo dia surge algum tipo de nova complicação. O mundo parou em razão dessa doença. Buscamos respostas avidamente, mas a ciência não teve tempo ainda de responder. É uma doença para a qual não há um tratamento reconhecido. Por isso, é possível usar medicações off label; ou seja, que já têm registro na Anvisa para uso contra outras doenças. Um tratamento experimental é um tratamento novo, ainda não reconhecido, para uma doença para a qual já existem outros tratamentos aprovados. Nós permitimos o tratamento com drogas reposicionadas contra a covid-19 na fase inicial, mas não a ozonioterapia, que não é reconhecida para nada no Brasil.

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Não incomoda ao senhor o fato de o posicionamento do CFM ser diferente daquele preconizado pelas mais importantes instituições de saúde do mundo, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA, o Serviço Nacional de Saúde, do Reino Unido, bem como das principais agências regulatórias do planeta, como a FDA e a própria Anvisa?

Não, não me incomoda. Não há nenhuma outra entidade que se guie mais pela ciência do que o CFM. Não temos nenhum outro interesse que não seja fazer o melhor. As decisões do CFM não são monocráticas. São 28 conselheiros fazendo uma varredura de tudo de importante que acontece no mundo sobre covid-19. O FDA é muito importante, mas temos autonomia para tomar as nossas decisões. Temos uma atividade de regulação da medicina que nem todos esses órgãos têm. É legítimo que se discuta a eficácia das medicações.Mas não dá para dizer que as drogas são ineficazes; a ciência ainda vai dar essa resposta de forma definitiva. É um excesso de retórica que não tem correspondência na realidade. Estamos falando de drogas seguras, usadas há 40, 60, 70 anos. Lembrando sempre que o nosso parecer não defende o tratamento precoce.

O senhor afirmou que “não dá para dizer que essas drogas são ineficazes; a ciência ainda vai dar essa resposta”, mas não é bem assim. Estudos de algumas das instituições de saúde mais importantes do mundo, publicados nas revistas científicas de alto impacto, já mostraram que as drogas são ineficazes contra a covid-19. Alguns estudos pequenos, sobretudo no início da pandemia, mostraram eficácia. Muitos já foram inclusive desmentidos. Desconheço que exista hoje estudo comprovando a eficácia do tratamento precoce, mas, se existe, certamente não tem o mesmo peso científico daqueles publicados nas revistas de alto impacto e revisado por pares.

Já te coloquei a posição do CFM. Se pegar uma média, pode ser que seja o que você está falando. Provavelmente até é. Mas se pegar a literatura como um todo, não. E a experiência observacional do médico não está sendo levada em conta e ela também é importante. Por isso, delegamos essa decisão ao médico. Metade da população brasileira, ou até mais, quer fazer o tratamento precoce. De 25% a 30% dos médicos, segundo levantamento nosso, já propõem o tratamento precoce. Metade da classe médica acredita no tratamento, seja pelos trabalhos que lê, seja pela prática diária. Uma coisa é estarmos aqui no ar-condicionado, sem estresse, discutindo sobre o tratamento. Outra coisa é estar na UPA, com um paciente inseguro, chorando na nossa frente, com medo da doença, com a família estressada. Essa questão é muito mais complexa do que é posta pela imprensa ou por determinados segmentos da sociedade. E tem que levar em conta o médico na ponta; não o que fica no gabinete lendo estudo e nunca encontrou um paciente na vida. Uma coisa são os estudos de gabinete. Outra coisa diferente é a prática da medicina. E temos que levar isso tudo em conta. Não podemos pegar trabalhos científicos e tomarmos uma decisão em cima apenas desses fatores. Eles são importantes, mas não são os únicos. Não tiro a sua razão, mas quando contextualizamos com casos concretos, num País continental como o nosso, em que temos excepcionais hospitais nos grandes centros e o médico que atende a população ribeirinha na Amazônia, é outro Brasil.

Na última Assembleia-Geral da ONU, o presidente Jair Bolsonaro citou o CFM quando disse “desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, segundo recomendação do nosso CFM. Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial”. Essa não é uma politização do posicionamento do CFM para legitimar a política do governo?

