Roseann Kennedy traz os bastidores da política e da economia, com Eduardo Gayer e Augusto Tenório

Haddad é coluna vertebral para que gastos com RS sejam feitos com parcimônia, diz presidente do TCU


Em entrevista à Coluna do Estadão, Bruno Dantas critica ‘canibalização federativa’ da pandemia e diz que união entre Poderes otimiza esforço fiscal; leia entrevista

Por Eduardo Gayer e Roseann Kennedy
Atualização:

O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, faz um alerta: a reposta do governo federal para mitigar a devastação do Rio Grande do Sul não pode ser motivo para um “liberou geral”. Na avaliação do jurista, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é a “coluna vertebral” na equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para evitar uma “sanha gastadora” — o que ele, porém, ressalta não ver entre os ministros do governo.

“Todo o esforço é necessário para salvar o Rio Grande do Sul. Mas temos que ter clareza de que isso não pode significar um ‘liberou geral’, porque o preço que se cobra, principalmente da população mais carente, é muito alto: inflação, taxa de juros altos, desemprego”, afirmou o ministro, em entrevista à Coluna do Estadão.

Bruno Dantas afirmou que a principal lição deixada pela covid-19 ao Estado brasileiro foi a cooperação entre as esferas de poder para otimizar o esforço fiscal. “Na pandemia, houve competição, canibalização federativa. O Congresso aprovou medidas de apoio aos Estados que o Ministério da Economia era contra. Agora, não. Agora, o ministro Haddad está lá na linha de frente, ajudando a construir as soluções”.

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Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista:

O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Bruno Dantas. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Qual será a marca do TCU na resposta às enchentes no Rio Grande do Sul?

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Criamos um programa chamado Recupera Rio Grande do Sul, que consiste em três eixos. O primeiro grande eixo é o de compras e contratações públicas. Vai ficar com a relatoria do ministro Vital do Rêgo. O segundo eixo é o de Defesa Civil, que é o aparelhamento dos brigadistas, as obras de reconstrução das casas. Esse está com o ministro Augusto Nardes. O terceiro eixo é o fiscal, de observância das finanças públicas. O relator é o ministro Jonathan de Jesus.

No momento de calamidade, é preciso que as amarras fiscais sejam afrouxadas. Mas não se pode permitir que, a pretexto de socorrer as pessoas, outras despesas que não as necessárias sejam feitas ao arrepio da legislação.

Também constituí uma força-tarefa de auditores para acompanhar os repasses do governo federal para Estados e municípios. Não está claro ainda se o governo federal vai fazer as licitações ou se vai transferir dinheiro para o Estado e os municípios, porque aí teria uma questão de competência. O TCU só tem competência para fiscalizar as licitações feitas pelo governo federal.

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Na pandemia, o então presidente Jair Bolsonaro fez um esforço fiscal grande para atender a população, mas especialistas em contas públicas veem uma farra fiscal no período que, inclusive, desestruturou as finanças da União. Como evitar que isso se repita?

Por isso que um dos três eixos [de atuação do TCU na resposta ao RS] é o de finanças públicas e sustentabilidade fiscal. Na pandemia, uma vez o Ministério da Economia estava transferindo R$ 30 milhões do Bolsa Família para a área de comunicação. Liguei para o ministro Paulo Guedes e disse: “Você não pode fazer isso, porque esse dinheiro está sobrando por causa do crédito extraordinário. Então, esse dinheiro só pode ser usado com benefício social”. É um pouco isso que nós vamos ter que fazer agora.

Vamos, junto com o Ministério da Fazenda, estimar o quanto tudo isso vai custar. Ver o que já está no orçamento e o que precisa de suplementação, para que a tragédia não seja pretexto para gastos não relacionados com a catástrofe, que não seriam feitos se não houvesse esse ambiente de certa parcimônia fiscal. O crédito extraordinário tem que ser para suplementar o que já está no orçamento.

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Então, a verba que já estava prevista para ser direcionada ao Rio Grande do Sul dentro de Bolsa Família, BPC, tudo segue dentro da meta fiscal e não entra na excepcionalização aprovada pelo Congresso?

Claro.

A população deve temer uma farra fiscal?

