Comissão da Anistia muda decisão de Bolsonaro e reconhece perseguição política a dono da Panair


Celso da Rocha Miranda recebeu a anistia póstuma e um pedido de desculpas do Estado brasileiro; filha de seu sócio na aérea quer entrar com pedido idêntico no Ministério dos Direitos Humanos

Por Marcelo Godoy

Fazia mais de uma hora que a Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos estava reunida quando a presidente do órgão, a conselheira Eneá de Stutz e Almeida, proclamou o resultado da votação. Por nove votos a zero, o Estado reconhecia postumamente a condição de perseguido político do empresário Celso da Rocha Miranda, um dos proprietários da empresa aérea Panair do Brasil.

Rodolfo da Rocha Miranda durante um encontro anual de ex-funcionários da companhia aérea Panair, no Clube da Aeronáutica, no centro do Rio Foto: PAULO VITOR/AGÊNCIA ESTADO/AE

“Agradeço ao senhor por ter trazido a essa comissão da anistia a história do seu pai e da Panair. Quero pedir desculpas em nome do Estado brasileiro pela perseguição política à família dos senhores bem pela perseguição que os 5 mil funcionários da Panair do Brasil sofreram. Peço desculpas para que nunca mais aconteça esse tipo de situação”, afirmou Eneá. Ela se dirigia ao empresário Rodolfo da Rocha Miranda, de 74 anos, filho de Celso, que compareceu à sessão. Fora Rodolfo quem entrara com o pedido em 2014.

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A Panair do Brasil havia sido colocada no chão no dia 10 de fevereiro de 1965, quando era a maior empresa aérea do País. O regime militar suspendeu suas linhas aéreas e as repassou, em seguida, à Varig. Durante 58 anos, as famílias Rocha Miranda e Simonsen, controladoras da companhia, travaram batalhas na Justiça para limpar seus nomes e provar que os empresários Celso da Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen foram vítimas de perseguição política.

Ambos apoiavam o ex-presidente Juscelino Kubitschek (PSD), cassado pelos militares após o golpe de 1964. A proximidade com Juscelino atraiu a ira dos militares e de políticos, como o governador da Guanabara, Carlos Lacerda (UDN). Além de cassar as linhas da Panair, os militares desapropriaram três aeroportos da empresa – Belém, Fortaleza e Recife – e a companhia Celma, única então na América Latina a fazer a manutenção de turbinas de aviões. Por fim, pressionaram Simonsen a se desfazer da TV Excelsior, o canal 9 de São Paulo, além de confiscarem suas operações com café no exterior.

Rodolfo chorou na sessão ao se lembrar do pai. “Quando eu tinha 15 anos, meu pai chegou em casa e disse que a Panair tinha sido fechada. Meu pai sempre amou o País. Eu perguntei uma vez por que ele insistia tanto na Panair se ele tinha outras empresas e ele me disse: ‘Um dia você vai entender’. Minha mãe dizia que todos deviam saber o que é ser empresário em um País que não tem legislação que o proteja. Onde ou se é amigo do rei ou se é inimigo.”

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O empresário Celso da Rocha Miranda, em seu escritório, no Rio. Comissão de Anistia reconheceu perseguição política ao sócio da Panair do Brasil Foto: Arquivo Pessoal/Rodolfo da Rocha Miranda

Foi ele quem apresentou o pedido de anistia em nome do pai, em 2014. Não pediu um tostão ao governo. Não queria indenização financeira, apenas o resgate da honra de seu pai. Fundamentou o processo em duas caixas de documentos obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação com documentos sigilosos da Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA) que demonstrariam a perseguição política do regime sob o disfarce de uma devassa fiscal em razão de alegações de enriquecimento ilícito dos empresários.

“Estava esperando a publicação no Diário Oficial. Agora vamos estudar como fazer essa ação coletiva”, afirmou Rodolfo ao Estadão. Ele conseguiu levantar a falência da Panair, decretada em 1965, em 1995. Hoje, a empresa tem dois funcionários: o empresário e um advogado.

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Em 2020, a 14ª Vara Civil Federal do Rio reconheceu a perseguição política ao pai do empresário – falecido em 1986 – e indenizou a família em R$ 100 mil. O caso agora está no Tribunal Regional Federal da 2.ª Região. Rodolfo ainda ganhou na Justiça federal uma das ações de indenizações pelos aeroportos – o de Belém – e obteve R$ 50 milhões. As outras duas ações aguardam decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Mário Wallace Simonsen, um dos proprietários da Panair do Brasil e dono da TV Excelsior, e sua filha Marylou Simonsen no dia da festa de debutante da jovem, em Londres, na Inglaterra Foto: Arquivo Pessoal / Marylou Simonsen

O resultado do julgamento da anistia de Celso da Rocha Miranda incentivou outra herdeira da Panair a buscar o mesmo para a memória de seu pai. Trata-se de Marylou Simonsen, de 80 anos, a única filha viva do empresário Mário Simonsen. Seu pai morreu na Inglaterra, vitimado por um ataque cardíaco, pouco depois de saber da intervenção na Panair . “Eu era muito jovem. Já era casada e tinha duas filhas. Tomei horror a tudo isso e não queria fazer nada, mas agora vou entrar com a ação”, disse.