A imprensa também usa politicamente o nosso parecer. Estou sendo colocado como investigado (na CPI) sem nunca ter sido ouvido, porque as pessoas dizem que o CFM incentiva o tratamento precoce. A interpretação do presidente está dentro do que está no parecer, “apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce”. Mas não vou ficar discutindo com o presidente. Nossas decisões são técnicas. Elas refletem a conduta dos mais de 530 mil médicos que existem no País. Como podem pensar que vamos levar em conta a posição política de alguém, mesmo sendo o presidente da República, o ministro? Isso não existe aqui no CFM. É impossível acontecer isso. Eu fui o relator do parecer. Ele foi discutido detalhadamente, ponto a ponto, e votado pelos 28 conselheiros. Não tem como, numa decisão colegiada, ter essa influência política. Agora, o que está acontecendo hoje no Brasil é que não podemos questionar nada que somos colocados como negacionistas, como terraplanistas. Isso está errado, temos que discutir as coisas. Estamos diante de uma doença desconhecida, não podemos ter um assunto proibido. Por que se politiza tanto o tratamento no Brasil? Estive há pouco tempo em Portugal, os colegas contaram que a oposição apoiou as diretrizes do ministério, não houve essa politização.

Sim, mas qual era a diretriz do ministério da Saúde de Portugal sobre tratamento precoce?

Não sei qual é o posicionamento do ministério português. (De acordo com o site do Ministério da Saúde de Portugal, o tratamento é dirigido apenas aos sinais e sintomas, e não há recomendações de drogas específicas).

Falando então sobre a autonomia do médico. Onde termina a autonomia médica e começa a imprudência? Não há limites para a autonomia médica?

A medicina hipocrática tem dois pilares: o sigilo médico e a autonomia do médico. Em qualquer instância, estamos defendendo um dos pilares milenares da medicina hipocrática. O médico pode fazer tudo? Óbvio que não. A autonomia médica tem limite? Lógico que tem. Tem limite na lei e na ética. O que é ilegal está fora. O que é antiético está fora. Dentro desse limite, ele pode fazer o que julgar mais adequado para o tratamento.

De acordo com o código de ética do médico, o profissional está livre para escolher o tratamento mais adequado dentre “os meios cientificamente reconhecidos”, o que não é o caso do chamado kit covid...

Sim, mas para as doenças para as quais existem tratamentos. Não é o caso da covid, que é uma doença que não tem tratamento. Esse é o ponto. A covid é uma doença terrível, altamente transmissível, que sequela, mata e para a qual não há tratamento reconhecido. Por isso, é possível usar uma droga reposicionada. O dia em que houver um remédio específico, não será mais assim.

Um executivo da Prevent Senior admitiu à CPI ao vivo, para todo o País, que houve alteração em prontuários médicos e até em atestados de óbitos de pacientes que morreram por covid-19. Como o CFM se posiciona sobre isso?

Não tenho como me posicionar. O Conselho Regional de Medicina de São Paulo está investigando o caso. Posso dizer que todos os denunciados terão ampla defesa e essa sindicância será arquivada ou transformada em processo ético-profissional. Neste caso, serão absolvidos ou condenados. Se forem condenados, podem recorrer à segunda instância, que é o CFM. Então não posso me posicionar com antecedência. A única coisa que posso falar é que, no Brasil, todos têm direito à ampla defesa e ao contraditório.

RIO - O presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Mauro Luiz de Britto Ribeiro, investigado pela CPI da Covid, disse em entrevista ao Estadão que estudos científicos internacionais adotados como parâmetro pela Organização Mundial da Saúde (OMS) não são suficientes para que o conselho condene o uso de hidroxicloroquina e cloroquina no tratamento precoce da infecção pelo Sars-CoV2. Em abril de 2020, um parecer do CFM, do qual Ribeiro foi relator, liberou o uso das substâncias, a critério de cada médico, no combate à pandemia. Àquela altura, o presidente Jair Bolsonaro tinha acabado de demitir Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde por resistir à prescrição dos medicamentos.

Ribeiro ainda defende a decisão do conselho, apesar de, em março deste ano, a Organização Mundial da Saúde ter concluído que a hidroxicloroquina é contra-indicada no tratamento da covid, com risco de efeitos colaterais adversos. A OMS emitiu “forte recomendação” contra o uso da substância. 