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Confio muito nos bons propósitos do ministro Fernando Haddad, no contraponto que ele faz dentro do governo. Haddad sabe que o equilíbrio das finanças públicas é o alicerce sobre o qual podemos construir um edifício de proteção social para a população inteira. Não adianta achar que vai pegar carona numa tragédia para ampliar os gastos em regiões que não foram afetadas. [Faremos] todo o esforço necessário para salvar o Rio Grande do Sul, mas não pode significar um “liberou geral”, porque o preço que se cobra, principalmente da população mais carente, é muito alto: inflação, taxa de juros altos, desemprego.

Haddad é quem segura as rédeas?

Não vejo esse sentimento, essa sanha de arrebentar a fechadura do cofre. Acredito que o ministro Haddad é uma coluna vertebral importante na defesa de que os gastos necessários sejam feitos com comedimento, e vejo também uma colaboração dos outros ministros. O próprio presidente Lula tem sido muito parcimonioso.

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Houve quem falasse em perdão da dívida do Rio Grande do Sul. Suspender por três anos e tirar os juros foi um gesto importante para permitir que os cofres do Estado tenham mais dinamismo e oxigenação. Mas zerar a dívida poderia ter um significado para a repactuação de outras dívidas.

Qual foi a principal lição deixada pela pandemia?

A principal lição foi que a cooperação entre as esferas federativas vai otimizar o esforço fiscal. Na pandemia, houve competição, canibalização federativa. O Congresso aprovou medidas de apoio aos Estados que o Ministério da Economia era contra. Agora, não. Agora, o ministro Haddad está lá na linha de frente, ajudando a construir as soluções.

Há um diálogo entre o presidente Lula, o governador e os prefeitos, mesmo sendo eles de campos políticos antagônicos. Eu acredito que isso vai dar eficiência na ação. Eu acho que esse é um aprendizado importante. E acho que a criação dessa autoridade federal ajuda nisso. Não houve essa autoridade na pandemia.

A criação da autoridade federal está gerando um estresse político.

É normal que o presidente da República nomeie alguém do seu campo político para a autoridade. Claro, é sempre possível politizar boas decisões. Mas me parece que, afora o hipotético risco de politização, a ideia de ter uma autoridade federal trabalhando 24 horas por dia, sete dias por semana coordenando os esforços federais é uma boa ideia.

A Frente Nacional dos Prefeitos defende a criação de uma espécie de Pix entre as prefeituras para ajudar o Rio Grande do Sul. Qual a avaliação do senhor sobre isso?

O papel do TCU não é decidir, é alertar o Executivo e o Legislativo para os riscos. Se for algo provisório, para uma conta específica, com todos os registros de como os gastos estão sendo feitos, talvez possa ser pensado. Não refleti ainda com profundidade sobre o tem. Talvez precisemos fazer adaptações na jurisprudência. Mas isso precisa ter data para começar e para acabar. O que de pior aprendemos nas grandes crises do Brasil é que boas soluções para problemas circunstanciais viram péssimos legados, se persistirem demais.

No caso do Rio Grande do Sul, como estabelecer esse tempo? É impossível prever o que acontecerá?

Talvez prever seis meses e depois prorrogar. O que não dá é voltar à normalidade e o arcabouço de exceção ainda estar valendo.

O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, faz um alerta: a reposta do governo federal para mitigar a devastação do Rio Grande do Sul não pode ser motivo para um “liberou geral”. Na avaliação do jurista, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é a “coluna vertebral” na equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para evitar uma “sanha gastadora” — o que ele, porém, ressalta não ver entre os ministros do governo.

“Todo o esforço é necessário para salvar o Rio Grande do Sul. Mas temos que ter clareza de que isso não pode significar um ‘liberou geral’, porque o preço que se cobra, principalmente da população mais carente, é muito alto: inflação, taxa de juros altos, desemprego”, afirmou o ministro, em entrevista à Coluna do Estadão.

Bruno Dantas afirmou que a principal lição deixada pela covid-19 ao Estado brasileiro foi a cooperação entre as esferas de poder para otimizar o esforço fiscal. “Na pandemia, houve competição, canibalização federativa. O Congresso aprovou medidas de apoio aos Estados que o Ministério da Economia era contra. Agora, não. Agora, o ministro Haddad está lá na linha de frente, ajudando a construir as soluções”.

Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista:

O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Bruno Dantas. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Qual será a marca do TCU na resposta às enchentes no Rio Grande do Sul?

Criamos um programa chamado Recupera Rio Grande do Sul, que consiste em três eixos. O primeiro grande eixo é o de compras e contratações públicas. Vai ficar com a relatoria do ministro Vital do Rêgo. O segundo eixo é o de Defesa Civil, que é o aparelhamento dos brigadistas, as obras de reconstrução das casas. Esse está com o ministro Augusto Nardes. O terceiro eixo é o fiscal, de observância das finanças públicas. O relator é o ministro Jonathan de Jesus.

No momento de calamidade, é preciso que as amarras fiscais sejam afrouxadas. Mas não se pode permitir que, a pretexto de socorrer as pessoas, outras despesas que não as necessárias sejam feitas ao arrepio da legislação.

Também constituí uma força-tarefa de auditores para acompanhar os repasses do governo federal para Estados e municípios. Não está claro ainda se o governo federal vai fazer as licitações ou se vai transferir dinheiro para o Estado e os municípios, porque aí teria uma questão de competência. O TCU só tem competência para fiscalizar as licitações feitas pelo governo federal.

Na pandemia, o então presidente Jair Bolsonaro fez um esforço fiscal grande para atender a população, mas especialistas em contas públicas veem uma farra fiscal no período que, inclusive, desestruturou as finanças da União. Como evitar que isso se repita?

Por isso que um dos três eixos [de atuação do TCU na resposta ao RS] é o de finanças públicas e sustentabilidade fiscal. Na pandemia, uma vez o Ministério da Economia estava transferindo R$ 30 milhões do Bolsa Família para a área de comunicação. Liguei para o ministro Paulo Guedes e disse: “Você não pode fazer isso, porque esse dinheiro está sobrando por causa do crédito extraordinário. Então, esse dinheiro só pode ser usado com benefício social”. É um pouco isso que nós vamos ter que fazer agora.

Vamos, junto com o Ministério da Fazenda, estimar o quanto tudo isso vai custar. Ver o que já está no orçamento e o que precisa de suplementação, para que a tragédia não seja pretexto para gastos não relacionados com a catástrofe, que não seriam feitos se não houvesse esse ambiente de certa parcimônia fiscal. O crédito extraordinário tem que ser para suplementar o que já está no orçamento.

Então, a verba que já estava prevista para ser direcionada ao Rio Grande do Sul dentro de Bolsa Família, BPC, tudo segue dentro da meta fiscal e não entra na excepcionalização aprovada pelo Congresso?

Claro.

A população deve temer uma farra fiscal?

Confio muito nos bons propósitos do ministro Fernando Haddad, no contraponto que ele faz dentro do governo. Haddad sabe que o equilíbrio das finanças públicas é o alicerce sobre o qual podemos construir um edifício de proteção social para a população inteira. Não adianta achar que vai pegar carona numa tragédia para ampliar os gastos em regiões que não foram afetadas. [Faremos] todo o esforço necessário para salvar o Rio Grande do Sul, mas não pode significar um “liberou geral”, porque o preço que se cobra, principalmente da população mais carente, é muito alto: inflação, taxa de juros altos, desemprego.

Haddad é quem segura as rédeas?

Não vejo esse sentimento, essa sanha de arrebentar a fechadura do cofre. Acredito que o ministro Haddad é uma coluna vertebral importante na defesa de que os gastos necessários sejam feitos com comedimento, e vejo também uma colaboração dos outros ministros. O próprio presidente Lula tem sido muito parcimonioso.

Houve quem falasse em perdão da dívida do Rio Grande do Sul. Suspender por três anos e tirar os juros foi um gesto importante para permitir que os cofres do Estado tenham mais dinamismo e oxigenação. Mas zerar a dívida poderia ter um significado para a repactuação de outras dívidas.

Qual foi a principal lição deixada pela pandemia?