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Marylou quer que seja reconhecida a anistia de seu pai e a condição de perseguido político. “Todo nosso patrimônio foi bloqueado na época”, contou. A família se dividia então entre temporadas em Londres, em Orgeval (França), em Roma e no Brasil. “As lojas da Panair eram uma espécie de consulado informal do Brasil naquela época.” Marylou vai se reunir com os advogados e com Rodolfo para definir agora o que fará, se pedirá por a declaração de anistia de seu pai. “Ele era um pai maravilhoso e amava o Brasil.”

A filha do empresário contou que sempre teve receio de mexer nessa história. “Esse assunto gera muita ansiedade. Tenho três netos que são advogados. Eles estão acompanhando a causa. O que me emociona é o amor que têm pelo meu pai. O mais velho, quando tinha seis anos, me disse: ‘Eu vou ser advogado para que não façam com você o que fizeram com o vovô Mário”, contou. Recentemente, ela disse ao neto – Gianluca Farina, que tem 27 anos: ‘Agora você está cumprindo sua promessa que você me fez’.”

Revisão dos processos deve atingir até 4 mil casos negados por Jair Bolsonaro

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A decisão da comissão sobre a Panair tem vários significados. O primeiro é que ele reafirma a decisão do Ministério do Direitos Humanos de rever cerca de 4 mil processos de anistia que foram negados pelo governo Jair Bolsonaro. É que o caso de Celso da Rocha Miranda havia sido negado pela comissão durante a gestão de Bolsonaro. Na época, o órgão tinha entre seus integrantes o general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, conhecido por suas relações com o grupo terrorismo Nunca Mais, fundado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do 2º Exército.

Um Constellation da Panair do Brasil, no museu da TAM, em São Carlos (SP) Foto: TIAGO QUEIROZ/AE

Rocha Paiva negava a condição de perseguido político em casos como o da professora Cláudia de Arruda Campos, alegando que ela militara em uma organização terrorista. Seus votos despertaram o repúdio do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau. “Negar a indenização é uma afronta ao Supremo e um desrespeito às instituições”, afirmou. É que no entendimento do Supremo, a indenização aos perseguidos políticos era parte do acordo que levou ao reconhecimento da anistia aos militares que praticaram crimes durante o regime. Perdoa-se uns e indenizava-se os outros.

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Essa lógica foi quebrada pela comissão durante a gestão de Bolsonaro. O empresário Rodolfo Rocha Miranda não pediu reparação econômica, apenas o reconhecimento pela comissão de que seu pai sofrera perseguições políticas. E mesmo isso foi negado pela comissão. Rodolfo entrou então com um pedido de reconsideração em 2022, mesmo sabendo que teria poucas chances de reverter a decisão. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, a composição da comissão foi alterada. Rocha Paiva e outros bolsonaristas foram excluídos. Os casos passaram a ser reavaliados.

Uma outra novidade trazida pela atual gestão é a mudança no regimento interno da comissão que permitiu a apresentação de pedidos coletivos de anistia. É o que deve acontecer com os funcionários da Panair do Brasil. Rodolfo ainda mantém contato com cerca de três dezenas deles, que podem entrar com o pedido na comissão, conforme alertou a presidente do órgão durante a apreciação do caso de Rocha Miranda. “Eu agora posso dizer a eles por que a Panair do Brasil foi fechada”, afirmou Rodolfo.

Fazia mais de uma hora que a Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos estava reunida quando a presidente do órgão, a conselheira Eneá de Stutz e Almeida, proclamou o resultado da votação. Por nove votos a zero, o Estado reconhecia postumamente a condição de perseguido político do empresário Celso da Rocha Miranda, um dos proprietários da empresa aérea Panair do Brasil.

Rodolfo da Rocha Miranda durante um encontro anual de ex-funcionários da companhia aérea Panair, no Clube da Aeronáutica, no centro do Rio Foto: PAULO VITOR/AGÊNCIA ESTADO/AE

“Agradeço ao senhor por ter trazido a essa comissão da anistia a história do seu pai e da Panair. Quero pedir desculpas em nome do Estado brasileiro pela perseguição política à família dos senhores bem pela perseguição que os 5 mil funcionários da Panair do Brasil sofreram. Peço desculpas para que nunca mais aconteça esse tipo de situação”, afirmou Eneá. Ela se dirigia ao empresário Rodolfo da Rocha Miranda, de 74 anos, filho de Celso, que compareceu à sessão. Fora Rodolfo quem entrara com o pedido em 2014.

A Panair do Brasil havia sido colocada no chão no dia 10 de fevereiro de 1965, quando era a maior empresa aérea do País. O regime militar suspendeu suas linhas aéreas e as repassou, em seguida, à Varig. Durante 58 anos, as famílias Rocha Miranda e Simonsen, controladoras da companhia, travaram batalhas na Justiça para limpar seus nomes e provar que os empresários Celso da Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen foram vítimas de perseguição política.