O presidente Jair Bolsonaro durante encontro com Mauro Ribeiro, presidente do Conselho Federal de Medicina. Foto: Isac Nóbrega/PR

Segundo o presidente do CFM, a “experiência observacional” do médico que atende aos pacientes da pandemia nos hospitais e postos de saúde também deve ser levada em conta na decisão de prescrever a cloroquina ou não.

“É diferente o médico que fica no ar condicionado lendo estudo e que nunca viu um doente na vida”, disse.

Segundo Ribeiro, de 25% a 30% dos médicos brasileiros são favoráveis ao uso das substâncias. “Não podemos pegar trabalhos científicos e tomar decisões apenas em cima disso. Temos que levar tudo em consideração.” Por isso, explicou, o CFM preconiza a autonomia médica na decisão do tratamento. “Não defendemos o tratamento”, frisou, acrescentando que todas as decisões do conselho são pautadas pela ciência e não pela política.

Segundo anunciou na última quarta-feira o relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), Ribeiro passou à condição de investigado “por seu apoio ao negacionismo, pela maneira como deu suporte à prescrição de remédios ineficazes – e os defendeu publicamente – e pela omissão diante de fatos evidentemente criminosos”.

Ribeiro disse lamentar ter passado à condição de investigado sem nunca ter sido ouvido pela CPI, embora tenha se oferecido para falar. Ele afirmou ainda que o Brasil vive um momento complicado em função da politização da pandemia.

“Não podemos questionar nada que somos colocados como negacionistas, como terraplanistas, isso está errado, temos que discutir as coisas”, afirmou Ribeiro. “Estamos diante de uma doença desconhecida, não pode ter assunto proibido.”

A seguir os principais trechos da conversa de Ribeiro com o Estadão, realizada na tarde quinta-feira, 7, antes da notícia de que também o Ministério Público Federal em São Paulo abriu inquérito sobre a conduta do conselho.

Como o senhor recebeu a notícia de que passou a ser investigado pela CPI da Covid?

Recebemos com toda tranquilidade do mundo, sem nenhuma surpresa, apenas lamentando o fato de termos pedido várias vezes para sermos convocados na CPI e nunca termos sido chamados, mesmo sendo a voz dos médicos. A comissão investigou o tratamento da covid-19. Várias pessoas foram chamadas para falar, mas os médicos não se fizeram representar por sua maior instituição que é o Conselho Federal de Medicina (CFM). Mas a verdade vai prevalecer, vamos prestar todos os esclarecimentos, dentro daquilo que temos dito: não apoiamos nenhum tipo de tratamento, nem condenamos. Defendemos, sim, a autonomia do médico, um princípio hipocrático, e vamos defender sempre. O tratamento das doenças está sendo criminalizado no Brasil. Os jornalistas dão opiniões definitivas, os políticos dão opiniões definitivas. O único que não está sendo ouvido é o médico brasileiro.

A Associação Médica Brasileira (AMB), que reúne as 54 sociedades médicas do País, já se pronunciou várias vezes contrária ao tratamento precoce. Diversas sociedades médicas também se posicionaram contra o uso da cloroquina, bem como muitos médicos individualmente...

A entidade médica que verdadeiramente representa os médicos é o CFM. Todos os médicos brasileiros --- e somos mais de 530 mil --- têm registro na nossa instituição. A AMB é importantíssima, mas ela é uma entidade opinativa. E ela vem dando declarações de forma reiterada contra a autonomia do médico. É uma opinião que lamentamos muito. É a primeira vez que vejo um representante da classe falar contra a autonomia do médico. Respeitamos a opinião deles, mas vamos combatê-la de forma veemente. (Na verdade, as declarações da AMB são favoráveis à autonomia médica. A associação defende, no entanto, que a autonomia não se aplica a drogas cuja ineficácia já está comprovada cientificamente).

Qual é o papel do CFM?

Somos uma autarquia federal, cujo objetivo maior é garantir à população boas condições de atendimento em saúde. Temos a competência legal de fiscalizar e normatizar a medicina no Brasil, somos responsáveis por julgarmos os médicos por delitos éticos e estabelecer o que é tratamento experimental e o que não é. A associação dá opiniões, nós não. O que dizemos deve ser cumprido.

