Roseann Kennedy traz os bastidores da política e da economia

Delator do PCC ‘jogou pôquer’ com o crime organizado, errou na aposta e foi morto, diz procurador


Autor de livros como Laços de sangue: A história secreta do PCC e Por dentro do crime: Corrupção, Tráfico, PCC, Marcio Sergio Christino

Por Roseann Kennedy e Iander Porcella

Manipulador por excelência, com uma miríade de crimes, o delator do Primeiro Comando da Capital (PCC) assassinado no Aeroporto de Guarulhos, Antonio Vinicius Lopes Gritzbach, escolheu um caminho perigoso: “jogou pôquer” com os criminosos, mas errou a mão e terminou executado. A analogia é feita pelo procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo Marcio Sergio Christino, autor de livros como Laços de sangue: A história secreta do PCC e Por dentro do crime: Corrupção, Tráfico, PCC.

Para o promotor, o maior erro do delator foi acreditar que podia enganar todos e confiar demais na sua estratégia. “Vinícius não sSupôs que pudessem chegar até ele. E efetivamente foi o que aconteceu”, ressalta em entrevista à Coluna do Estadão. Marcio Christino diz que o empresário lançou mão de várias jogadas. Ao atuar na lavagem de dinheiro do PCC, desviou parte dos montantes para si mesmo - teria sumido com R$100 milhões, segundo a polícia. Depois foi acusado de mandar matar o traficante do qual teria pegado o dinheiro, Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta. Ao mesmo tempo, ele se envolve com a polícia, e acusa justamente os policiais que o identificaram como mandante desse homicídio. “Ou seja, ele vai manipulando e atuando em várias frentes. Por isso é um jogo, ele vai querendo ganhos em cada ação”, conclui.

Nesta entrevista, Christino se mostra otimista com a força-tarefa criada pelo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, para investigar o assassinato do delator. Na visão do especialista, os esforços para desvendar o crime estão apenas no começo. Ele também refuta comparações com a investigação da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), cujo caso foi federalizado, e diz haver instrumentos para resolver o caso de Gritzbach no Estado de São Paulo, já que ele tinha conexões com o crime organizado e deixou rastros.

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Na avaliação do procurador, apesar do grave episódio de um assassinato à luz do dia em um movimentado aeroporto, e da expansão do crime organizado pelo País, não há risco de o PCC assumir o lugar do poder público no Brasil. “Há uma diferença muito grande com a Itália, por exemplo, porque a Cosa Nostra surgiu junto com o Estado italiano. A máfia italiana já existia quando Deodoro da Fonseca estava proclamando a República (no Brasil), o bizavô do Marcola (do PCC) nem tinha nascido e a máfia já matava”, avalia.

Mas Marcio Christino ressalta que é preciso reavaliar a forma de enfrentar o crime organizado no País e considera que o Brasil “tem um tratamento esquizofrênico em relação ao tráfico”. Sem entrar no mérito se o consumo de droga deve ser liberalizado ou não no País, ele defende a necessidade de reordenar a legislação. “Você permite que a pessoa tenha uma porção de droga, então tem que decidir quem poderá vender. Em todos os países no mundo onde se flexibilizou o uso da droga, sempre se fixou um organismo, uma loja, uma farmácia, uma empresa que vende. É preciso reordenar isso”, conclui.

Márcio Sérgio Christino, procurador de Justiça Criminal  Foto: Estadão
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Confira os principais trechos da entrevista

Sobre este crime de Guarulhos, quais perguntas precisam ser feitas neste momento?

O grande problema é que o Vinícius Gritzbach estava envolvido em uma miríade de transações criminosas. Ele não estava envolvido apenas com o PCC. Tinha lavagem de dinheiro, falsificação, lavagem com compra de imagem. E nesse contexto, obviamente, vários interesses e pessoas contrariadas. Muita gente tinha interesse em sua morte. Vamos lembrar que ele não quis uma proteção maior. Justamente porque continuava na sua atividade criminosa. Tanto que ele volta do Nordeste com um milhão de reais em joias, numa situação completamente não esclarecida. Então as grandes questões são até que ponto o que ele falava era manipulação com a intenção de se beneficiar ou era algo com a amplitude que ele dizia ter.

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O senhor escreveu um artigo no qual fala que Vinícius jogou pôquer com o PCC e perdeu a mão. Pode explicar sua comparação?

É porque ele passou a interagir com várias esferas. A primeira, e talvez a mais tensa, era com a lavagem de dinheiro do tráfico, que é o dinheiro do PCC. O grande problema é que ele acabou desviando grande parte desse dinheiro para ele. Quem desviar dinheiro de traficante vai ser cobrado. Ele estava sendo cobrado. E qual foi sua reação? Foi uma coisa inédita. Vinícius é acusado de mandar matar o traficante do qual tinha pegado dinheiro. Ou seja, uma aposta. Ao mesmo tempo, ele se envolve com a polícia, e acusa justamente os policiais que o identificaram como mandante desse homicídio. Nesse contexto todo ele faz a delação premiada, que atingiria a lavagem de dinheiro e o tráfico, mas não o homicídio. Então ele tenta desconstituir as provas através dessa delação. Ou seja, ele vai manipulando e atuando em várias frentes ao mesmo tempo. Por isso é um jogo, ele vai querendo ganhos em cada ação. Mas chega num determinado momento que essa estratégia não dá certo e ele é executado.

