Uma atualização feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta para número de ações por improbidade administrativa maior em 2022 que no ano passado e menores que nos anos que antecederam a mudança na lei feita pelo Congresso Nacional, em 2021.
Em 2023, segundo o CNJ, os Tribunais de Justiça e a Justiça Federal receberam cerca de 11 mil ações de improbidade, enquanto, em 2022, o número registrado foi de pouco mais de 12,5 mil casos. Em 2020 e 2021, antes das mudanças na legislação, foram 18 mil e quase 19,9 mil, respectivamente, processos em primeira instância. Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, dificilmente os números subirão.
Anteriormente, o Estadão havia informado que os números de 2023 estavam maiores que 2022, conforme os dados do CNJ apontavam no momento do levantamento. No entanto, houve uma atualização de dados feita pelo conselho posteriormente, e que incluiu dados represados de dois anos atrás. “O Datajud, que é a nossa base de dados e traz as informações por tribunal e assunto a respeito dos processos que tramitam no país, passa por permanente processo de aperfeiçoamento e saneamento. Foi exatamente isso que aconteceu em relação aos dados de 2022″, afirmou o CNJ, em nota..
A lei de improbidade apura enriquecimento ilícito, dano ao erário e violação dos princípios administrativos em todas as esferas de poder. Especialistas ouvidos pelo Estadão dizem acreditar que, apesar da alta entre 2022 e 2023, os próximos anos serão de quedas. Um juiz estadual disse, por exemplo, que apesar de o Ministério Público mover ações, os julgamentos procedentes também apresentaram quedas bruscas.
O principal fator está no dolo em agir. Anteriormente, por exemplo, um prefeito era acionado na Justiça por uma gestão ruim que causasse dano ao erário. Agora, esse político será levado à Justiça apenas se a Promotoria comprovar que a administração ruim foi proposital.
O artigo 9º da lei diz que “constitui ato de improbidade administrativa, importando em enriquecimento ilícito, auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta lei”.
Anteriormente, no entanto, o trecho dizia que “constitui ato de improbidade administrativa, importando enriquecimento ilícito, auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei”.
O artigo 10, que versa sobre lesão ao erário, também foi modificado, e retirou do caput a palavra “culposa”. “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º”.
Já o artigo 11 da lei, depois das modificações, incluir a palavra “dolosa” para atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública. “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade”.
Promotora diz acreditar que situação será de piora
Atingidos diretamente com a mudança da lei de improbidade, promotores de Justiça de todo Brasil se queixaram e ainda apresentam reclamações sobre a mudança da lei. Ao Estadão, a promotora Rita Tourinho, do Ministério Público da Bahia (MP-BA), chama atenção para questões envolvendo a má gestão do administrador público que, a depender da situação, pode não ser punido por problemas encontrados durante sua administração. De acordo com ela, apesar do esforço do MP, dificilmente o volume de ações continuará crescendo.
“Primeiro, a gente tem que partir de que houve uma alteração do que era improbidade administrativa e do que é hoje improbidade administrativa. Ou seja, ao mudar a lei houve uma mudança conceitual. Por exemplo, a má gestão feita de forma irresponsável pelo agente público, chamado de erro grosseiro, quando os casos gerassem prejuízo ao patrimônio público já caracterizariam improbidade. Hoje não. Hoje, a lei exige a presença do dolo, que é a necessidade que se demonstre a efetiva vontade de ter gerado o prejuízo, violado o princípio”, disse.
Um dos motivos para diminuição no número de ações de improbidade - no comparativo do período atual com ao anterior na mudança da lei -, segundo a promotora, é a necessidade de maior investigação por parte do Ministério Público até que tenha elementos que comprovem o dolo.
“Então, quando se muda conceitualmente, obviamente tem impacto no número de ações, até mesmo que você terá apurações mais demoradas. Um erro crasso era facilmente identificado que levava ao prejuízo ao erário. Só que esse erro, hoje, não caracteriza mais improbidade, porque vai necessitar de uma prova de um dolo, ou seja, vontade livre e consciente do agente de ter praticado aquela infração. Só daí, só dessa mudança de conceito vai levar a uma mudança na forma investigativa, porque em provas de intenção requer elemento probatório maior, o que leva tempo maior de investigação”, afirmou.
Na avaliação da promotora, as mudanças na lei de improbidade realizadas por deputados e senadores tiveram intenção política. “Infelizmente houve vontade política nesse sentido. Se vai ser bom ou ruim, o tempo dirá. Acredito que teremos algumas situações de piora, sim. Costumo dizer que o desonesto não muda comportamento em razão da lei, ele vai se adequar a ela para continuar fazendo errado. O que temos no serviço público, que gera profundo dano, é aquela pessoa que não tem compromisso com patrimônio público, que age de ‘qualquer forma’. Nesse viés, a lei de improbidade vinha sendo importante, porque dizia o seguinte: ‘Olha, servidor, você não pode agir de qualquer forma, não. Se você gerar um prejuízo e ficar claro que você foi desligado, você vai responder por improbidade’”, argumentou a promotora.
Penas para improbidade também foram modificadas
A nova legislação para improbidade administrativa também modificou as penas para o agente público condenado pela Justiça. Para enriquecimento ilícito, por exemplo, havia previsão de suspensão dos direitos políticos por, no mínimo, oito anos e, no máximo, dez anos. Agora, a Justiça pode suspender os direitos políticos de um agente público por até 14 anos. Ou seja, um (a) juiz (a) pode aplicar, por exemplo, a suspensão por um ano.
Para aquele condenado por prejuízo ao erário, há entendimento na nova redação da lei para aplicação de um multa civil equivalente ao valor do dano causado. Anteriormente, a legislação previa “multa civil de até duas vezes o valor do ano”.
No caso de infração ao artigo 11, violação aos princípios, a suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos foi retirada da lei. A multa imposta também diminuiu. Antes, cem vezes o valor da remuneração do agente condenado. Agora, multa de até 24 vezes o valor salarial.
Advogado classifica mudanças como salutares
Mestre em direito administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o advogado Camillo Giamundo trabalha há 15 anos com ações envolvendo acusados de improbidade administrativa. De acordo com ele, “o que houve foi muita especulação e espetacularização por parte de uma suposta mudança que daria sensação de impunidade”. Ele afirma ter visto pessoas inocentes virarem alvo de ações de improbidade.
“A alteração da nova lei mudou o conceito da modalidade culposa para dolosa. A improbidade é o ato ilícito dotado de desonestidade na intenção do agente em causar o dano. E ninguém é desonesto sem querer. Digamos que um agente tenha causada dano ao erário, mas não foi comprovado o dolo. Existem meios de recuperar o prejuízo sem que implique numa improbidade administrativa. Agora, se você verifica que ele teve intenção, aí sim é ato de improbidade”, disse o advogado.
Giamundo afirmou ainda que “a lei trouxe esse novo marco na improbidade. Até 2021, majoritariamente o Ministério Público ingressava sem averiguar se houve o dolo. Não todo o Ministério Público, mas alguns promotores tocavam as investigações de maneira simplória. Entendo que a lei é salutar em relação a segurança jurídica. Ao mesmo tempo coloca o Ministério Público na parede para dizer o seguinte: ‘agora vocês têm que investigar bem investigado, ir atrás de todas as provas, houve o dolo para a ação ser mais robusta’”.