O senhor falou que uma das atribuições do CFM é estabelecer o que é tratamento experimental. O tratamento precoce contra a covid-19 (com hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina) não é experimental?

Não, não é. A covid é uma doença sobre a qual não sabemos nada. Vou repetir: não sabemos nada sobre essa doença. Todo dia surge algum tipo de nova complicação. O mundo parou em razão dessa doença. Buscamos respostas avidamente, mas a ciência não teve tempo ainda de responder. É uma doença para a qual não há um tratamento reconhecido. Por isso, é possível usar medicações off label; ou seja, que já têm registro na Anvisa para uso contra outras doenças. Um tratamento experimental é um tratamento novo, ainda não reconhecido, para uma doença para a qual já existem outros tratamentos aprovados. Nós permitimos o tratamento com drogas reposicionadas contra a covid-19 na fase inicial, mas não a ozonioterapia, que não é reconhecida para nada no Brasil.

Não incomoda ao senhor o fato de o posicionamento do CFM ser diferente daquele preconizado pelas mais importantes instituições de saúde do mundo, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA, o Serviço Nacional de Saúde, do Reino Unido, bem como das principais agências regulatórias do planeta, como a FDA e a própria Anvisa?

Não, não me incomoda. Não há nenhuma outra entidade que se guie mais pela ciência do que o CFM. Não temos nenhum outro interesse que não seja fazer o melhor. As decisões do CFM não são monocráticas. São 28 conselheiros fazendo uma varredura de tudo de importante que acontece no mundo sobre covid-19. O FDA é muito importante, mas temos autonomia para tomar as nossas decisões. Temos uma atividade de regulação da medicina que nem todos esses órgãos têm. É legítimo que se discuta a eficácia das medicações.Mas não dá para dizer que as drogas são ineficazes; a ciência ainda vai dar essa resposta de forma definitiva. É um excesso de retórica que não tem correspondência na realidade. Estamos falando de drogas seguras, usadas há 40, 60, 70 anos. Lembrando sempre que o nosso parecer não defende o tratamento precoce.

O senhor afirmou que “não dá para dizer que essas drogas são ineficazes; a ciência ainda vai dar essa resposta”, mas não é bem assim. Estudos de algumas das instituições de saúde mais importantes do mundo, publicados nas revistas científicas de alto impacto, já mostraram que as drogas são ineficazes contra a covid-19. Alguns estudos pequenos, sobretudo no início da pandemia, mostraram eficácia. Muitos já foram inclusive desmentidos. Desconheço que exista hoje estudo comprovando a eficácia do tratamento precoce, mas, se existe, certamente não tem o mesmo peso científico daqueles publicados nas revistas de alto impacto e revisado por pares.

Já te coloquei a posição do CFM. Se pegar uma média, pode ser que seja o que você está falando. Provavelmente até é. Mas se pegar a literatura como um todo, não. E a experiência observacional do médico não está sendo levada em conta e ela também é importante. Por isso, delegamos essa decisão ao médico. Metade da população brasileira, ou até mais, quer fazer o tratamento precoce. De 25% a 30% dos médicos, segundo levantamento nosso, já propõem o tratamento precoce. Metade da classe médica acredita no tratamento, seja pelos trabalhos que lê, seja pela prática diária. Uma coisa é estarmos aqui no ar-condicionado, sem estresse, discutindo sobre o tratamento. Outra coisa é estar na UPA, com um paciente inseguro, chorando na nossa frente, com medo da doença, com a família estressada. Essa questão é muito mais complexa do que é posta pela imprensa ou por determinados segmentos da sociedade. E tem que levar em conta o médico na ponta; não o que fica no gabinete lendo estudo e nunca encontrou um paciente na vida. Uma coisa são os estudos de gabinete. Outra coisa diferente é a prática da medicina. E temos que levar isso tudo em conta. Não podemos pegar trabalhos científicos e tomarmos uma decisão em cima apenas desses fatores. Eles são importantes, mas não são os únicos. Não tiro a sua razão, mas quando contextualizamos com casos concretos, num País continental como o nosso, em que temos excepcionais hospitais nos grandes centros e o médico que atende a população ribeirinha na Amazônia, é outro Brasil.