Qual foi a jogada mais errada dele?

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O erro dele foi acreditar que podia enganar todos, todo tempo. Ele queria ganhar em todos os momentos e de todas as formas, e confiou demais na sua estratégia. Vinícius não supôs que pudessem chegar até ele. E efetivamente foi o que aconteceu.

O que precisa ser revisto em relação ao serviço de inteligência e de enfrentamento ao PCC?

O que o Brasil tem que decidir é o que vai fazer em relação ao tráfico de drogas. O PCC é tráfico. O Brasil tem um tratamento esquizofrênico em relação ao tráfico. Ora aumenta a pena, depois põe critério para diminuir. Ora facilita o consumo, ora não. Essas ações pontuais são executadas porque prejudicam os negócios. Mas o exercício da ação criminosa não é o assassinato. O que eles querem é traficar. Então se quer atacar esse nicho do crime organizado é preciso atacar o tráfico, porque é a fonte de renda, tudo gira em torno disso. Agora tem que decidir o que quer fazer. Aí diz “você pode portar a maconha”. Pode portar, mas quem pode vender? O Brasil precisa reordenar esse pensamento para chegar a uma conclusão, senão tudo que for feito será paliativo.

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Qual é o principal ponto que causa essa esquizofrenia que o senhor cita?

Hoje o tráfico é uma empresa. Quem trabalha no tráfico é um empregado, não é um autônomo. Há zonas definidas. Se uma pessoa é presa, eles colocam outro no lugar. Então não tem essa história de que traficou pouquinho. O tráfico não é uma atividade individual, é empresarial e tem de ser entendido como tal. Então é preciso desenvolver uma nova forma de repressão para que se possa ter um resultado.

É necessária nova legislação do seu ponto de vista?

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Sim. Porque me parece muito claro que do jeito que está não funciona. Ela não resolve o problema e, muito pelo contrário, cria uma zona cinzenta onde você fica sem parâmetro para tomar decisões corretas. A questão é muito simples. Se você vai permitir que uma pessoa tenha uma porção de droga, tem que decidir ou informar quem poderá vender. Porque não existe compra sem venda. Não dá para dissociar essas duas ações. Em todos os países no mundo onde se flexibilizou o uso da droga, sempre se fixou um organismo, uma loja, uma farmácia, uma empresa que vende. Agora permitir que as pessoas tenham essas porções que só o traficante vende, você vai ter uma demanda. Não estou nem questionando que deve ser legalizada ou não. Só estou dizendo que a forma tem de ser feita de modo correta. O tráfico nunca vai acabar, é fato. Mas você pode reduzi-lo.

Voltando ao crime de Guarulhos, esse caso fragiliza de alguma forma o instrumento da delação?

Os Estados Unidos são o País mais bem sucedido no combate ao crime organizado no mundo, especialmente contra as máfias. O grande núcleo do avanço americano foi o mecanismo das delações premiadas. O mecanismo mais poderoso de enfrentamento ao crime organizado até hoje. Vou dar um exemplo que é definitivo. Vamos lembrar de Tommaso Buscetta que fez a delação contra a máfia e acabou gerando o maxi-processo na Itália. Então é usado no mundo inteiro e não é no Brasil que vai se mostrar incapaz. E há uma forma de abordar a delação que é sempre a seguinte: ouvir você ouve sempre, acreditar nem tanto. A delação é meio de prova. Não basta delatar. Tem de fazer a confirmação através de outros dados. Então eu duvido que esse instituto da delação sofra arranhões.

O que levaria esse caso de Guarulhos a ser uma situação de federalização? Dá para traçar um paralelo com o caso Marielle Franco?

Eu acho que são situações completamente diferentes. Ela era uma vereadora, uma pessoa conhecida, com um histórico. O Vinícius era um criminoso, mandante de homicídio, falsário, traficante. Então já começa de uma maneira completamente diferente. Existe uma experiência com relação (a esse tipo de caso). Ademais, ele deixou delação premiada, vestígios, provas. São circunstâncias que diferem completamente.

O que se questiona é o fato de haver suspeitas contra pessoas da própria polícia?

Isso é uma análise que precisa ser feita. Se você tem um policial envolvido não significa necessariamente que você seja incapaz. Até porque você tem outros organismos como o próprio Ministério Público que vai fazer isso também. Agora, se ficar cinco, seis, dez anos e não conseguir nada, se a investigação fracassar, é possível pensar numa federalização. A execução foi feita há poucos dias. É uma investigação muito complexa. Não pode de antemão concluir que a investigação não vai ser positiva. Tenho absoluta confiança de que serão capazes de chegar ao término com sucesso.

O PCC é uma ameaça de tomar o poder público no Estado?

Não tem. Se você for comparar o PCC com a máfia Cosa Nostra a diferença é muito grande. Porque a Cosa Nostra surgiu junto com o Estado italiano. A máfia italiana já existia quando Deodoro da Fonseca estava proclamando a República. O bisavô do Marcola ainda nem tinha nascido, e a máfia já matava na Sicília. É diferente. O Estado brasileiro já está constituído. O PCC não pode crescer para tomar esse Estado. O Brasil não tem Farc, não tem Pablo Escobar. Outro exemplo El Chapo no México, onde a polícia mexicana confronta o sindicato de igual para igual, com a mesma força e isso você não tem e não vai ter no Brasil. Isso significa que o crime organizado não é uma ameaça? Não! Isso significa que é uma ameaça. Ele corrompe. Só não pode substituir o Estado.