Ambos apoiavam o ex-presidente Juscelino Kubitschek (PSD), cassado pelos militares após o golpe de 1964. A proximidade com Juscelino atraiu a ira dos militares e de políticos, como o governador da Guanabara, Carlos Lacerda (UDN). Além de cassar as linhas da Panair, os militares desapropriaram três aeroportos da empresa – Belém, Fortaleza e Recife – e a companhia Celma, única então na América Latina a fazer a manutenção de turbinas de aviões. Por fim, pressionaram Simonsen a se desfazer da TV Excelsior, o canal 9 de São Paulo, além de confiscarem suas operações com café no exterior.

Rodolfo chorou na sessão ao se lembrar do pai. “Quando eu tinha 15 anos, meu pai chegou em casa e disse que a Panair tinha sido fechada. Meu pai sempre amou o País. Eu perguntei uma vez por que ele insistia tanto na Panair se ele tinha outras empresas e ele me disse: ‘Um dia você vai entender’. Minha mãe dizia que todos deviam saber o que é ser empresário em um País que não tem legislação que o proteja. Onde ou se é amigo do rei ou se é inimigo.”

O empresário Celso da Rocha Miranda, em seu escritório, no Rio. Comissão de Anistia reconheceu perseguição política ao sócio da Panair do Brasil Foto: Arquivo Pessoal/Rodolfo da Rocha Miranda

Foi ele quem apresentou o pedido de anistia em nome do pai, em 2014. Não pediu um tostão ao governo. Não queria indenização financeira, apenas o resgate da honra de seu pai. Fundamentou o processo em duas caixas de documentos obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação com documentos sigilosos da Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA) que demonstrariam a perseguição política do regime sob o disfarce de uma devassa fiscal em razão de alegações de enriquecimento ilícito dos empresários.

“Estava esperando a publicação no Diário Oficial. Agora vamos estudar como fazer essa ação coletiva”, afirmou Rodolfo ao Estadão. Ele conseguiu levantar a falência da Panair, decretada em 1965, em 1995. Hoje, a empresa tem dois funcionários: o empresário e um advogado.

Em 2020, a 14ª Vara Civil Federal do Rio reconheceu a perseguição política ao pai do empresário – falecido em 1986 – e indenizou a família em R$ 100 mil. O caso agora está no Tribunal Regional Federal da 2.ª Região. Rodolfo ainda ganhou na Justiça federal uma das ações de indenizações pelos aeroportos – o de Belém – e obteve R$ 50 milhões. As outras duas ações aguardam decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Mário Wallace Simonsen, um dos proprietários da Panair do Brasil e dono da TV Excelsior, e sua filha Marylou Simonsen no dia da festa de debutante da jovem, em Londres, na Inglaterra Foto: Arquivo Pessoal / Marylou Simonsen

O resultado do julgamento da anistia de Celso da Rocha Miranda incentivou outra herdeira da Panair a buscar o mesmo para a memória de seu pai. Trata-se de Marylou Simonsen, de 80 anos, a única filha viva do empresário Mário Simonsen. Seu pai morreu na Inglaterra, vitimado por um ataque cardíaco, pouco depois de saber da intervenção na Panair . “Eu era muito jovem. Já era casada e tinha duas filhas. Tomei horror a tudo isso e não queria fazer nada, mas agora vou entrar com a ação”, disse.

Marylou quer que seja reconhecida a anistia de seu pai e a condição de perseguido político. “Todo nosso patrimônio foi bloqueado na época”, contou. A família se dividia então entre temporadas em Londres, em Orgeval (França), em Roma e no Brasil. “As lojas da Panair eram uma espécie de consulado informal do Brasil naquela época.” Marylou vai se reunir com os advogados e com Rodolfo para definir agora o que fará, se pedirá por a declaração de anistia de seu pai. “Ele era um pai maravilhoso e amava o Brasil.”

A filha do empresário contou que sempre teve receio de mexer nessa história. “Esse assunto gera muita ansiedade. Tenho três netos que são advogados. Eles estão acompanhando a causa. O que me emociona é o amor que têm pelo meu pai. O mais velho, quando tinha seis anos, me disse: ‘Eu vou ser advogado para que não façam com você o que fizeram com o vovô Mário”, contou. Recentemente, ela disse ao neto – Gianluca Farina, que tem 27 anos: ‘Agora você está cumprindo sua promessa que você me fez’.”

Revisão dos processos deve atingir até 4 mil casos negados por Jair Bolsonaro

A decisão da comissão sobre a Panair tem vários significados. O primeiro é que ele reafirma a decisão do Ministério do Direitos Humanos de rever cerca de 4 mil processos de anistia que foram negados pelo governo Jair Bolsonaro. É que o caso de Celso da Rocha Miranda havia sido negado pela comissão durante a gestão de Bolsonaro. Na época, o órgão tinha entre seus integrantes o general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, conhecido por suas relações com o grupo terrorismo Nunca Mais, fundado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do 2º Exército.

Um Constellation da Panair do Brasil, no museu da TAM, em São Carlos (SP) Foto: TIAGO QUEIROZ/AE

Rocha Paiva negava a condição de perseguido político em casos como o da professora Cláudia de Arruda Campos, alegando que ela militara em uma organização terrorista. Seus votos despertaram o repúdio do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau. “Negar a indenização é uma afronta ao Supremo e um desrespeito às instituições”, afirmou. É que no entendimento do Supremo, a indenização aos perseguidos políticos era parte do acordo que levou ao reconhecimento da anistia aos militares que praticaram crimes durante o regime. Perdoa-se uns e indenizava-se os outros.