Na última Assembleia-Geral da ONU, o presidente Jair Bolsonaro citou o CFM quando disse “desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, segundo recomendação do nosso CFM. Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial”. Essa não é uma politização do posicionamento do CFM para legitimar a política do governo?

A imprensa também usa politicamente o nosso parecer. Estou sendo colocado como investigado (na CPI) sem nunca ter sido ouvido, porque as pessoas dizem que o CFM incentiva o tratamento precoce. A interpretação do presidente está dentro do que está no parecer, “apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce”. Mas não vou ficar discutindo com o presidente. Nossas decisões são técnicas. Elas refletem a conduta dos mais de 530 mil médicos que existem no País. Como podem pensar que vamos levar em conta a posição política de alguém, mesmo sendo o presidente da República, o ministro? Isso não existe aqui no CFM. É impossível acontecer isso. Eu fui o relator do parecer. Ele foi discutido detalhadamente, ponto a ponto, e votado pelos 28 conselheiros. Não tem como, numa decisão colegiada, ter essa influência política. Agora, o que está acontecendo hoje no Brasil é que não podemos questionar nada que somos colocados como negacionistas, como terraplanistas. Isso está errado, temos que discutir as coisas. Estamos diante de uma doença desconhecida, não podemos ter um assunto proibido. Por que se politiza tanto o tratamento no Brasil? Estive há pouco tempo em Portugal, os colegas contaram que a oposição apoiou as diretrizes do ministério, não houve essa politização.

Sim, mas qual era a diretriz do ministério da Saúde de Portugal sobre tratamento precoce?

Não sei qual é o posicionamento do ministério português. (De acordo com o site do Ministério da Saúde de Portugal, o tratamento é dirigido apenas aos sinais e sintomas, e não há recomendações de drogas específicas).

Falando então sobre a autonomia do médico. Onde termina a autonomia médica e começa a imprudência? Não há limites para a autonomia médica?

A medicina hipocrática tem dois pilares: o sigilo médico e a autonomia do médico. Em qualquer instância, estamos defendendo um dos pilares milenares da medicina hipocrática. O médico pode fazer tudo? Óbvio que não. A autonomia médica tem limite? Lógico que tem. Tem limite na lei e na ética. O que é ilegal está fora. O que é antiético está fora. Dentro desse limite, ele pode fazer o que julgar mais adequado para o tratamento.

De acordo com o código de ética do médico, o profissional está livre para escolher o tratamento mais adequado dentre “os meios cientificamente reconhecidos”, o que não é o caso do chamado kit covid...

Sim, mas para as doenças para as quais existem tratamentos. Não é o caso da covid, que é uma doença que não tem tratamento. Esse é o ponto. A covid é uma doença terrível, altamente transmissível, que sequela, mata e para a qual não há tratamento reconhecido. Por isso, é possível usar uma droga reposicionada. O dia em que houver um remédio específico, não será mais assim.

Um executivo da Prevent Senior admitiu à CPI ao vivo, para todo o País, que houve alteração em prontuários médicos e até em atestados de óbitos de pacientes que morreram por covid-19. Como o CFM se posiciona sobre isso?

Não tenho como me posicionar. O Conselho Regional de Medicina de São Paulo está investigando o caso. Posso dizer que todos os denunciados terão ampla defesa e essa sindicância será arquivada ou transformada em processo ético-profissional. Neste caso, serão absolvidos ou condenados. Se forem condenados, podem recorrer à segunda instância, que é o CFM. Então não posso me posicionar com antecedência. A única coisa que posso falar é que, no Brasil, todos têm direito à ampla defesa e ao contraditório.

RIO - O presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Mauro Luiz de Britto Ribeiro, investigado pela CPI da Covid, disse em entrevista ao Estadão que estudos científicos internacionais adotados como parâmetro pela Organização Mundial da Saúde (OMS) não são suficientes para que o conselho condene o uso de hidroxicloroquina e cloroquina no tratamento precoce da infecção pelo Sars-CoV2. Em abril de 2020, um parecer do CFM, do qual Ribeiro foi relator, liberou o uso das substâncias, a critério de cada médico, no combate à pandemia. Àquela altura, o presidente Jair Bolsonaro tinha acabado de demitir Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde por resistir à prescrição dos medicamentos.