Manipulador por excelência, com uma miríade de crimes, o delator do Primeiro Comando da Capital (PCC) assassinado no Aeroporto de Guarulhos, Antonio Vinicius Lopes Gritzbach, escolheu um caminho perigoso: “jogou pôquer” com os criminosos, mas errou a mão e terminou executado. A analogia é feita pelo procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo Marcio Sergio Christino, autor de livros como Laços de sangue: A história secreta do PCC e Por dentro do crime: Corrupção, Tráfico, PCC.

Para o promotor, o maior erro do delator foi acreditar que podia enganar todos e confiar demais na sua estratégia. “Vinícius não sSupôs que pudessem chegar até ele. E efetivamente foi o que aconteceu”, ressalta em entrevista à Coluna do Estadão. Marcio Christino diz que o empresário lançou mão de várias jogadas. Ao atuar na lavagem de dinheiro do PCC, desviou parte dos montantes para si mesmo - teria sumido com R$100 milhões, segundo a polícia. Depois foi acusado de mandar matar o traficante do qual teria pegado o dinheiro, Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta. Ao mesmo tempo, ele se envolve com a polícia, e acusa justamente os policiais que o identificaram como mandante desse homicídio. “Ou seja, ele vai manipulando e atuando em várias frentes. Por isso é um jogo, ele vai querendo ganhos em cada ação”, conclui.

Nesta entrevista, Christino se mostra otimista com a força-tarefa criada pelo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, para investigar o assassinato do delator. Na visão do especialista, os esforços para desvendar o crime estão apenas no começo. Ele também refuta comparações com a investigação da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), cujo caso foi federalizado, e diz haver instrumentos para resolver o caso de Gritzbach no Estado de São Paulo, já que ele tinha conexões com o crime organizado e deixou rastros.

Na avaliação do procurador, apesar do grave episódio de um assassinato à luz do dia em um movimentado aeroporto, e da expansão do crime organizado pelo País, não há risco de o PCC assumir o lugar do poder público no Brasil. “Há uma diferença muito grande com a Itália, por exemplo, porque a Cosa Nostra surgiu junto com o Estado italiano. A máfia italiana já existia quando Deodoro da Fonseca estava proclamando a República (no Brasil), o bizavô do Marcola (do PCC) nem tinha nascido e a máfia já matava”, avalia.

Mas Marcio Christino ressalta que é preciso reavaliar a forma de enfrentar o crime organizado no País e considera que o Brasil “tem um tratamento esquizofrênico em relação ao tráfico”. Sem entrar no mérito se o consumo de droga deve ser liberalizado ou não no País, ele defende a necessidade de reordenar a legislação. “Você permite que a pessoa tenha uma porção de droga, então tem que decidir quem poderá vender. Em todos os países no mundo onde se flexibilizou o uso da droga, sempre se fixou um organismo, uma loja, uma farmácia, uma empresa que vende. É preciso reordenar isso”, conclui.

Márcio Sérgio Christino, procurador de Justiça Criminal  Foto: Estadão

Confira os principais trechos da entrevista

Sobre este crime de Guarulhos, quais perguntas precisam ser feitas neste momento?

O grande problema é que o Vinícius Gritzbach estava envolvido em uma miríade de transações criminosas. Ele não estava envolvido apenas com o PCC. Tinha lavagem de dinheiro, falsificação, lavagem com compra de imagem. E nesse contexto, obviamente, vários interesses e pessoas contrariadas. Muita gente tinha interesse em sua morte. Vamos lembrar que ele não quis uma proteção maior. Justamente porque continuava na sua atividade criminosa. Tanto que ele volta do Nordeste com um milhão de reais em joias, numa situação completamente não esclarecida. Então as grandes questões são até que ponto o que ele falava era manipulação com a intenção de se beneficiar ou era algo com a amplitude que ele dizia ter.

O senhor escreveu um artigo no qual fala que Vinícius jogou pôquer com o PCC e perdeu a mão. Pode explicar sua comparação?

É porque ele passou a interagir com várias esferas. A primeira, e talvez a mais tensa, era com a lavagem de dinheiro do tráfico, que é o dinheiro do PCC. O grande problema é que ele acabou desviando grande parte desse dinheiro para ele. Quem desviar dinheiro de traficante vai ser cobrado. Ele estava sendo cobrado. E qual foi sua reação? Foi uma coisa inédita. Vinícius é acusado de mandar matar o traficante do qual tinha pegado dinheiro. Ou seja, uma aposta. Ao mesmo tempo, ele se envolve com a polícia, e acusa justamente os policiais que o identificaram como mandante desse homicídio. Nesse contexto todo ele faz a delação premiada, que atingiria a lavagem de dinheiro e o tráfico, mas não o homicídio. Então ele tenta desconstituir as provas através dessa delação. Ou seja, ele vai manipulando e atuando em várias frentes ao mesmo tempo. Por isso é um jogo, ele vai querendo ganhos em cada ação. Mas chega num determinado momento que essa estratégia não dá certo e ele é executado.

Qual foi a jogada mais errada dele?

O erro dele foi acreditar que podia enganar todos, todo tempo. Ele queria ganhar em todos os momentos e de todas as formas, e confiou demais na sua estratégia. Vinícius não supôs que pudessem chegar até ele. E efetivamente foi o que aconteceu.