Essa lógica foi quebrada pela comissão durante a gestão de Bolsonaro. O empresário Rodolfo Rocha Miranda não pediu reparação econômica, apenas o reconhecimento pela comissão de que seu pai sofrera perseguições políticas. E mesmo isso foi negado pela comissão. Rodolfo entrou então com um pedido de reconsideração em 2022, mesmo sabendo que teria poucas chances de reverter a decisão. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, a composição da comissão foi alterada. Rocha Paiva e outros bolsonaristas foram excluídos. Os casos passaram a ser reavaliados.

Uma outra novidade trazida pela atual gestão é a mudança no regimento interno da comissão que permitiu a apresentação de pedidos coletivos de anistia. É o que deve acontecer com os funcionários da Panair do Brasil. Rodolfo ainda mantém contato com cerca de três dezenas deles, que podem entrar com o pedido na comissão, conforme alertou a presidente do órgão durante a apreciação do caso de Rocha Miranda. “Eu agora posso dizer a eles por que a Panair do Brasil foi fechada”, afirmou Rodolfo.

Fazia mais de uma hora que a Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos estava reunida quando a presidente do órgão, a conselheira Eneá de Stutz e Almeida, proclamou o resultado da votação. Por nove votos a zero, o Estado reconhecia postumamente a condição de perseguido político do empresário Celso da Rocha Miranda, um dos proprietários da empresa aérea Panair do Brasil.

Rodolfo da Rocha Miranda durante um encontro anual de ex-funcionários da companhia aérea Panair, no Clube da Aeronáutica, no centro do Rio Foto: PAULO VITOR/AGÊNCIA ESTADO/AE

“Agradeço ao senhor por ter trazido a essa comissão da anistia a história do seu pai e da Panair. Quero pedir desculpas em nome do Estado brasileiro pela perseguição política à família dos senhores bem pela perseguição que os 5 mil funcionários da Panair do Brasil sofreram. Peço desculpas para que nunca mais aconteça esse tipo de situação”, afirmou Eneá. Ela se dirigia ao empresário Rodolfo da Rocha Miranda, de 74 anos, filho de Celso, que compareceu à sessão. Fora Rodolfo quem entrara com o pedido em 2014.

A Panair do Brasil havia sido colocada no chão no dia 10 de fevereiro de 1965, quando era a maior empresa aérea do País. O regime militar suspendeu suas linhas aéreas e as repassou, em seguida, à Varig. Durante 58 anos, as famílias Rocha Miranda e Simonsen, controladoras da companhia, travaram batalhas na Justiça para limpar seus nomes e provar que os empresários Celso da Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen foram vítimas de perseguição política.

Ambos apoiavam o ex-presidente Juscelino Kubitschek (PSD), cassado pelos militares após o golpe de 1964. A proximidade com Juscelino atraiu a ira dos militares e de políticos, como o governador da Guanabara, Carlos Lacerda (UDN). Além de cassar as linhas da Panair, os militares desapropriaram três aeroportos da empresa – Belém, Fortaleza e Recife – e a companhia Celma, única então na América Latina a fazer a manutenção de turbinas de aviões. Por fim, pressionaram Simonsen a se desfazer da TV Excelsior, o canal 9 de São Paulo, além de confiscarem suas operações com café no exterior.

Rodolfo chorou na sessão ao se lembrar do pai. “Quando eu tinha 15 anos, meu pai chegou em casa e disse que a Panair tinha sido fechada. Meu pai sempre amou o País. Eu perguntei uma vez por que ele insistia tanto na Panair se ele tinha outras empresas e ele me disse: ‘Um dia você vai entender’. Minha mãe dizia que todos deviam saber o que é ser empresário em um País que não tem legislação que o proteja. Onde ou se é amigo do rei ou se é inimigo.”

O empresário Celso da Rocha Miranda, em seu escritório, no Rio. Comissão de Anistia reconheceu perseguição política ao sócio da Panair do Brasil Foto: Arquivo Pessoal/Rodolfo da Rocha Miranda

Foi ele quem apresentou o pedido de anistia em nome do pai, em 2014. Não pediu um tostão ao governo. Não queria indenização financeira, apenas o resgate da honra de seu pai. Fundamentou o processo em duas caixas de documentos obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação com documentos sigilosos da Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA) que demonstrariam a perseguição política do regime sob o disfarce de uma devassa fiscal em razão de alegações de enriquecimento ilícito dos empresários.

“Estava esperando a publicação no Diário Oficial. Agora vamos estudar como fazer essa ação coletiva”, afirmou Rodolfo ao Estadão. Ele conseguiu levantar a falência da Panair, decretada em 1965, em 1995. Hoje, a empresa tem dois funcionários: o empresário e um advogado.

