O economista David Deccache, demitido da liderança do PSOL na Câmara por decisão da bancada, afirmou nesta quinta-feira, 6, à Coluna do Estadão que foi exonerado por criticar a política econômica do governo Lula. Deccache disse ter sofrido assédio moral no partido e avalia que o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) é quem manda na sigla “de forma autoritária”, proporcionando o ambiente hostil. Procurados, Boulos e o PSOL não comentaram. Após a publicação da reportagem, o diretório nacional afirmou que não interfere nas decisões da liderança do partido na Câmara. Em nota divulgada após a demissão de Deccache, deputados do partido negaram motivações políticas.
Deccache trabalhava na liderança do PSOL na Câmara havia oito anos. Por oito votos a cinco, a bancada decidiu retirá-lo do cargo na quarta-feira, 5. Ele disse que a iniciativa partiu de Boulos, e afirmou que o deputado se irritou com as críticas dele ao ajuste fiscal do governo Lula. Uma ala do partido - à qual o ex-funcionário se alinha - defende que Lula afrouxe ainda mais o pacote fiscal.
“Os assessores eram pressionados a mudar pareceres sem retirar sua assinatura, para facilitar um consenso na bancada sem o debate de pontos polêmicos. Os assessores se sentiam pressionados e pediam demissão. Eu me mantive, independentemente do assédio. Tivemos casos de licença médica por adoecimento mental na assessoria nos últimos dois anos”, afirmou Deccache.
O economista relatou um diálogo que teria tido com Boulos em 2023, quando o deputado era o líder da sigla na Casa.
“Procurei Boulos para falar das críticas ao projeto do arcabouço fiscal do governo. Ele me interrompeu e disse: ‘David, você vai colocar a orientação de voto sim, e sem destaque’. Eu respondi que não podia fazer isso, porque era um assessor de toda a bancada, fazia meu parecer e depois a bancada discutiria politicamente, como sempre foi. Ele ficou muito chateado e mandou um assessor falar comigo. O assessor me disse: ‘Você prefere se expor com o futuro prefeito de São Paulo ou 13 deputados?’. Esse assédio foi recorrente”. Procurado, Boulos não comentou.
O economista afirmou ter denunciado os relatos de assédio no mês passado à atual líder do partido na Câmara, Talíria Petrone (RJ), sem sucesso. A liderança do PSOL afirmou: “A líder do PSOL, deputada Talíria Petrone, não dará declarações públicas sobre o tema, que é assunto interno do partido e da bancada”.
Em um documento elaborado pelos oito deputados que votaram pela exoneração de David Deccache, os parlamentares disseram que a demissão foi motivada por “ataques públicos do assessor a parlamentares e à presidente do PSOL, com caracterizações como ‘oportunistas, covardes e mentirosos”. Deccache rechaçou a acusação e disse que processará o grupo por difamação.
“A partir do momento em que um assessor neste cargo de confiança ataca a representação política que o indicou, se cria um conflito ético-profissional, o que inviabiliza sua continuidade nesse papel”. Elaboraram o comunicado os deputados Guilherme Boulos, Erika Hilton, Luciene Cavalcante, Ivan Valente, Henrique Vieira, Talíria Petrone, Tarcísio Motta e Célia Xakriabá.
Em nota enviada após a publicação da reportagem, o diretório nacional do PSOL afirmou:
“A liderança da bancada na Câmara tem autonomia para definir seus assessores e não cabe à direção partidária interferir nestas decisões de contratações ou desligamento de pessoal, que são atos meramente burocráticos”.