O que precisa ser revisto em relação ao serviço de inteligência e de enfrentamento ao PCC?

O que o Brasil tem que decidir é o que vai fazer em relação ao tráfico de drogas. O PCC é tráfico. O Brasil tem um tratamento esquizofrênico em relação ao tráfico. Ora aumenta a pena, depois põe critério para diminuir. Ora facilita o consumo, ora não. Essas ações pontuais são executadas porque prejudicam os negócios. Mas o exercício da ação criminosa não é o assassinato. O que eles querem é traficar. Então se quer atacar esse nicho do crime organizado é preciso atacar o tráfico, porque é a fonte de renda, tudo gira em torno disso. Agora tem que decidir o que quer fazer. Aí diz “você pode portar a maconha”. Pode portar, mas quem pode vender? O Brasil precisa reordenar esse pensamento para chegar a uma conclusão, senão tudo que for feito será paliativo.

Qual é o principal ponto que causa essa esquizofrenia que o senhor cita?

Hoje o tráfico é uma empresa. Quem trabalha no tráfico é um empregado, não é um autônomo. Há zonas definidas. Se uma pessoa é presa, eles colocam outro no lugar. Então não tem essa história de que traficou pouquinho. O tráfico não é uma atividade individual, é empresarial e tem de ser entendido como tal. Então é preciso desenvolver uma nova forma de repressão para que se possa ter um resultado.

É necessária nova legislação do seu ponto de vista?

Sim. Porque me parece muito claro que do jeito que está não funciona. Ela não resolve o problema e, muito pelo contrário, cria uma zona cinzenta onde você fica sem parâmetro para tomar decisões corretas. A questão é muito simples. Se você vai permitir que uma pessoa tenha uma porção de droga, tem que decidir ou informar quem poderá vender. Porque não existe compra sem venda. Não dá para dissociar essas duas ações. Em todos os países no mundo onde se flexibilizou o uso da droga, sempre se fixou um organismo, uma loja, uma farmácia, uma empresa que vende. Agora permitir que as pessoas tenham essas porções que só o traficante vende, você vai ter uma demanda. Não estou nem questionando que deve ser legalizada ou não. Só estou dizendo que a forma tem de ser feita de modo correta. O tráfico nunca vai acabar, é fato. Mas você pode reduzi-lo.

Voltando ao crime de Guarulhos, esse caso fragiliza de alguma forma o instrumento da delação?

Os Estados Unidos são o País mais bem sucedido no combate ao crime organizado no mundo, especialmente contra as máfias. O grande núcleo do avanço americano foi o mecanismo das delações premiadas. O mecanismo mais poderoso de enfrentamento ao crime organizado até hoje. Vou dar um exemplo que é definitivo. Vamos lembrar de Tommaso Buscetta que fez a delação contra a máfia e acabou gerando o maxi-processo na Itália. Então é usado no mundo inteiro e não é no Brasil que vai se mostrar incapaz. E há uma forma de abordar a delação que é sempre a seguinte: ouvir você ouve sempre, acreditar nem tanto. A delação é meio de prova. Não basta delatar. Tem de fazer a confirmação através de outros dados. Então eu duvido que esse instituto da delação sofra arranhões.

O que levaria esse caso de Guarulhos a ser uma situação de federalização? Dá para traçar um paralelo com o caso Marielle Franco?

Eu acho que são situações completamente diferentes. Ela era uma vereadora, uma pessoa conhecida, com um histórico. O Vinícius era um criminoso, mandante de homicídio, falsário, traficante. Então já começa de uma maneira completamente diferente. Existe uma experiência com relação (a esse tipo de caso). Ademais, ele deixou delação premiada, vestígios, provas. São circunstâncias que diferem completamente.

O que se questiona é o fato de haver suspeitas contra pessoas da própria polícia?

Isso é uma análise que precisa ser feita. Se você tem um policial envolvido não significa necessariamente que você seja incapaz. Até porque você tem outros organismos como o próprio Ministério Público que vai fazer isso também. Agora, se ficar cinco, seis, dez anos e não conseguir nada, se a investigação fracassar, é possível pensar numa federalização. A execução foi feita há poucos dias. É uma investigação muito complexa. Não pode de antemão concluir que a investigação não vai ser positiva. Tenho absoluta confiança de que serão capazes de chegar ao término com sucesso.

O PCC é uma ameaça de tomar o poder público no Estado?

Não tem. Se você for comparar o PCC com a máfia Cosa Nostra a diferença é muito grande. Porque a Cosa Nostra surgiu junto com o Estado italiano. A máfia italiana já existia quando Deodoro da Fonseca estava proclamando a República. O bisavô do Marcola ainda nem tinha nascido, e a máfia já matava na Sicília. É diferente. O Estado brasileiro já está constituído. O PCC não pode crescer para tomar esse Estado. O Brasil não tem Farc, não tem Pablo Escobar. Outro exemplo El Chapo no México, onde a polícia mexicana confronta o sindicato de igual para igual, com a mesma força e isso você não tem e não vai ter no Brasil. Isso significa que o crime organizado não é uma ameaça? Não! Isso significa que é uma ameaça. Ele corrompe. Só não pode substituir o Estado.

