Enviada de última hora para cobrir uma reunião internacional em Washington, cheguei lá sem credencial, logo nos EUA, com aquela obsessão de segurança, e não conseguia entrar. Chamaram o manda-chuva, um americano, que me perguntou de chofre: “Quem é Clóvis Rossi?”.
Dei a ficha toda, o cara abriu um grande sorriso e me liberou sem restrições. O Rossi foi a minha credencial. O episódio resume três características do Rossi: um jornalista conhecido e respeitado internacionalmente, um eterno repórter sempre à caça de notícias e um colega de enorme generosidade. Era a estrela de grandes coberturas ao redor do mundo, mas com uma capacidade de trabalho gigantesca, uma paciência e uma humildade que o tornaram um ídolo de gerações de jornalistas.
Seu texto era fluido, direto, objetivo, não raro áspero. Sua crítica, mordaz e implacável. Sua ironia, sarcástica. Amigo dos amigos, mas duro com os poderosos, ele circulava seu, sei lá, 1m90?, pelos governos, partidos e ideologias como se fosse um atleta leve e ágil. Todos temiam sua pena, mas todos o respeitavam.
A competência não tinha limites. Craque em Davos, com os grandes do capital, era também sensível e detalhista no enterro do ex-senador, governador e prefeito Mário Covas, em Santos. Tinha no currículo grandes coberturas, da Revolução dos Cravos, em Portugal, às Diretas Já em solo tupiniquim, quando ele e seu parceiro e compadre Ricardo Kotscho marcaram época. Foi no Estado, porém, que Clóvis Rossi virou Clóvis Rossi, uma lenda. Repórter de Esportes, logo foi alçado a editor da área e, num desses incêndios históricos de São Paulo, do edifício Joelma ou do Andraus, na década de 1970, foi encarregado de coordenar a cobertura. O Estado deu um banho, a redação explodiu de orgulho e isso alavancou sua promoção a editor-chefe do jornal.
Era o primeiro a despencar na redação, mesmo aos sábados, e quando os editores, repórteres, fotógrafos e diagramadores iam chegando, já encontravam tudo pronto, organizado. Era um monstro para trabalhar. Pensava rápido, agia rápido e era um ás para escrever, fosse nas velhas máquinas Olivetti e Remington, no pré-histórico Telex ou no computador. E um exemplo para os subordinados.
Além de tudo isso, Rossi era um querido amigo, desses que a gente passa anos sem ver e, quando vê, troca aquele abraço demorado, gostoso. Eu o chamava, até em textos, de “grandalhão”. Um gigante como jornalista, pessoa e amigo. Uma perda inestimável e doída para todos nós.