Ribeiro ainda defende a decisão do conselho, apesar de, em março deste ano, a Organização Mundial da Saúde ter concluído que a hidroxicloroquina é contra-indicada no tratamento da covid, com risco de efeitos colaterais adversos. A OMS emitiu “forte recomendação” contra o uso da substância. 

O presidente Jair Bolsonaro durante encontro com Mauro Ribeiro, presidente do Conselho Federal de Medicina. Foto: Isac Nóbrega/PR

Segundo o presidente do CFM, a “experiência observacional” do médico que atende aos pacientes da pandemia nos hospitais e postos de saúde também deve ser levada em conta na decisão de prescrever a cloroquina ou não.

“É diferente o médico que fica no ar condicionado lendo estudo e que nunca viu um doente na vida”, disse.

Segundo Ribeiro, de 25% a 30% dos médicos brasileiros são favoráveis ao uso das substâncias. “Não podemos pegar trabalhos científicos e tomar decisões apenas em cima disso. Temos que levar tudo em consideração.” Por isso, explicou, o CFM preconiza a autonomia médica na decisão do tratamento. “Não defendemos o tratamento”, frisou, acrescentando que todas as decisões do conselho são pautadas pela ciência e não pela política.

Segundo anunciou na última quarta-feira o relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), Ribeiro passou à condição de investigado “por seu apoio ao negacionismo, pela maneira como deu suporte à prescrição de remédios ineficazes – e os defendeu publicamente – e pela omissão diante de fatos evidentemente criminosos”.

Ribeiro disse lamentar ter passado à condição de investigado sem nunca ter sido ouvido pela CPI, embora tenha se oferecido para falar. Ele afirmou ainda que o Brasil vive um momento complicado em função da politização da pandemia.

“Não podemos questionar nada que somos colocados como negacionistas, como terraplanistas, isso está errado, temos que discutir as coisas”, afirmou Ribeiro. “Estamos diante de uma doença desconhecida, não pode ter assunto proibido.”

A seguir os principais trechos da conversa de Ribeiro com o Estadão, realizada na tarde quinta-feira, 7, antes da notícia de que também o Ministério Público Federal em São Paulo abriu inquérito sobre a conduta do conselho.

Como o senhor recebeu a notícia de que passou a ser investigado pela CPI da Covid?

Recebemos com toda tranquilidade do mundo, sem nenhuma surpresa, apenas lamentando o fato de termos pedido várias vezes para sermos convocados na CPI e nunca termos sido chamados, mesmo sendo a voz dos médicos. A comissão investigou o tratamento da covid-19. Várias pessoas foram chamadas para falar, mas os médicos não se fizeram representar por sua maior instituição que é o Conselho Federal de Medicina (CFM). Mas a verdade vai prevalecer, vamos prestar todos os esclarecimentos, dentro daquilo que temos dito: não apoiamos nenhum tipo de tratamento, nem condenamos. Defendemos, sim, a autonomia do médico, um princípio hipocrático, e vamos defender sempre. O tratamento das doenças está sendo criminalizado no Brasil. Os jornalistas dão opiniões definitivas, os políticos dão opiniões definitivas. O único que não está sendo ouvido é o médico brasileiro.

A Associação Médica Brasileira (AMB), que reúne as 54 sociedades médicas do País, já se pronunciou várias vezes contrária ao tratamento precoce. Diversas sociedades médicas também se posicionaram contra o uso da cloroquina, bem como muitos médicos individualmente...

A entidade médica que verdadeiramente representa os médicos é o CFM. Todos os médicos brasileiros --- e somos mais de 530 mil --- têm registro na nossa instituição. A AMB é importantíssima, mas ela é uma entidade opinativa. E ela vem dando declarações de forma reiterada contra a autonomia do médico. É uma opinião que lamentamos muito. É a primeira vez que vejo um representante da classe falar contra a autonomia do médico. Respeitamos a opinião deles, mas vamos combatê-la de forma veemente. (Na verdade, as declarações da AMB são favoráveis à autonomia médica. A associação defende, no entanto, que a autonomia não se aplica a drogas cuja ineficácia já está comprovada cientificamente).