Manipulador por excelência, com uma miríade de crimes, o delator do Primeiro Comando da Capital (PCC) assassinado no Aeroporto de Guarulhos, Antonio Vinicius Lopes Gritzbach, escolheu um caminho perigoso: “jogou pôquer” com os criminosos, mas errou a mão e terminou executado. A analogia é feita pelo procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo Marcio Sergio Christino, autor de livros como Laços de sangue: A história secreta do PCC e Por dentro do crime: Corrupção, Tráfico, PCC.

Para o promotor, o maior erro do delator foi acreditar que podia enganar todos e confiar demais na sua estratégia. “Vinícius não sSupôs que pudessem chegar até ele. E efetivamente foi o que aconteceu”, ressalta em entrevista à Coluna do Estadão. Marcio Christino diz que o empresário lançou mão de várias jogadas. Ao atuar na lavagem de dinheiro do PCC, desviou parte dos montantes para si mesmo - teria sumido com R$100 milhões, segundo a polícia. Depois foi acusado de mandar matar o traficante do qual teria pegado o dinheiro, Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta. Ao mesmo tempo, ele se envolve com a polícia, e acusa justamente os policiais que o identificaram como mandante desse homicídio. “Ou seja, ele vai manipulando e atuando em várias frentes. Por isso é um jogo, ele vai querendo ganhos em cada ação”, conclui.

Nesta entrevista, Christino se mostra otimista com a força-tarefa criada pelo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, para investigar o assassinato do delator. Na visão do especialista, os esforços para desvendar o crime estão apenas no começo. Ele também refuta comparações com a investigação da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), cujo caso foi federalizado, e diz haver instrumentos para resolver o caso de Gritzbach no Estado de São Paulo, já que ele tinha conexões com o crime organizado e deixou rastros.

Na avaliação do procurador, apesar do grave episódio de um assassinato à luz do dia em um movimentado aeroporto, e da expansão do crime organizado pelo País, não há risco de o PCC assumir o lugar do poder público no Brasil. “Há uma diferença muito grande com a Itália, por exemplo, porque a Cosa Nostra surgiu junto com o Estado italiano. A máfia italiana já existia quando Deodoro da Fonseca estava proclamando a República (no Brasil), o bizavô do Marcola (do PCC) nem tinha nascido e a máfia já matava”, avalia.

Mas Marcio Christino ressalta que é preciso reavaliar a forma de enfrentar o crime organizado no País e considera que o Brasil “tem um tratamento esquizofrênico em relação ao tráfico”. Sem entrar no mérito se o consumo de droga deve ser liberalizado ou não no País, ele defende a necessidade de reordenar a legislação. “Você permite que a pessoa tenha uma porção de droga, então tem que decidir quem poderá vender. Em todos os países no mundo onde se flexibilizou o uso da droga, sempre se fixou um organismo, uma loja, uma farmácia, uma empresa que vende. É preciso reordenar isso”, conclui.

Márcio Sérgio Christino, procurador de Justiça Criminal  Foto: Estadão

Confira os principais trechos da entrevista

Sobre este crime de Guarulhos, quais perguntas precisam ser feitas neste momento?

O grande problema é que o Vinícius Gritzbach estava envolvido em uma miríade de transações criminosas. Ele não estava envolvido apenas com o PCC. Tinha lavagem de dinheiro, falsificação, lavagem com compra de imagem. E nesse contexto, obviamente, vários interesses e pessoas contrariadas. Muita gente tinha interesse em sua morte. Vamos lembrar que ele não quis uma proteção maior. Justamente porque continuava na sua atividade criminosa. Tanto que ele volta do Nordeste com um milhão de reais em joias, numa situação completamente não esclarecida. Então as grandes questões são até que ponto o que ele falava era manipulação com a intenção de se beneficiar ou era algo com a amplitude que ele dizia ter.

O senhor escreveu um artigo no qual fala que Vinícius jogou pôquer com o PCC e perdeu a mão. Pode explicar sua comparação?

É porque ele passou a interagir com várias esferas. A primeira, e talvez a mais tensa, era com a lavagem de dinheiro do tráfico, que é o dinheiro do PCC. O grande problema é que ele acabou desviando grande parte desse dinheiro para ele. Quem desviar dinheiro de traficante vai ser cobrado. Ele estava sendo cobrado. E qual foi sua reação? Foi uma coisa inédita. Vinícius é acusado de mandar matar o traficante do qual tinha pegado dinheiro. Ou seja, uma aposta. Ao mesmo tempo, ele se envolve com a polícia, e acusa justamente os policiais que o identificaram como mandante desse homicídio. Nesse contexto todo ele faz a delação premiada, que atingiria a lavagem de dinheiro e o tráfico, mas não o homicídio. Então ele tenta desconstituir as provas através dessa delação. Ou seja, ele vai manipulando e atuando em várias frentes ao mesmo tempo. Por isso é um jogo, ele vai querendo ganhos em cada ação. Mas chega num determinado momento que essa estratégia não dá certo e ele é executado.

Qual foi a jogada mais errada dele?

O erro dele foi acreditar que podia enganar todos, todo tempo. Ele queria ganhar em todos os momentos e de todas as formas, e confiou demais na sua estratégia. Vinícius não supôs que pudessem chegar até ele. E efetivamente foi o que aconteceu.

O que precisa ser revisto em relação ao serviço de inteligência e de enfrentamento ao PCC?