A principal lição foi que a cooperação entre as esferas federativas vai otimizar o esforço fiscal. Na pandemia, houve competição, canibalização federativa. O Congresso aprovou medidas de apoio aos Estados que o Ministério da Economia era contra. Agora, não. Agora, o ministro Haddad está lá na linha de frente, ajudando a construir as soluções.

Há um diálogo entre o presidente Lula, o governador e os prefeitos, mesmo sendo eles de campos políticos antagônicos. Eu acredito que isso vai dar eficiência na ação. Eu acho que esse é um aprendizado importante. E acho que a criação dessa autoridade federal ajuda nisso. Não houve essa autoridade na pandemia.

A criação da autoridade federal está gerando um estresse político.

É normal que o presidente da República nomeie alguém do seu campo político para a autoridade. Claro, é sempre possível politizar boas decisões. Mas me parece que, afora o hipotético risco de politização, a ideia de ter uma autoridade federal trabalhando 24 horas por dia, sete dias por semana coordenando os esforços federais é uma boa ideia.

A Frente Nacional dos Prefeitos defende a criação de uma espécie de Pix entre as prefeituras para ajudar o Rio Grande do Sul. Qual a avaliação do senhor sobre isso?

O papel do TCU não é decidir, é alertar o Executivo e o Legislativo para os riscos. Se for algo provisório, para uma conta específica, com todos os registros de como os gastos estão sendo feitos, talvez possa ser pensado. Não refleti ainda com profundidade sobre o tem. Talvez precisemos fazer adaptações na jurisprudência. Mas isso precisa ter data para começar e para acabar. O que de pior aprendemos nas grandes crises do Brasil é que boas soluções para problemas circunstanciais viram péssimos legados, se persistirem demais.

No caso do Rio Grande do Sul, como estabelecer esse tempo? É impossível prever o que acontecerá?

Talvez prever seis meses e depois prorrogar. O que não dá é voltar à normalidade e o arcabouço de exceção ainda estar valendo.

O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, faz um alerta: a reposta do governo federal para mitigar a devastação do Rio Grande do Sul não pode ser motivo para um “liberou geral”. Na avaliação do jurista, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é a “coluna vertebral” na equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para evitar uma “sanha gastadora” — o que ele, porém, ressalta não ver entre os ministros do governo.

“Todo o esforço é necessário para salvar o Rio Grande do Sul. Mas temos que ter clareza de que isso não pode significar um ‘liberou geral’, porque o preço que se cobra, principalmente da população mais carente, é muito alto: inflação, taxa de juros altos, desemprego”, afirmou o ministro, em entrevista à Coluna do Estadão.

Bruno Dantas afirmou que a principal lição deixada pela covid-19 ao Estado brasileiro foi a cooperação entre as esferas de poder para otimizar o esforço fiscal. “Na pandemia, houve competição, canibalização federativa. O Congresso aprovou medidas de apoio aos Estados que o Ministério da Economia era contra. Agora, não. Agora, o ministro Haddad está lá na linha de frente, ajudando a construir as soluções”.

Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista:

O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Bruno Dantas. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Qual será a marca do TCU na resposta às enchentes no Rio Grande do Sul?

Criamos um programa chamado Recupera Rio Grande do Sul, que consiste em três eixos. O primeiro grande eixo é o de compras e contratações públicas. Vai ficar com a relatoria do ministro Vital do Rêgo. O segundo eixo é o de Defesa Civil, que é o aparelhamento dos brigadistas, as obras de reconstrução das casas. Esse está com o ministro Augusto Nardes. O terceiro eixo é o fiscal, de observância das finanças públicas. O relator é o ministro Jonathan de Jesus.

No momento de calamidade, é preciso que as amarras fiscais sejam afrouxadas. Mas não se pode permitir que, a pretexto de socorrer as pessoas, outras despesas que não as necessárias sejam feitas ao arrepio da legislação.

Também constituí uma força-tarefa de auditores para acompanhar os repasses do governo federal para Estados e municípios. Não está claro ainda se o governo federal vai fazer as licitações ou se vai transferir dinheiro para o Estado e os municípios, porque aí teria uma questão de competência. O TCU só tem competência para fiscalizar as licitações feitas pelo governo federal.