Em 2020, a 14ª Vara Civil Federal do Rio reconheceu a perseguição política ao pai do empresário – falecido em 1986 – e indenizou a família em R$ 100 mil. O caso agora está no Tribunal Regional Federal da 2.ª Região. Rodolfo ainda ganhou na Justiça federal uma das ações de indenizações pelos aeroportos – o de Belém – e obteve R$ 50 milhões. As outras duas ações aguardam decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Mário Wallace Simonsen, um dos proprietários da Panair do Brasil e dono da TV Excelsior, e sua filha Marylou Simonsen no dia da festa de debutante da jovem, em Londres, na Inglaterra Foto: Arquivo Pessoal / Marylou Simonsen

O resultado do julgamento da anistia de Celso da Rocha Miranda incentivou outra herdeira da Panair a buscar o mesmo para a memória de seu pai. Trata-se de Marylou Simonsen, de 80 anos, a única filha viva do empresário Mário Simonsen. Seu pai morreu na Inglaterra, vitimado por um ataque cardíaco, pouco depois de saber da intervenção na Panair . “Eu era muito jovem. Já era casada e tinha duas filhas. Tomei horror a tudo isso e não queria fazer nada, mas agora vou entrar com a ação”, disse.

Marylou quer que seja reconhecida a anistia de seu pai e a condição de perseguido político. “Todo nosso patrimônio foi bloqueado na época”, contou. A família se dividia então entre temporadas em Londres, em Orgeval (França), em Roma e no Brasil. “As lojas da Panair eram uma espécie de consulado informal do Brasil naquela época.” Marylou vai se reunir com os advogados e com Rodolfo para definir agora o que fará, se pedirá por a declaração de anistia de seu pai. “Ele era um pai maravilhoso e amava o Brasil.”

A filha do empresário contou que sempre teve receio de mexer nessa história. “Esse assunto gera muita ansiedade. Tenho três netos que são advogados. Eles estão acompanhando a causa. O que me emociona é o amor que têm pelo meu pai. O mais velho, quando tinha seis anos, me disse: ‘Eu vou ser advogado para que não façam com você o que fizeram com o vovô Mário”, contou. Recentemente, ela disse ao neto – Gianluca Farina, que tem 27 anos: ‘Agora você está cumprindo sua promessa que você me fez’.”

Revisão dos processos deve atingir até 4 mil casos negados por Jair Bolsonaro

A decisão da comissão sobre a Panair tem vários significados. O primeiro é que ele reafirma a decisão do Ministério do Direitos Humanos de rever cerca de 4 mil processos de anistia que foram negados pelo governo Jair Bolsonaro. É que o caso de Celso da Rocha Miranda havia sido negado pela comissão durante a gestão de Bolsonaro. Na época, o órgão tinha entre seus integrantes o general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, conhecido por suas relações com o grupo terrorismo Nunca Mais, fundado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do 2º Exército.

Um Constellation da Panair do Brasil, no museu da TAM, em São Carlos (SP) Foto: TIAGO QUEIROZ/AE

Rocha Paiva negava a condição de perseguido político em casos como o da professora Cláudia de Arruda Campos, alegando que ela militara em uma organização terrorista. Seus votos despertaram o repúdio do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau. “Negar a indenização é uma afronta ao Supremo e um desrespeito às instituições”, afirmou. É que no entendimento do Supremo, a indenização aos perseguidos políticos era parte do acordo que levou ao reconhecimento da anistia aos militares que praticaram crimes durante o regime. Perdoa-se uns e indenizava-se os outros.

Essa lógica foi quebrada pela comissão durante a gestão de Bolsonaro. O empresário Rodolfo Rocha Miranda não pediu reparação econômica, apenas o reconhecimento pela comissão de que seu pai sofrera perseguições políticas. E mesmo isso foi negado pela comissão. Rodolfo entrou então com um pedido de reconsideração em 2022, mesmo sabendo que teria poucas chances de reverter a decisão. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, a composição da comissão foi alterada. Rocha Paiva e outros bolsonaristas foram excluídos. Os casos passaram a ser reavaliados.

Uma outra novidade trazida pela atual gestão é a mudança no regimento interno da comissão que permitiu a apresentação de pedidos coletivos de anistia. É o que deve acontecer com os funcionários da Panair do Brasil. Rodolfo ainda mantém contato com cerca de três dezenas deles, que podem entrar com o pedido na comissão, conforme alertou a presidente do órgão durante a apreciação do caso de Rocha Miranda. “Eu agora posso dizer a eles por que a Panair do Brasil foi fechada”, afirmou Rodolfo.

Fazia mais de uma hora que a Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos estava reunida quando a presidente do órgão, a conselheira Eneá de Stutz e Almeida, proclamou o resultado da votação. Por nove votos a zero, o Estado reconhecia postumamente a condição de perseguido político do empresário Celso da Rocha Miranda, um dos proprietários da empresa aérea Panair do Brasil.

Rodolfo da Rocha Miranda durante um encontro anual de ex-funcionários da companhia aérea Panair, no Clube da Aeronáutica, no centro do Rio Foto: PAULO VITOR/AGÊNCIA ESTADO/AE

“Agradeço ao senhor por ter trazido a essa comissão da anistia a história do seu pai e da Panair. Quero pedir desculpas em nome do Estado brasileiro pela perseguição política à família dos senhores bem pela perseguição que os 5 mil funcionários da Panair do Brasil sofreram. Peço desculpas para que nunca mais aconteça esse tipo de situação”, afirmou Eneá. Ela se dirigia ao empresário Rodolfo da Rocha Miranda, de 74 anos, filho de Celso, que compareceu à sessão. Fora Rodolfo quem entrara com o pedido em 2014.