O que o Brasil tem que decidir é o que vai fazer em relação ao tráfico de drogas. O PCC é tráfico. O Brasil tem um tratamento esquizofrênico em relação ao tráfico. Ora aumenta a pena, depois põe critério para diminuir. Ora facilita o consumo, ora não. Essas ações pontuais são executadas porque prejudicam os negócios. Mas o exercício da ação criminosa não é o assassinato. O que eles querem é traficar. Então se quer atacar esse nicho do crime organizado é preciso atacar o tráfico, porque é a fonte de renda, tudo gira em torno disso. Agora tem que decidir o que quer fazer. Aí diz “você pode portar a maconha”. Pode portar, mas quem pode vender? O Brasil precisa reordenar esse pensamento para chegar a uma conclusão, senão tudo que for feito será paliativo.

Qual é o principal ponto que causa essa esquizofrenia que o senhor cita?

Hoje o tráfico é uma empresa. Quem trabalha no tráfico é um empregado, não é um autônomo. Há zonas definidas. Se uma pessoa é presa, eles colocam outro no lugar. Então não tem essa história de que traficou pouquinho. O tráfico não é uma atividade individual, é empresarial e tem de ser entendido como tal. Então é preciso desenvolver uma nova forma de repressão para que se possa ter um resultado.

É necessária nova legislação do seu ponto de vista?

Sim. Porque me parece muito claro que do jeito que está não funciona. Ela não resolve o problema e, muito pelo contrário, cria uma zona cinzenta onde você fica sem parâmetro para tomar decisões corretas. A questão é muito simples. Se você vai permitir que uma pessoa tenha uma porção de droga, tem que decidir ou informar quem poderá vender. Porque não existe compra sem venda. Não dá para dissociar essas duas ações. Em todos os países no mundo onde se flexibilizou o uso da droga, sempre se fixou um organismo, uma loja, uma farmácia, uma empresa que vende. Agora permitir que as pessoas tenham essas porções que só o traficante vende, você vai ter uma demanda. Não estou nem questionando que deve ser legalizada ou não. Só estou dizendo que a forma tem de ser feita de modo correta. O tráfico nunca vai acabar, é fato. Mas você pode reduzi-lo.

Voltando ao crime de Guarulhos, esse caso fragiliza de alguma forma o instrumento da delação?

Os Estados Unidos são o País mais bem sucedido no combate ao crime organizado no mundo, especialmente contra as máfias. O grande núcleo do avanço americano foi o mecanismo das delações premiadas. O mecanismo mais poderoso de enfrentamento ao crime organizado até hoje. Vou dar um exemplo que é definitivo. Vamos lembrar de Tommaso Buscetta que fez a delação contra a máfia e acabou gerando o maxi-processo na Itália. Então é usado no mundo inteiro e não é no Brasil que vai se mostrar incapaz. E há uma forma de abordar a delação que é sempre a seguinte: ouvir você ouve sempre, acreditar nem tanto. A delação é meio de prova. Não basta delatar. Tem de fazer a confirmação através de outros dados. Então eu duvido que esse instituto da delação sofra arranhões.

O que levaria esse caso de Guarulhos a ser uma situação de federalização? Dá para traçar um paralelo com o caso Marielle Franco?

Eu acho que são situações completamente diferentes. Ela era uma vereadora, uma pessoa conhecida, com um histórico. O Vinícius era um criminoso, mandante de homicídio, falsário, traficante. Então já começa de uma maneira completamente diferente. Existe uma experiência com relação (a esse tipo de caso). Ademais, ele deixou delação premiada, vestígios, provas. São circunstâncias que diferem completamente.

O que se questiona é o fato de haver suspeitas contra pessoas da própria polícia?

Isso é uma análise que precisa ser feita. Se você tem um policial envolvido não significa necessariamente que você seja incapaz. Até porque você tem outros organismos como o próprio Ministério Público que vai fazer isso também. Agora, se ficar cinco, seis, dez anos e não conseguir nada, se a investigação fracassar, é possível pensar numa federalização. A execução foi feita há poucos dias. É uma investigação muito complexa. Não pode de antemão concluir que a investigação não vai ser positiva. Tenho absoluta confiança de que serão capazes de chegar ao término com sucesso.

O PCC é uma ameaça de tomar o poder público no Estado?

Não tem. Se você for comparar o PCC com a máfia Cosa Nostra a diferença é muito grande. Porque a Cosa Nostra surgiu junto com o Estado italiano. A máfia italiana já existia quando Deodoro da Fonseca estava proclamando a República. O bisavô do Marcola ainda nem tinha nascido, e a máfia já matava na Sicília. É diferente. O Estado brasileiro já está constituído. O PCC não pode crescer para tomar esse Estado. O Brasil não tem Farc, não tem Pablo Escobar. Outro exemplo El Chapo no México, onde a polícia mexicana confronta o sindicato de igual para igual, com a mesma força e isso você não tem e não vai ter no Brasil. Isso significa que o crime organizado não é uma ameaça? Não! Isso significa que é uma ameaça. Ele corrompe. Só não pode substituir o Estado.

Manipulador por excelência, com uma miríade de crimes, o delator do Primeiro Comando da Capital (PCC) assassinado no Aeroporto de Guarulhos, Antonio Vinicius Lopes Gritzbach, escolheu um caminho perigoso: “jogou pôquer” com os criminosos, mas errou a mão e terminou executado. A analogia é feita pelo procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo Marcio Sergio Christino, autor de livros como Laços de sangue: A história secreta do PCC e Por dentro do crime: Corrupção, Tráfico, PCC.