Na pandemia, o então presidente Jair Bolsonaro fez um esforço fiscal grande para atender a população, mas especialistas em contas públicas veem uma farra fiscal no período que, inclusive, desestruturou as finanças da União. Como evitar que isso se repita?

Por isso que um dos três eixos [de atuação do TCU na resposta ao RS] é o de finanças públicas e sustentabilidade fiscal. Na pandemia, uma vez o Ministério da Economia estava transferindo R$ 30 milhões do Bolsa Família para a área de comunicação. Liguei para o ministro Paulo Guedes e disse: “Você não pode fazer isso, porque esse dinheiro está sobrando por causa do crédito extraordinário. Então, esse dinheiro só pode ser usado com benefício social”. É um pouco isso que nós vamos ter que fazer agora.

Vamos, junto com o Ministério da Fazenda, estimar o quanto tudo isso vai custar. Ver o que já está no orçamento e o que precisa de suplementação, para que a tragédia não seja pretexto para gastos não relacionados com a catástrofe, que não seriam feitos se não houvesse esse ambiente de certa parcimônia fiscal. O crédito extraordinário tem que ser para suplementar o que já está no orçamento.

Então, a verba que já estava prevista para ser direcionada ao Rio Grande do Sul dentro de Bolsa Família, BPC, tudo segue dentro da meta fiscal e não entra na excepcionalização aprovada pelo Congresso?

Claro.

A população deve temer uma farra fiscal?

Confio muito nos bons propósitos do ministro Fernando Haddad, no contraponto que ele faz dentro do governo. Haddad sabe que o equilíbrio das finanças públicas é o alicerce sobre o qual podemos construir um edifício de proteção social para a população inteira. Não adianta achar que vai pegar carona numa tragédia para ampliar os gastos em regiões que não foram afetadas. [Faremos] todo o esforço necessário para salvar o Rio Grande do Sul, mas não pode significar um “liberou geral”, porque o preço que se cobra, principalmente da população mais carente, é muito alto: inflação, taxa de juros altos, desemprego.

Haddad é quem segura as rédeas?

Não vejo esse sentimento, essa sanha de arrebentar a fechadura do cofre. Acredito que o ministro Haddad é uma coluna vertebral importante na defesa de que os gastos necessários sejam feitos com comedimento, e vejo também uma colaboração dos outros ministros. O próprio presidente Lula tem sido muito parcimonioso.

Houve quem falasse em perdão da dívida do Rio Grande do Sul. Suspender por três anos e tirar os juros foi um gesto importante para permitir que os cofres do Estado tenham mais dinamismo e oxigenação. Mas zerar a dívida poderia ter um significado para a repactuação de outras dívidas.

Qual foi a principal lição deixada pela pandemia?

A principal lição foi que a cooperação entre as esferas federativas vai otimizar o esforço fiscal. Na pandemia, houve competição, canibalização federativa. O Congresso aprovou medidas de apoio aos Estados que o Ministério da Economia era contra. Agora, não. Agora, o ministro Haddad está lá na linha de frente, ajudando a construir as soluções.

Há um diálogo entre o presidente Lula, o governador e os prefeitos, mesmo sendo eles de campos políticos antagônicos. Eu acredito que isso vai dar eficiência na ação. Eu acho que esse é um aprendizado importante. E acho que a criação dessa autoridade federal ajuda nisso. Não houve essa autoridade na pandemia.

A criação da autoridade federal está gerando um estresse político.

É normal que o presidente da República nomeie alguém do seu campo político para a autoridade. Claro, é sempre possível politizar boas decisões. Mas me parece que, afora o hipotético risco de politização, a ideia de ter uma autoridade federal trabalhando 24 horas por dia, sete dias por semana coordenando os esforços federais é uma boa ideia.

A Frente Nacional dos Prefeitos defende a criação de uma espécie de Pix entre as prefeituras para ajudar o Rio Grande do Sul. Qual a avaliação do senhor sobre isso?

