Um ano após assumir o comando da maior cidade do País, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) ainda segue na busca de uma marca de gestão, mas agora com o caixa cheio. A poupança obrigatória feita em função da queda de gastos com custeio e obras ao longo da pandemia, aliada à rápida recuperação da economia paulistana, pode fazer deste governo o mais “rico” dos últimos dez anos. São R$ 30 bilhões na conta da Prefeitura, sendo R$ 18,9 bilhões considerados livres.
Se contabiliza mais dinheiro, Nunes também se viu, nestes 12 meses, sob forte dependência política do Legislativo municipal. Na linha adotada pelo então presidente Michel Temer, o prefeito estabeleceu em São Paulo uma espécie de “parlamentarismo branco” para governar. Ex-vereador, ele se aproxima cada vez mais do presidente da Câmara Municipal, Milton Leite (União Brasil), que avaliza projetos enviados à Casa e frequentemente participa de agendas do Executivo num papel que muitos classificam como de “primeiro-ministro”.
Sobre a divisão de poderes com Leite, o prefeito afirmou que o presidente da Câmara é de sua base aliada, mas que é ele quem, pessoalmente, mantém o diálogo necessário com os vereadores para obter as aprovações.
O resultado é significativo: Nunes aprovou todos os principais projetos que propôs aos vereadores ao longo dos últimos 12 meses, incluindo uma complexa reforma previdenciária e o aumento de salário para indicados políticos. Parte deles, inclusive, está ao seu lado na cúpula da administração - herança de Bruno Covas, os tucanos ainda dispõem de parcela significativa de poder dentro e fora das secretarias.
Durante o último ano, Nunes substituiu parte do secretariado numa tentativa de formar uma equipe mais alinhada. Sem nunca ter ocupado uma função do Executivo antes, o prefeito não tinha - e ainda não tem - quadros tidos como leais para sustentá-lo no dia a dia do governo.
O secretário municipal da Fazenda, Guilherme Bueno de Camargo, disse que os investimentos foram prejudicados em 2020 e em 2021 em função da pandemia. É isso que explica, segundo ele, o volume de verba no caixa, não uma intenção em retê-lo. “Há de se destacar que R$ 20,2 bilhões, dos R$ 30 bilhões do caixa, já estão comprometidos com empenhos relativos a despesas até 31 de dezembro.”
De acordo com Camargo, a covid-19 provocou um impacto negativo nas finanças municipais no primeiro trimestre de 2020. “Depois, a cidade se mostrou muito resiliente e chegou a bater recorde de arrecadação com ISS (Imposto Sobre Serviços) em janeiro de 2021″, disse. “E arrecadou quase R$ 3 bilhões com o lançamento de um programa de parcelamento de dívidas.”
Nesses dois anos, a Prefeitura aplicou R$ 7,6 bilhões em melhorias na cidade. Agora, até dezembro, promete chegar a R$ 7,2 bilhões e, em 2023, alcançar R$ 10 bilhões. Nos últimos dez anos, foi a gestão de Gilberto Kassab (PSD), encerrada em 2012, a que mais investiu proporcionalmente em obras na cidade.
Ainda com pouca expressão popular e baixa aprovação - pesquisa Datafolha de abril mostrou que 12% da população considera sua gestão ótima ou boa e 30%, ruim ou péssima -, Nunes foge de polêmicas enquanto tenta atrair novos aliados, já projetando uma candidatura à reeleição. Na janela partidária fechada no mês passado, agiu para ampliar a bancada do MDB na Câmara, conseguindo mais dois parlamentares para o bloco, hoje o quinto maior da Casa.
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Do ponto de vista político, o prefeito segue a cartilha. Defende publicamente o nome da senadora Simone Tebet (MDB) para liderar a chamada terceira via como alternativa à polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual, Jair Bolsonaro (PL) -, de quem é mais próximo. Foi por uma decisão de Bolsonaro que Nunes obteve até aqui sua principal vitória: a quitação da dívida de São Paulo com a União, avaliada em R$ 24 bilhões, em troca da cessão de quase toda a área do Campo de Marte.
A negociação, iniciada por Covas, teve a mão de Milton Leite, que acompanhou o prefeito nas viagens feitas a Brasília como uma espécie de “fiador” do negócio e aprovou sem qualquer dificuldade a lei da qual dependia o acordo. “Na Câmara, o prefeito sabe que, se o projeto for importante para São Paulo, não faltará base ou maioria, isso eu garanto”, afirmou Leite ao Estadão.
Sem a obrigatoriedade de pagar R$ 285 milhões por mês ao governo federal, a Prefeitura deve engordar ainda mais o caixa até 2024, quando Nunes será colocado à prova pelo eleitor em temas que não dependem necessariamente de recursos, mas de políticas públicas. É o caso, por exemplo, das causas e efeitos da Cracolândia, dor de cabeça garantida para qualquer prefeito da capital.
Mas não é só. Como prevê o próprio plano de metas da atual gestão, a capital precisa de mais corredores de ônibus, escolas de qualidade, unidades habitacionais para a população mais carente, aumento do porcentual de lixo reciclado e projetos urbanísticos que melhorem a qualidade de vida de quem mora em São Paulo. Uma receita conhecida, mas dificilmente cumprida.
Entre os opositores do prefeito, as críticas se concentram na descentralização administrativa e no que consideram como retenção de caixa durante a crise social da pandemia. “É um governo sem autoridade central. As secretarias parecem mais uma federação, cada uma faz o que quer. O resultado é que não vemos um projeto para a cidade”, afirmou o vereador Antonio Donato (PT).
A vereadora Luana Alves (PSOL) citou o aumento de 31% no número de moradores de rua na cidade. “Tentamos negociar a prorrogação do auxílio financeiro, por exemplo, sem sucesso”, disse ela, em relação às seis parcelas de R$ 100 pagas a cerca de 1,3 milhão de pessoas.
‘O grande desafio é reduzir a desigualdade’, diz prefeito
Em entrevista ao Estadão, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) relatou dificuldades no início do mandato em função da perda do “amigo e líder Bruno Covas”, mas afirmou que, aos poucos, se adaptou ao cargo e às necessidades de São Paulo. Um ano depois de assumir formalmente o posto, Nunes disse que vai iniciar uma série de obras na cidade, conforme estabelecido no plano de metas. E acrescentou que sua prioridade é a melhoria de vida dos mais pobres.
“Temos duas cidades em uma só: a muito rica e a muito pobre. São 1,4 milhão de pessoas na pobreza e extrema pobreza. Metade dos alunos da rede municipal nessa mesma situação, e ainda alta no número de moradores de rua. O grande desafio, certamente, é reduzir a desigualdade social, é cuidar dos mais pobres”, afirmou.
Conforme Nunes, a Prefeitura definiu, pela primeira vez no plano plurianual de São Paulo, uma divisão de investimentos segundo as áreas mais vulneráveis.
Após um ano, ele listou realizações, como a entrega de nove unidades de pronto atendimento (UPAs) e 14 centros de atenção psicossocial (Caps), além do apoio da Câmara Municipal e o equilíbrio das contas.