Para o promotor, o maior erro do delator foi acreditar que podia enganar todos e confiar demais na sua estratégia. “Vinícius não sSupôs que pudessem chegar até ele. E efetivamente foi o que aconteceu”, ressalta em entrevista à Coluna do Estadão. Marcio Christino diz que o empresário lançou mão de várias jogadas. Ao atuar na lavagem de dinheiro do PCC, desviou parte dos montantes para si mesmo - teria sumido com R$100 milhões, segundo a polícia. Depois foi acusado de mandar matar o traficante do qual teria pegado o dinheiro, Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta. Ao mesmo tempo, ele se envolve com a polícia, e acusa justamente os policiais que o identificaram como mandante desse homicídio. “Ou seja, ele vai manipulando e atuando em várias frentes. Por isso é um jogo, ele vai querendo ganhos em cada ação”, conclui.

Nesta entrevista, Christino se mostra otimista com a força-tarefa criada pelo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, para investigar o assassinato do delator. Na visão do especialista, os esforços para desvendar o crime estão apenas no começo. Ele também refuta comparações com a investigação da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), cujo caso foi federalizado, e diz haver instrumentos para resolver o caso de Gritzbach no Estado de São Paulo, já que ele tinha conexões com o crime organizado e deixou rastros.

Na avaliação do procurador, apesar do grave episódio de um assassinato à luz do dia em um movimentado aeroporto, e da expansão do crime organizado pelo País, não há risco de o PCC assumir o lugar do poder público no Brasil. “Há uma diferença muito grande com a Itália, por exemplo, porque a Cosa Nostra surgiu junto com o Estado italiano. A máfia italiana já existia quando Deodoro da Fonseca estava proclamando a República (no Brasil), o bizavô do Marcola (do PCC) nem tinha nascido e a máfia já matava”, avalia.

Mas Marcio Christino ressalta que é preciso reavaliar a forma de enfrentar o crime organizado no País e considera que o Brasil “tem um tratamento esquizofrênico em relação ao tráfico”. Sem entrar no mérito se o consumo de droga deve ser liberalizado ou não no País, ele defende a necessidade de reordenar a legislação. “Você permite que a pessoa tenha uma porção de droga, então tem que decidir quem poderá vender. Em todos os países no mundo onde se flexibilizou o uso da droga, sempre se fixou um organismo, uma loja, uma farmácia, uma empresa que vende. É preciso reordenar isso”, conclui.

Márcio Sérgio Christino, procurador de Justiça Criminal  Foto: Estadão

Confira os principais trechos da entrevista

Sobre este crime de Guarulhos, quais perguntas precisam ser feitas neste momento?

O grande problema é que o Vinícius Gritzbach estava envolvido em uma miríade de transações criminosas. Ele não estava envolvido apenas com o PCC. Tinha lavagem de dinheiro, falsificação, lavagem com compra de imagem. E nesse contexto, obviamente, vários interesses e pessoas contrariadas. Muita gente tinha interesse em sua morte. Vamos lembrar que ele não quis uma proteção maior. Justamente porque continuava na sua atividade criminosa. Tanto que ele volta do Nordeste com um milhão de reais em joias, numa situação completamente não esclarecida. Então as grandes questões são até que ponto o que ele falava era manipulação com a intenção de se beneficiar ou era algo com a amplitude que ele dizia ter.

O senhor escreveu um artigo no qual fala que Vinícius jogou pôquer com o PCC e perdeu a mão. Pode explicar sua comparação?

É porque ele passou a interagir com várias esferas. A primeira, e talvez a mais tensa, era com a lavagem de dinheiro do tráfico, que é o dinheiro do PCC. O grande problema é que ele acabou desviando grande parte desse dinheiro para ele. Quem desviar dinheiro de traficante vai ser cobrado. Ele estava sendo cobrado. E qual foi sua reação? Foi uma coisa inédita. Vinícius é acusado de mandar matar o traficante do qual tinha pegado dinheiro. Ou seja, uma aposta. Ao mesmo tempo, ele se envolve com a polícia, e acusa justamente os policiais que o identificaram como mandante desse homicídio. Nesse contexto todo ele faz a delação premiada, que atingiria a lavagem de dinheiro e o tráfico, mas não o homicídio. Então ele tenta desconstituir as provas através dessa delação. Ou seja, ele vai manipulando e atuando em várias frentes ao mesmo tempo. Por isso é um jogo, ele vai querendo ganhos em cada ação. Mas chega num determinado momento que essa estratégia não dá certo e ele é executado.

Qual foi a jogada mais errada dele?

O erro dele foi acreditar que podia enganar todos, todo tempo. Ele queria ganhar em todos os momentos e de todas as formas, e confiou demais na sua estratégia. Vinícius não supôs que pudessem chegar até ele. E efetivamente foi o que aconteceu.

O que precisa ser revisto em relação ao serviço de inteligência e de enfrentamento ao PCC?