O papel do TCU não é decidir, é alertar o Executivo e o Legislativo para os riscos. Se for algo provisório, para uma conta específica, com todos os registros de como os gastos estão sendo feitos, talvez possa ser pensado. Não refleti ainda com profundidade sobre o tem. Talvez precisemos fazer adaptações na jurisprudência. Mas isso precisa ter data para começar e para acabar. O que de pior aprendemos nas grandes crises do Brasil é que boas soluções para problemas circunstanciais viram péssimos legados, se persistirem demais.

No caso do Rio Grande do Sul, como estabelecer esse tempo? É impossível prever o que acontecerá?

Talvez prever seis meses e depois prorrogar. O que não dá é voltar à normalidade e o arcabouço de exceção ainda estar valendo.

O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, faz um alerta: a reposta do governo federal para mitigar a devastação do Rio Grande do Sul não pode ser motivo para um “liberou geral”. Na avaliação do jurista, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é a “coluna vertebral” na equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para evitar uma “sanha gastadora” — o que ele, porém, ressalta não ver entre os ministros do governo.

“Todo o esforço é necessário para salvar o Rio Grande do Sul. Mas temos que ter clareza de que isso não pode significar um ‘liberou geral’, porque o preço que se cobra, principalmente da população mais carente, é muito alto: inflação, taxa de juros altos, desemprego”, afirmou o ministro, em entrevista à Coluna do Estadão.

Bruno Dantas afirmou que a principal lição deixada pela covid-19 ao Estado brasileiro foi a cooperação entre as esferas de poder para otimizar o esforço fiscal. “Na pandemia, houve competição, canibalização federativa. O Congresso aprovou medidas de apoio aos Estados que o Ministério da Economia era contra. Agora, não. Agora, o ministro Haddad está lá na linha de frente, ajudando a construir as soluções”.

Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista:

O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Bruno Dantas. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Qual será a marca do TCU na resposta às enchentes no Rio Grande do Sul?

Criamos um programa chamado Recupera Rio Grande do Sul, que consiste em três eixos. O primeiro grande eixo é o de compras e contratações públicas. Vai ficar com a relatoria do ministro Vital do Rêgo. O segundo eixo é o de Defesa Civil, que é o aparelhamento dos brigadistas, as obras de reconstrução das casas. Esse está com o ministro Augusto Nardes. O terceiro eixo é o fiscal, de observância das finanças públicas. O relator é o ministro Jonathan de Jesus.

No momento de calamidade, é preciso que as amarras fiscais sejam afrouxadas. Mas não se pode permitir que, a pretexto de socorrer as pessoas, outras despesas que não as necessárias sejam feitas ao arrepio da legislação.

Também constituí uma força-tarefa de auditores para acompanhar os repasses do governo federal para Estados e municípios. Não está claro ainda se o governo federal vai fazer as licitações ou se vai transferir dinheiro para o Estado e os municípios, porque aí teria uma questão de competência. O TCU só tem competência para fiscalizar as licitações feitas pelo governo federal.

Na pandemia, o então presidente Jair Bolsonaro fez um esforço fiscal grande para atender a população, mas especialistas em contas públicas veem uma farra fiscal no período que, inclusive, desestruturou as finanças da União. Como evitar que isso se repita?

Por isso que um dos três eixos [de atuação do TCU na resposta ao RS] é o de finanças públicas e sustentabilidade fiscal. Na pandemia, uma vez o Ministério da Economia estava transferindo R$ 30 milhões do Bolsa Família para a área de comunicação. Liguei para o ministro Paulo Guedes e disse: “Você não pode fazer isso, porque esse dinheiro está sobrando por causa do crédito extraordinário. Então, esse dinheiro só pode ser usado com benefício social”. É um pouco isso que nós vamos ter que fazer agora.

Vamos, junto com o Ministério da Fazenda, estimar o quanto tudo isso vai custar. Ver o que já está no orçamento e o que precisa de suplementação, para que a tragédia não seja pretexto para gastos não relacionados com a catástrofe, que não seriam feitos se não houvesse esse ambiente de certa parcimônia fiscal. O crédito extraordinário tem que ser para suplementar o que já está no orçamento.

Então, a verba que já estava prevista para ser direcionada ao Rio Grande do Sul dentro de Bolsa Família, BPC, tudo segue dentro da meta fiscal e não entra na excepcionalização aprovada pelo Congresso?