Qual é o papel do CFM?

Somos uma autarquia federal, cujo objetivo maior é garantir à população boas condições de atendimento em saúde. Temos a competência legal de fiscalizar e normatizar a medicina no Brasil, somos responsáveis por julgarmos os médicos por delitos éticos e estabelecer o que é tratamento experimental e o que não é. A associação dá opiniões, nós não. O que dizemos deve ser cumprido.

O senhor falou que uma das atribuições do CFM é estabelecer o que é tratamento experimental. O tratamento precoce contra a covid-19 (com hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina) não é experimental?

Não, não é. A covid é uma doença sobre a qual não sabemos nada. Vou repetir: não sabemos nada sobre essa doença. Todo dia surge algum tipo de nova complicação. O mundo parou em razão dessa doença. Buscamos respostas avidamente, mas a ciência não teve tempo ainda de responder. É uma doença para a qual não há um tratamento reconhecido. Por isso, é possível usar medicações off label; ou seja, que já têm registro na Anvisa para uso contra outras doenças. Um tratamento experimental é um tratamento novo, ainda não reconhecido, para uma doença para a qual já existem outros tratamentos aprovados. Nós permitimos o tratamento com drogas reposicionadas contra a covid-19 na fase inicial, mas não a ozonioterapia, que não é reconhecida para nada no Brasil.

Não incomoda ao senhor o fato de o posicionamento do CFM ser diferente daquele preconizado pelas mais importantes instituições de saúde do mundo, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA, o Serviço Nacional de Saúde, do Reino Unido, bem como das principais agências regulatórias do planeta, como a FDA e a própria Anvisa?

Não, não me incomoda. Não há nenhuma outra entidade que se guie mais pela ciência do que o CFM. Não temos nenhum outro interesse que não seja fazer o melhor. As decisões do CFM não são monocráticas. São 28 conselheiros fazendo uma varredura de tudo de importante que acontece no mundo sobre covid-19. O FDA é muito importante, mas temos autonomia para tomar as nossas decisões. Temos uma atividade de regulação da medicina que nem todos esses órgãos têm. É legítimo que se discuta a eficácia das medicações.Mas não dá para dizer que as drogas são ineficazes; a ciência ainda vai dar essa resposta de forma definitiva. É um excesso de retórica que não tem correspondência na realidade. Estamos falando de drogas seguras, usadas há 40, 60, 70 anos. Lembrando sempre que o nosso parecer não defende o tratamento precoce.

O senhor afirmou que “não dá para dizer que essas drogas são ineficazes; a ciência ainda vai dar essa resposta”, mas não é bem assim. Estudos de algumas das instituições de saúde mais importantes do mundo, publicados nas revistas científicas de alto impacto, já mostraram que as drogas são ineficazes contra a covid-19. Alguns estudos pequenos, sobretudo no início da pandemia, mostraram eficácia. Muitos já foram inclusive desmentidos. Desconheço que exista hoje estudo comprovando a eficácia do tratamento precoce, mas, se existe, certamente não tem o mesmo peso científico daqueles publicados nas revistas de alto impacto e revisado por pares.

Já te coloquei a posição do CFM. Se pegar uma média, pode ser que seja o que você está falando. Provavelmente até é. Mas se pegar a literatura como um todo, não. E a experiência observacional do médico não está sendo levada em conta e ela também é importante. Por isso, delegamos essa decisão ao médico. Metade da população brasileira, ou até mais, quer fazer o tratamento precoce. De 25% a 30% dos médicos, segundo levantamento nosso, já propõem o tratamento precoce. Metade da classe médica acredita no tratamento, seja pelos trabalhos que lê, seja pela prática diária. Uma coisa é estarmos aqui no ar-condicionado, sem estresse, discutindo sobre o tratamento. Outra coisa é estar na UPA, com um paciente inseguro, chorando na nossa frente, com medo da doença, com a família estressada. Essa questão é muito mais complexa do que é posta pela imprensa ou por determinados segmentos da sociedade. E tem que levar em conta o médico na ponta; não o que fica no gabinete lendo estudo e nunca encontrou um paciente na vida. Uma coisa são os estudos de gabinete. Outra coisa diferente é a prática da medicina. E temos que levar isso tudo em conta. Não podemos pegar trabalhos científicos e tomarmos uma decisão em cima apenas desses fatores. Eles são importantes, mas não são os únicos. Não tiro a sua razão, mas quando contextualizamos com casos concretos, num País continental como o nosso, em que temos excepcionais hospitais nos grandes centros e o médico que atende a população ribeirinha na Amazônia, é outro Brasil.