O que o Brasil tem que decidir é o que vai fazer em relação ao tráfico de drogas. O PCC é tráfico. O Brasil tem um tratamento esquizofrênico em relação ao tráfico. Ora aumenta a pena, depois põe critério para diminuir. Ora facilita o consumo, ora não. Essas ações pontuais são executadas porque prejudicam os negócios. Mas o exercício da ação criminosa não é o assassinato. O que eles querem é traficar. Então se quer atacar esse nicho do crime organizado é preciso atacar o tráfico, porque é a fonte de renda, tudo gira em torno disso. Agora tem que decidir o que quer fazer. Aí diz “você pode portar a maconha”. Pode portar, mas quem pode vender? O Brasil precisa reordenar esse pensamento para chegar a uma conclusão, senão tudo que for feito será paliativo.

Qual é o principal ponto que causa essa esquizofrenia que o senhor cita?

Hoje o tráfico é uma empresa. Quem trabalha no tráfico é um empregado, não é um autônomo. Há zonas definidas. Se uma pessoa é presa, eles colocam outro no lugar. Então não tem essa história de que traficou pouquinho. O tráfico não é uma atividade individual, é empresarial e tem de ser entendido como tal. Então é preciso desenvolver uma nova forma de repressão para que se possa ter um resultado.

É necessária nova legislação do seu ponto de vista?

Sim. Porque me parece muito claro que do jeito que está não funciona. Ela não resolve o problema e, muito pelo contrário, cria uma zona cinzenta onde você fica sem parâmetro para tomar decisões corretas. A questão é muito simples. Se você vai permitir que uma pessoa tenha uma porção de droga, tem que decidir ou informar quem poderá vender. Porque não existe compra sem venda. Não dá para dissociar essas duas ações. Em todos os países no mundo onde se flexibilizou o uso da droga, sempre se fixou um organismo, uma loja, uma farmácia, uma empresa que vende. Agora permitir que as pessoas tenham essas porções que só o traficante vende, você vai ter uma demanda. Não estou nem questionando que deve ser legalizada ou não. Só estou dizendo que a forma tem de ser feita de modo correta. O tráfico nunca vai acabar, é fato. Mas você pode reduzi-lo.

Voltando ao crime de Guarulhos, esse caso fragiliza de alguma forma o instrumento da delação?

Os Estados Unidos são o País mais bem sucedido no combate ao crime organizado no mundo, especialmente contra as máfias. O grande núcleo do avanço americano foi o mecanismo das delações premiadas. O mecanismo mais poderoso de enfrentamento ao crime organizado até hoje. Vou dar um exemplo que é definitivo. Vamos lembrar de Tommaso Buscetta que fez a delação contra a máfia e acabou gerando o maxi-processo na Itália. Então é usado no mundo inteiro e não é no Brasil que vai se mostrar incapaz. E há uma forma de abordar a delação que é sempre a seguinte: ouvir você ouve sempre, acreditar nem tanto. A delação é meio de prova. Não basta delatar. Tem de fazer a confirmação através de outros dados. Então eu duvido que esse instituto da delação sofra arranhões.

O que levaria esse caso de Guarulhos a ser uma situação de federalização? Dá para traçar um paralelo com o caso Marielle Franco?

Eu acho que são situações completamente diferentes. Ela era uma vereadora, uma pessoa conhecida, com um histórico. O Vinícius era um criminoso, mandante de homicídio, falsário, traficante. Então já começa de uma maneira completamente diferente. Existe uma experiência com relação (a esse tipo de caso). Ademais, ele deixou delação premiada, vestígios, provas. São circunstâncias que diferem completamente.

O que se questiona é o fato de haver suspeitas contra pessoas da própria polícia?

Isso é uma análise que precisa ser feita. Se você tem um policial envolvido não significa necessariamente que você seja incapaz. Até porque você tem outros organismos como o próprio Ministério Público que vai fazer isso também. Agora, se ficar cinco, seis, dez anos e não conseguir nada, se a investigação fracassar, é possível pensar numa federalização. A execução foi feita há poucos dias. É uma investigação muito complexa. Não pode de antemão concluir que a investigação não vai ser positiva. Tenho absoluta confiança de que serão capazes de chegar ao término com sucesso.

O PCC é uma ameaça de tomar o poder público no Estado?

Não tem. Se você for comparar o PCC com a máfia Cosa Nostra a diferença é muito grande. Porque a Cosa Nostra surgiu junto com o Estado italiano. A máfia italiana já existia quando Deodoro da Fonseca estava proclamando a República. O bisavô do Marcola ainda nem tinha nascido, e a máfia já matava na Sicília. É diferente. O Estado brasileiro já está constituído. O PCC não pode crescer para tomar esse Estado. O Brasil não tem Farc, não tem Pablo Escobar. Outro exemplo El Chapo no México, onde a polícia mexicana confronta o sindicato de igual para igual, com a mesma força e isso você não tem e não vai ter no Brasil. Isso significa que o crime organizado não é uma ameaça? Não! Isso significa que é uma ameaça. Ele corrompe. Só não pode substituir o Estado.

Entrevista por Roseann Kennedy

Roseann Kennedy é jornalista pós-graduada em Ciência Política e Economia. Há mais de 20 anos em Brasília, cobre as relações entre os poderes e os bastidores da política. Foi colunista política na CBN e Globo News, editora-chefe e âncora no SBT e SBT News. Pernambucana, torcedora do Náutico, mas também apaixonada pelo Palmeiras.

Iander Porcella

Repórter do Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado. Formado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com extensão em jornalismo econômico na Fundação Getulio Vargas (FGV). Em Brasília desde o fim de 2021, escreve sobre Congresso, com foco na Câmara. Em São Paulo, cobriu mercados financeiros internacionais.

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