A Panair do Brasil havia sido colocada no chão no dia 10 de fevereiro de 1965, quando era a maior empresa aérea do País. O regime militar suspendeu suas linhas aéreas e as repassou, em seguida, à Varig. Durante 58 anos, as famílias Rocha Miranda e Simonsen, controladoras da companhia, travaram batalhas na Justiça para limpar seus nomes e provar que os empresários Celso da Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen foram vítimas de perseguição política.

Ambos apoiavam o ex-presidente Juscelino Kubitschek (PSD), cassado pelos militares após o golpe de 1964. A proximidade com Juscelino atraiu a ira dos militares e de políticos, como o governador da Guanabara, Carlos Lacerda (UDN). Além de cassar as linhas da Panair, os militares desapropriaram três aeroportos da empresa – Belém, Fortaleza e Recife – e a companhia Celma, única então na América Latina a fazer a manutenção de turbinas de aviões. Por fim, pressionaram Simonsen a se desfazer da TV Excelsior, o canal 9 de São Paulo, além de confiscarem suas operações com café no exterior.

Rodolfo chorou na sessão ao se lembrar do pai. “Quando eu tinha 15 anos, meu pai chegou em casa e disse que a Panair tinha sido fechada. Meu pai sempre amou o País. Eu perguntei uma vez por que ele insistia tanto na Panair se ele tinha outras empresas e ele me disse: ‘Um dia você vai entender’. Minha mãe dizia que todos deviam saber o que é ser empresário em um País que não tem legislação que o proteja. Onde ou se é amigo do rei ou se é inimigo.”

O empresário Celso da Rocha Miranda, em seu escritório, no Rio. Comissão de Anistia reconheceu perseguição política ao sócio da Panair do Brasil Foto: Arquivo Pessoal/Rodolfo da Rocha Miranda

Foi ele quem apresentou o pedido de anistia em nome do pai, em 2014. Não pediu um tostão ao governo. Não queria indenização financeira, apenas o resgate da honra de seu pai. Fundamentou o processo em duas caixas de documentos obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação com documentos sigilosos da Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA) que demonstrariam a perseguição política do regime sob o disfarce de uma devassa fiscal em razão de alegações de enriquecimento ilícito dos empresários.

“Estava esperando a publicação no Diário Oficial. Agora vamos estudar como fazer essa ação coletiva”, afirmou Rodolfo ao Estadão. Ele conseguiu levantar a falência da Panair, decretada em 1965, em 1995. Hoje, a empresa tem dois funcionários: o empresário e um advogado.

Em 2020, a 14ª Vara Civil Federal do Rio reconheceu a perseguição política ao pai do empresário – falecido em 1986 – e indenizou a família em R$ 100 mil. O caso agora está no Tribunal Regional Federal da 2.ª Região. Rodolfo ainda ganhou na Justiça federal uma das ações de indenizações pelos aeroportos – o de Belém – e obteve R$ 50 milhões. As outras duas ações aguardam decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Mário Wallace Simonsen, um dos proprietários da Panair do Brasil e dono da TV Excelsior, e sua filha Marylou Simonsen no dia da festa de debutante da jovem, em Londres, na Inglaterra Foto: Arquivo Pessoal / Marylou Simonsen

O resultado do julgamento da anistia de Celso da Rocha Miranda incentivou outra herdeira da Panair a buscar o mesmo para a memória de seu pai. Trata-se de Marylou Simonsen, de 80 anos, a única filha viva do empresário Mário Simonsen. Seu pai morreu na Inglaterra, vitimado por um ataque cardíaco, pouco depois de saber da intervenção na Panair . “Eu era muito jovem. Já era casada e tinha duas filhas. Tomei horror a tudo isso e não queria fazer nada, mas agora vou entrar com a ação”, disse.

Marylou quer que seja reconhecida a anistia de seu pai e a condição de perseguido político. “Todo nosso patrimônio foi bloqueado na época”, contou. A família se dividia então entre temporadas em Londres, em Orgeval (França), em Roma e no Brasil. “As lojas da Panair eram uma espécie de consulado informal do Brasil naquela época.” Marylou vai se reunir com os advogados e com Rodolfo para definir agora o que fará, se pedirá por a declaração de anistia de seu pai. “Ele era um pai maravilhoso e amava o Brasil.”

A filha do empresário contou que sempre teve receio de mexer nessa história. “Esse assunto gera muita ansiedade. Tenho três netos que são advogados. Eles estão acompanhando a causa. O que me emociona é o amor que têm pelo meu pai. O mais velho, quando tinha seis anos, me disse: ‘Eu vou ser advogado para que não façam com você o que fizeram com o vovô Mário”, contou. Recentemente, ela disse ao neto – Gianluca Farina, que tem 27 anos: ‘Agora você está cumprindo sua promessa que você me fez’.”