Na última Assembleia-Geral da ONU, o presidente Jair Bolsonaro citou o CFM quando disse “desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, segundo recomendação do nosso CFM. Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial”. Essa não é uma politização do posicionamento do CFM para legitimar a política do governo?

A imprensa também usa politicamente o nosso parecer. Estou sendo colocado como investigado (na CPI) sem nunca ter sido ouvido, porque as pessoas dizem que o CFM incentiva o tratamento precoce. A interpretação do presidente está dentro do que está no parecer, “apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce”. Mas não vou ficar discutindo com o presidente. Nossas decisões são técnicas. Elas refletem a conduta dos mais de 530 mil médicos que existem no País. Como podem pensar que vamos levar em conta a posição política de alguém, mesmo sendo o presidente da República, o ministro? Isso não existe aqui no CFM. É impossível acontecer isso. Eu fui o relator do parecer. Ele foi discutido detalhadamente, ponto a ponto, e votado pelos 28 conselheiros. Não tem como, numa decisão colegiada, ter essa influência política. Agora, o que está acontecendo hoje no Brasil é que não podemos questionar nada que somos colocados como negacionistas, como terraplanistas. Isso está errado, temos que discutir as coisas. Estamos diante de uma doença desconhecida, não podemos ter um assunto proibido. Por que se politiza tanto o tratamento no Brasil? Estive há pouco tempo em Portugal, os colegas contaram que a oposição apoiou as diretrizes do ministério, não houve essa politização.

Sim, mas qual era a diretriz do ministério da Saúde de Portugal sobre tratamento precoce?

Não sei qual é o posicionamento do ministério português. (De acordo com o site do Ministério da Saúde de Portugal, o tratamento é dirigido apenas aos sinais e sintomas, e não há recomendações de drogas específicas).

Falando então sobre a autonomia do médico. Onde termina a autonomia médica e começa a imprudência? Não há limites para a autonomia médica?

A medicina hipocrática tem dois pilares: o sigilo médico e a autonomia do médico. Em qualquer instância, estamos defendendo um dos pilares milenares da medicina hipocrática. O médico pode fazer tudo? Óbvio que não. A autonomia médica tem limite? Lógico que tem. Tem limite na lei e na ética. O que é ilegal está fora. O que é antiético está fora. Dentro desse limite, ele pode fazer o que julgar mais adequado para o tratamento.

De acordo com o código de ética do médico, o profissional está livre para escolher o tratamento mais adequado dentre “os meios cientificamente reconhecidos”, o que não é o caso do chamado kit covid...

Sim, mas para as doenças para as quais existem tratamentos. Não é o caso da covid, que é uma doença que não tem tratamento. Esse é o ponto. A covid é uma doença terrível, altamente transmissível, que sequela, mata e para a qual não há tratamento reconhecido. Por isso, é possível usar uma droga reposicionada. O dia em que houver um remédio específico, não será mais assim.

Um executivo da Prevent Senior admitiu à CPI ao vivo, para todo o País, que houve alteração em prontuários médicos e até em atestados de óbitos de pacientes que morreram por covid-19. Como o CFM se posiciona sobre isso?

Não tenho como me posicionar. O Conselho Regional de Medicina de São Paulo está investigando o caso. Posso dizer que todos os denunciados terão ampla defesa e essa sindicância será arquivada ou transformada em processo ético-profissional. Neste caso, serão absolvidos ou condenados. Se forem condenados, podem recorrer à segunda instância, que é o CFM. Então não posso me posicionar com antecedência. A única coisa que posso falar é que, no Brasil, todos têm direito à ampla defesa e ao contraditório.

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