Nos últimos dias, perfis ligados ao governo e à oposição disseminaram nas redes sociais informações falsas sobre as reuniões de Luciane Barbosa Farias, presidente de ONG ligada ao Comando Vermelho no Amazonas, com secretários do Ministério da Justiça. Revelado pelo Estadão na segunda-feira (13), o assunto dominou a conversa nas redes e foi usado intensamente pela oposição para criticar o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB) e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Algumas das versões falsas sobre o assunto partiram de políticos, como a presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), e o vereador paulistano Fernando Holiday (PL). Outras tiveram origem no próprio Ministério da Justiça – posicionamentos oficiais da pasta que depois se mostraram falsos. É o caso da alegação de que a pasta “não deu qualquer outro andamento” às demandas da ONG Liberdade do Amazonas – o que não procede, como mostrou o Estadão. Há ainda desinformação impulsionada por influenciadores ligados à esquerda.
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1 – “Luciane Barbosa foi ao Ministério da Justiça indicada pelo Governo do Amazonas”
O que disse o PT? – A distorção foi divulgada pela presidente nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), em um post no X (antigo Twitter) nesta quinta-feira (16). “Atacaram o ministro Flávio Dino e o Ministério dos Direitos Humanos por todos os lados, mentiram e no fim o governo do Amazonas confirma que a indicação da tal esposa do líder do CV para a audiência no MJ é estadual (...)”.
O que aconteceu – Luciane Barbosa Farias veio a Brasília para reuniões três vezes em 2023: em março, em maio e em novembro. Só a última viagem, quando ela teve as despesas pagas pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), se deu por indicação do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Amazonas (CEPCT-AM). As outras duas viagens, em março e maio, não tinham relação com o CEPCT-AM. Foi durante estas viagens que Luciane e sua comitiva estiveram no Ministério da Justiça: em março, com o Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério, Elias Vaz; e em maio, com o secretário nacional de políticas penais, Rafael Velasco Brandani.
2 – “Ministério da Justiça não deu andamento às demandas da ONG do CV”
O que disse o governo? – Em resposta à primeira reportagem do Estadão, o Ministério da Justiça enviou nota na qual afirmava que “não houve qualquer outro andamento” para os pedidos da ONG Liberdade do Amazonas, presidida por Luciane Barbosa Farias e financiada pelo contador do Comando Vermelho no Amazonas, Alexsandro Barbosa Fonseca.
O que aconteceu? – Ao contrário do que disse inicialmente a pasta, servidores do Ministério da Justiça abriram um procedimento interno e trabalharam durante dois meses e meio para responder às reivindicações da ONG Liberdade do Amazonas, conforme mostra o Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da pasta. A tramitação do processo teve início no dia 02 de maio, mesma data da reunião de Luciane com Rafael Velasco Brandani. Servidores do Ministério da Justiça chegaram a procurar a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) para responder a um questionamento levantado pela ONG.
3 – “Sem condenação, era impossível detectar ligação de Luciane com CV”
O que disse o ministro Flávio Dino – Ao participar de ato no Ceará, o ministro da Justiça sustentou que na época das reuniões com dois de seus subordinados, Luciane Farias ainda não tinha sido condenada em segunda instância.
O que aconteceu? – Uma simples busca na Internet revelaria a relação de Luciane Barbosa Farias com Clemilson dos Santos Farias, o “Tio Patinhas”, um dos líderes do CV no Amazonas. O nome dela aparece, por exemplo, em reportagem do dia 26 de janeiro de 2022 no Portal do Holanda, um dos principais de Manaus, sobre a soltura de “Tio Patinhas”. O título do texto é “Líder de facção criminosa no Amazonas, Tio Patinhas deixa a prisão”. Outro site local publicou a íntegra da decisão, com fartas informações sobre Luciane.
4 – “Flávio Dino se encontrou pessoalmente com a Dama do Tráfico”
O que disse Fernando Holiday – Depois da divulgação da notícia do Estadão sobre as audiências de Luciane Barbosa Farias no MJ, o vereador do PL em São Paulo Fernando Holiday publicou um vídeo no qual atribuía ao ministro um encontro com a “dama do tráfico”. “Flávio Dino mentiu ao dizer que nunca se reuniu com a ‘dama do tráfico’. A sua posição está insustentável’', dizia a legenda do vídeo. Ele apagou a publicação em seguida.
O que aconteceu – Dino nunca se encontrou pessoalmente ou posou para fotos com Luciane. Em entrevista a jornalistas, a mulher de Tio Patinhas disse, sem provar, ter visto Dino em Brasília, mas que não chegou a conversar com ele. Ela esteve em duas ocasiões no Ministério da Justiça e se reuniu com quatro servidores da pasta, incluindo os secretários Elias Vaz (assuntos legislativos) e Rafael Velasco (políticas penais). O gabinete de Vaz fica no mesmo andar que o de Flávio Dino. A mulher que aparece com Dino no vídeo de Holiday é, na verdade, a influenciadora digital Ví Álvares.
5 – “Próxima reportagem é sobre minha ligação com o PCC”
O que disse o ministro – Na terça-feira (14), depois da divulgação das primeiras reportagens sobre o caso, o ministro Flávio Dino disse em postagem no X (antigo Twitter) que foi “avisado por um jornalista que a próxima ‘notícia jornalística’ é que tenho ligações com o PCC”, referindo-se ao Primeiro Comando da Capital, a principal facção criminosa brasileira, de origem paulista. “Eu, ao mesmo tempo, tenho ‘ligações’ com o Comando Vermelho e com o PCC”, escreveu ele.
O que aconteceu – Ao contrário do que disse o ministro, não houve qualquer reportagem sobre uma suposta ligação dele com o PCC. Nos dias seguintes, o Estadão e outros veículos de imprensa detalham a agenda das viagens de Luciane a Brasília; o fato de que o MJ atuou para atender as demandas da ONG do Comando Vermelho; o fato de que a ONG e a advogada Janira Rocha receberam dinheiro do tráfico; e de que as passagens da última viagem de Luciane a Brasília foram pagas pelo Ministério dos Direitos Humanos. Mas nada sobre o PCC.
6 – “Venho sendo criminalizada pelo fato de ser esposa de um detento”
O que disse Luciane Barbosa? – Após o Estadão revelar as audiências de Luciane Barbosa no Ministério da Justiça, a ONG Instituto Liberdade do Amazonas divulgou uma nota dizendo que Luciane não é faccionada de nenhuma organização criminosa e que vem sofrendo retaliações por ser esposa de Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, apontado como chefe do Comando Vermelho.
O que aconteceu – Luciane Barbosa não é somente esposa de uma liderança do Comando Vermelho. De acordo com a decisão que a condenou em segunda instância, a mulher também é uma integrante da facção. Ela é acusada de ser o braço financeiro da organização criminosa. O Ministério Público do Amazonas descreve ainda Luciane como “comparsa” dos crimes do tráfico e que demonstrava “inteligência financeira” para lavar o dinheiro oriundo do crime. Por isso, ela – e não somente o marido – foi condenada a 10 anos de prisão por lavagem de dinheiro, associação ao tráfico e organização criminosa, apesar de recorrer em liberdade.