Revisão dos processos deve atingir até 4 mil casos negados por Jair Bolsonaro

A decisão da comissão sobre a Panair tem vários significados. O primeiro é que ele reafirma a decisão do Ministério do Direitos Humanos de rever cerca de 4 mil processos de anistia que foram negados pelo governo Jair Bolsonaro. É que o caso de Celso da Rocha Miranda havia sido negado pela comissão durante a gestão de Bolsonaro. Na época, o órgão tinha entre seus integrantes o general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, conhecido por suas relações com o grupo terrorismo Nunca Mais, fundado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do 2º Exército.

Um Constellation da Panair do Brasil, no museu da TAM, em São Carlos (SP) Foto: TIAGO QUEIROZ/AE

Rocha Paiva negava a condição de perseguido político em casos como o da professora Cláudia de Arruda Campos, alegando que ela militara em uma organização terrorista. Seus votos despertaram o repúdio do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau. “Negar a indenização é uma afronta ao Supremo e um desrespeito às instituições”, afirmou. É que no entendimento do Supremo, a indenização aos perseguidos políticos era parte do acordo que levou ao reconhecimento da anistia aos militares que praticaram crimes durante o regime. Perdoa-se uns e indenizava-se os outros.

Essa lógica foi quebrada pela comissão durante a gestão de Bolsonaro. O empresário Rodolfo Rocha Miranda não pediu reparação econômica, apenas o reconhecimento pela comissão de que seu pai sofrera perseguições políticas. E mesmo isso foi negado pela comissão. Rodolfo entrou então com um pedido de reconsideração em 2022, mesmo sabendo que teria poucas chances de reverter a decisão. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, a composição da comissão foi alterada. Rocha Paiva e outros bolsonaristas foram excluídos. Os casos passaram a ser reavaliados.

Uma outra novidade trazida pela atual gestão é a mudança no regimento interno da comissão que permitiu a apresentação de pedidos coletivos de anistia. É o que deve acontecer com os funcionários da Panair do Brasil. Rodolfo ainda mantém contato com cerca de três dezenas deles, que podem entrar com o pedido na comissão, conforme alertou a presidente do órgão durante a apreciação do caso de Rocha Miranda. “Eu agora posso dizer a eles por que a Panair do Brasil foi fechada”, afirmou Rodolfo.

Fazia mais de uma hora que a Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos estava reunida quando a presidente do órgão, a conselheira Eneá de Stutz e Almeida, proclamou o resultado da votação. Por nove votos a zero, o Estado reconhecia postumamente a condição de perseguido político do empresário Celso da Rocha Miranda, um dos proprietários da empresa aérea Panair do Brasil.

Rodolfo da Rocha Miranda durante um encontro anual de ex-funcionários da companhia aérea Panair, no Clube da Aeronáutica, no centro do Rio Foto: PAULO VITOR/AGÊNCIA ESTADO/AE

“Agradeço ao senhor por ter trazido a essa comissão da anistia a história do seu pai e da Panair. Quero pedir desculpas em nome do Estado brasileiro pela perseguição política à família dos senhores bem pela perseguição que os 5 mil funcionários da Panair do Brasil sofreram. Peço desculpas para que nunca mais aconteça esse tipo de situação”, afirmou Eneá. Ela se dirigia ao empresário Rodolfo da Rocha Miranda, de 74 anos, filho de Celso, que compareceu à sessão. Fora Rodolfo quem entrara com o pedido em 2014.

A Panair do Brasil havia sido colocada no chão no dia 10 de fevereiro de 1965, quando era a maior empresa aérea do País. O regime militar suspendeu suas linhas aéreas e as repassou, em seguida, à Varig. Durante 58 anos, as famílias Rocha Miranda e Simonsen, controladoras da companhia, travaram batalhas na Justiça para limpar seus nomes e provar que os empresários Celso da Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen foram vítimas de perseguição política.

Ambos apoiavam o ex-presidente Juscelino Kubitschek (PSD), cassado pelos militares após o golpe de 1964. A proximidade com Juscelino atraiu a ira dos militares e de políticos, como o governador da Guanabara, Carlos Lacerda (UDN). Além de cassar as linhas da Panair, os militares desapropriaram três aeroportos da empresa – Belém, Fortaleza e Recife – e a companhia Celma, única então na América Latina a fazer a manutenção de turbinas de aviões. Por fim, pressionaram Simonsen a se desfazer da TV Excelsior, o canal 9 de São Paulo, além de confiscarem suas operações com café no exterior.

Rodolfo chorou na sessão ao se lembrar do pai. “Quando eu tinha 15 anos, meu pai chegou em casa e disse que a Panair tinha sido fechada. Meu pai sempre amou o País. Eu perguntei uma vez por que ele insistia tanto na Panair se ele tinha outras empresas e ele me disse: ‘Um dia você vai entender’. Minha mãe dizia que todos deviam saber o que é ser empresário em um País que não tem legislação que o proteja. Onde ou se é amigo do rei ou se é inimigo.”

O empresário Celso da Rocha Miranda, em seu escritório, no Rio. Comissão de Anistia reconheceu perseguição política ao sócio da Panair do Brasil Foto: Arquivo Pessoal/Rodolfo da Rocha Miranda

Foi ele quem apresentou o pedido de anistia em nome do pai, em 2014. Não pediu um tostão ao governo. Não queria indenização financeira, apenas o resgate da honra de seu pai. Fundamentou o processo em duas caixas de documentos obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação com documentos sigilosos da Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA) que demonstrariam a perseguição política do regime sob o disfarce de uma devassa fiscal em razão de alegações de enriquecimento ilícito dos empresários.

