BRASÍLIA — A obstrução de deputados governistas impediu que a Comissão da Família aprovasse um projeto de lei que, como efeito, barra o aborto legal no Brasil. A proposta, de autoria da deputada Chris Tonietto (PL-RJ), assegura que a “personalidade civil” de um pessoa começa “desde a sua concepção”. Ou seja, se a partir da fecundação já há o reconhecimento civil não poderia ser admitida a interrupção da gravidez, alegam os governistas que se opõe à proposta. A votação foi adiada para a próxima terça-feira, 31.
O esforço de deputados do PSOL passou por pautar sucessivos requerimentos de inversão de pauta relativos a outras matérias — entre elas, uma moção de repúdio aos estudantes da Universidade Santo Amaro, que fizeram uma masturbação coletiva, um projeto que susta decretos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e outro que altera os benefícios da Previdência.
O governo contou com o “apoio” do deputado bolsonarista Delegado Éder Mauro (PL-PA) — não integrante da comissão —, que pediu sucessivas questões de ordem e fez intervenções para provocar e responder falas de deputados do PSOL. “Ele resolveu obstruir”, brincou uma parlamentar governista, reservadamente. A sessão, que se alongou por quase 3h30 foi interrompida no final da tarde em razão da ordem do dia sem que a votação chegasse a ser iniciada.
Ao reconhecer o direito civil de um feto, apontam juristas e deputados da oposição, seria possível impedir os casos em que a legislação brasileira permite o aborto. Hoje, o Código Civil define que os direitos são reconhecidos pelo Estado a partir do “nascimento com vida”. A legislação permite a interrupção da gestação em casos de fetos com má formação do cérebro, quando a gravidez coloca a vida da gestante em risco e em casos de estupro.
Tonietto disse que a proposta é de “suma importância” e visa impedir a “inviabilização” da vida de fetos. “Nascituro é pessoa, nós sabemos, bebê no ventre materno não pode ser simplesmente inviabilizado como muitos tentam fazer. Ainda mais os promotores da cultura da morte que desejam a flexibilização de tudo aquilo que traz o aborto para o nosso território”, afirmou.
“O bebê no ventre materno continua sendo uma pessoa. Então nós precisamos buscar salvar as duas vidas, a dignidade das duas vidas. Não podemos invisibilizar a pessoa do embrião. Nós não podemos aniquilar esses direitos”, prosseguiu Tonietto ao longo da discussão. A autora do projeto explicou que um dos motivos de elaborar a proposta foi minar a ação do PSOL ao Supremo que tenta ampliar os direitos de aborto. “Esse partido que tem representação no Congresso Nacional parece que não respeita o Parlamento. A gente quer trazer luz onde há trevas”, afirmou. “Isso (o projeto) antagoniza com a narrativa.”
A Suprema Corte analisa a descriminalização do aborto em casos de gestação até 12 semanas. A ministra Rosa Weber, do STF, abriu a votação antes de se aposentar, a favor de descriminalizar. O novo presidente, ministro Luís Roberto Barroso, diz não ter prazo para o tema voltar à pauta de julgamentos.
Caso aprovada, proposta agora irá para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara antes de ir ao plenário. A deputada Erika Kokay (PT-DF) apresentou um pedido para que o projeto vá para a Comissão de Direitos Humanos. Caberá a mesa diretora da Casa avaliar.
A comissão, presidida por Fernando Rodolfo (PL-PE), reforça a campanha a favor da agenda conservadora e quer se consolidar no Congresso como a linha de frente do debate sobre a pauta de costumes. Semanas atrás, o colegiado aprovou um projeto de lei que proíbe o casamento homoafetivo. O movimento foi antecipado pelo Estadão.
“Essa comissão virou o chorume do bolsonarismo”, disse a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) Ela afirmouque o projeto é “estapafúrdio”. “A deputada quer obrigar uma menina vítima de estupro parir, quer que o estuprador seja a figura do pai, ela quer proibir a fertilização in vitro, quer proibir a pílula do dia seguinte.”