Claro.

A população deve temer uma farra fiscal?

Confio muito nos bons propósitos do ministro Fernando Haddad, no contraponto que ele faz dentro do governo. Haddad sabe que o equilíbrio das finanças públicas é o alicerce sobre o qual podemos construir um edifício de proteção social para a população inteira. Não adianta achar que vai pegar carona numa tragédia para ampliar os gastos em regiões que não foram afetadas. [Faremos] todo o esforço necessário para salvar o Rio Grande do Sul, mas não pode significar um “liberou geral”, porque o preço que se cobra, principalmente da população mais carente, é muito alto: inflação, taxa de juros altos, desemprego.

Haddad é quem segura as rédeas?

Não vejo esse sentimento, essa sanha de arrebentar a fechadura do cofre. Acredito que o ministro Haddad é uma coluna vertebral importante na defesa de que os gastos necessários sejam feitos com comedimento, e vejo também uma colaboração dos outros ministros. O próprio presidente Lula tem sido muito parcimonioso.

Houve quem falasse em perdão da dívida do Rio Grande do Sul. Suspender por três anos e tirar os juros foi um gesto importante para permitir que os cofres do Estado tenham mais dinamismo e oxigenação. Mas zerar a dívida poderia ter um significado para a repactuação de outras dívidas.

Qual foi a principal lição deixada pela pandemia?

A principal lição foi que a cooperação entre as esferas federativas vai otimizar o esforço fiscal. Na pandemia, houve competição, canibalização federativa. O Congresso aprovou medidas de apoio aos Estados que o Ministério da Economia era contra. Agora, não. Agora, o ministro Haddad está lá na linha de frente, ajudando a construir as soluções.

Há um diálogo entre o presidente Lula, o governador e os prefeitos, mesmo sendo eles de campos políticos antagônicos. Eu acredito que isso vai dar eficiência na ação. Eu acho que esse é um aprendizado importante. E acho que a criação dessa autoridade federal ajuda nisso. Não houve essa autoridade na pandemia.

A criação da autoridade federal está gerando um estresse político.

É normal que o presidente da República nomeie alguém do seu campo político para a autoridade. Claro, é sempre possível politizar boas decisões. Mas me parece que, afora o hipotético risco de politização, a ideia de ter uma autoridade federal trabalhando 24 horas por dia, sete dias por semana coordenando os esforços federais é uma boa ideia.

A Frente Nacional dos Prefeitos defende a criação de uma espécie de Pix entre as prefeituras para ajudar o Rio Grande do Sul. Qual a avaliação do senhor sobre isso?

O papel do TCU não é decidir, é alertar o Executivo e o Legislativo para os riscos. Se for algo provisório, para uma conta específica, com todos os registros de como os gastos estão sendo feitos, talvez possa ser pensado. Não refleti ainda com profundidade sobre o tem. Talvez precisemos fazer adaptações na jurisprudência. Mas isso precisa ter data para começar e para acabar. O que de pior aprendemos nas grandes crises do Brasil é que boas soluções para problemas circunstanciais viram péssimos legados, se persistirem demais.

No caso do Rio Grande do Sul, como estabelecer esse tempo? É impossível prever o que acontecerá?

Talvez prever seis meses e depois prorrogar. O que não dá é voltar à normalidade e o arcabouço de exceção ainda estar valendo.

Entrevista por Eduardo Gayer

Repórter da Coluna do Estadão em Brasília. É formado em Jornalismo pela PUC-SP e em História pela USP. Tem extensão em jornalismo econômico pela FGV. No Grupo Estado desde 2018, já cobriu política, mercado financeiro e cultura. Foi enviado especial à guerra da Ucrânia e fóruns multilaterais no exterior, como G-7, G-20, CELAC e Mercosul.

Roseann Kennedy

Roseann Kennedy é jornalista pós-graduada em Ciência Política e Economia. Há mais de 20 anos em Brasília, cobre as relações entre os poderes e os bastidores da política. Foi colunista política na CBN e Globo News, editora-chefe e âncora no SBT e SBT News. Pernambucana, torcedora do Náutico, mas também apaixonada pelo Palmeiras.

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