“Estava esperando a publicação no Diário Oficial. Agora vamos estudar como fazer essa ação coletiva”, afirmou Rodolfo ao Estadão. Ele conseguiu levantar a falência da Panair, decretada em 1965, em 1995. Hoje, a empresa tem dois funcionários: o empresário e um advogado.

Em 2020, a 14ª Vara Civil Federal do Rio reconheceu a perseguição política ao pai do empresário – falecido em 1986 – e indenizou a família em R$ 100 mil. O caso agora está no Tribunal Regional Federal da 2.ª Região. Rodolfo ainda ganhou na Justiça federal uma das ações de indenizações pelos aeroportos – o de Belém – e obteve R$ 50 milhões. As outras duas ações aguardam decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Mário Wallace Simonsen, um dos proprietários da Panair do Brasil e dono da TV Excelsior, e sua filha Marylou Simonsen no dia da festa de debutante da jovem, em Londres, na Inglaterra Foto: Arquivo Pessoal / Marylou Simonsen

O resultado do julgamento da anistia de Celso da Rocha Miranda incentivou outra herdeira da Panair a buscar o mesmo para a memória de seu pai. Trata-se de Marylou Simonsen, de 80 anos, a única filha viva do empresário Mário Simonsen. Seu pai morreu na Inglaterra, vitimado por um ataque cardíaco, pouco depois de saber da intervenção na Panair . “Eu era muito jovem. Já era casada e tinha duas filhas. Tomei horror a tudo isso e não queria fazer nada, mas agora vou entrar com a ação”, disse.

Marylou quer que seja reconhecida a anistia de seu pai e a condição de perseguido político. “Todo nosso patrimônio foi bloqueado na época”, contou. A família se dividia então entre temporadas em Londres, em Orgeval (França), em Roma e no Brasil. “As lojas da Panair eram uma espécie de consulado informal do Brasil naquela época.” Marylou vai se reunir com os advogados e com Rodolfo para definir agora o que fará, se pedirá por a declaração de anistia de seu pai. “Ele era um pai maravilhoso e amava o Brasil.”

A filha do empresário contou que sempre teve receio de mexer nessa história. “Esse assunto gera muita ansiedade. Tenho três netos que são advogados. Eles estão acompanhando a causa. O que me emociona é o amor que têm pelo meu pai. O mais velho, quando tinha seis anos, me disse: ‘Eu vou ser advogado para que não façam com você o que fizeram com o vovô Mário”, contou. Recentemente, ela disse ao neto – Gianluca Farina, que tem 27 anos: ‘Agora você está cumprindo sua promessa que você me fez’.”

Revisão dos processos deve atingir até 4 mil casos negados por Jair Bolsonaro

A decisão da comissão sobre a Panair tem vários significados. O primeiro é que ele reafirma a decisão do Ministério do Direitos Humanos de rever cerca de 4 mil processos de anistia que foram negados pelo governo Jair Bolsonaro. É que o caso de Celso da Rocha Miranda havia sido negado pela comissão durante a gestão de Bolsonaro. Na época, o órgão tinha entre seus integrantes o general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, conhecido por suas relações com o grupo terrorismo Nunca Mais, fundado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do 2º Exército.

Um Constellation da Panair do Brasil, no museu da TAM, em São Carlos (SP) Foto: TIAGO QUEIROZ/AE

Rocha Paiva negava a condição de perseguido político em casos como o da professora Cláudia de Arruda Campos, alegando que ela militara em uma organização terrorista. Seus votos despertaram o repúdio do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau. “Negar a indenização é uma afronta ao Supremo e um desrespeito às instituições”, afirmou. É que no entendimento do Supremo, a indenização aos perseguidos políticos era parte do acordo que levou ao reconhecimento da anistia aos militares que praticaram crimes durante o regime. Perdoa-se uns e indenizava-se os outros.

Essa lógica foi quebrada pela comissão durante a gestão de Bolsonaro. O empresário Rodolfo Rocha Miranda não pediu reparação econômica, apenas o reconhecimento pela comissão de que seu pai sofrera perseguições políticas. E mesmo isso foi negado pela comissão. Rodolfo entrou então com um pedido de reconsideração em 2022, mesmo sabendo que teria poucas chances de reverter a decisão. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, a composição da comissão foi alterada. Rocha Paiva e outros bolsonaristas foram excluídos. Os casos passaram a ser reavaliados.

Uma outra novidade trazida pela atual gestão é a mudança no regimento interno da comissão que permitiu a apresentação de pedidos coletivos de anistia. É o que deve acontecer com os funcionários da Panair do Brasil. Rodolfo ainda mantém contato com cerca de três dezenas deles, que podem entrar com o pedido na comissão, conforme alertou a presidente do órgão durante a apreciação do caso de Rocha Miranda. “Eu agora posso dizer a eles por que a Panair do Brasil foi fechada”, afirmou Rodolfo.

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