BRASÍLIA — Comissão especial da Câmara deve aprovar nesta quarta-feira, 13, uma proposta de emenda constitucional que concede a maior anistia já vista para partidos e políticos que cometeram irregularidades eleitorais. Esse é o quarto indulto movido pelo Congresso Nacional em menos de 30 anos, mas o texto é o mais amplo. A proposta é alvo de críticas de dezenas de organizações da sociedade civil, de transparência eleitoral e de combate à corrupção.
O texto diz que não incidirá sanções “de qualquer natureza” para partidos que apresentaram irregularidades na prestação de contas das legendas apresentadas antes da promulgação da emenda constitucional. Isso quer dizer que todas as multas e recolhimentos de valores podem ser perdoadas. O valor pode chegar a quase R$ 23 bilhões.
A proposta, que já passou pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, em abril, limita as sanções financeiras aplicáveis pela Justiça Eleitoral a 10% do montante mensal recebido do Fundo Partidário e amplia a anistia não só aos partidos, mas às suas fundações e institutos.
Há também a tentativa de anistiar os partidos que não cumpriram as cotas de candidaturas de negros e mulheres. Esse trecho da proposta repete a estratégia adotada em outra anistia, de abril de 2022.
Naquela data, o Congresso aprovou emenda à Constituição que perdoou partidos que não usaram os recursos destinados às campanhas femininas na eleição de 2020, propondo novamente o adiamento do cumprimento da porcentagem mínima de 30% do repasse do fundo eleitoral a candidaturas femininas.
O texto impede que sejam aplicadas sanções de perda de mandato de candidatas ou candidatos que não tenham preenchido a cota de gênero caso a decisão implique na redução no número de candidatas eleitas. Ou seja, desde que haja uma única mulher eleita a mais, a fraude não trará consequências.
Essa mesma passagem estava presente no texto da minirreforma eleitoral — iniciativa da Câmara que flexibiliza a transparência nos pleitos e retira a obrigatoriedade de cassação de chapa em caso de compra de votos. O trecho foi removido após pressão interna de integrantes do grupo de trabalho, mas agora aparece de forma praticamente idêntica na PEC da Anistia.
Hoje é preciso que partidos apresentem pelo menos 30% de candidaturas totais de mulheres. A minirreforma também quer que a proporcionalidade seja feita em relação ao número nacional. Isto é que o total de mulheres candidatas represente um terço de todas as candidaturas de um partido no País.
O novo texto ainda delimita que partidos devem ceder 20% dos recursos do fundo eleitoral a candidatos negros. A jurisprudência atual do TSE fala que o repasse há de ser proporcional. Isto é, se há 40% de candidaturas negras, 40% dos recursos devem ser destinados ao grupo. Em 2022, pretos e pardos compuseram 49,49% de todos os pleitos.
O relator da PEC na Comissão Especial, deputado Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP), justificou a medida por ser “exequível”. “É um sistema simples, de fácil compreensão por todos, e, principalmente, exequível”, afirmou.
O relator ainda argumenta que a PEC nasceu “da constatação de dificuldades vividas pelos partidos” para se adaptar a regras de distribuição de recursos e que as siglas “enfrentaram e continuam enfrentando dificuldades no cumprimento das regras de ações afirmativas”.
Neste caso, nas próximas eleições, candidatos negros deverão ter metade do montante que deve ser recebido reduzido por causa da PEC. Em uma carta enviada nesta terça-feira por mais de 50 organizações da sociedade civil ao presidente da Câmara, Arthur Lira, o grupo fala que a aprovação seria uma “inaceitável irresponsabilidade” do Congresso Nacional.
“A PEC promove o exato oposto (da transparência, integridade e equidade nos partidos). Aprová-la, portanto, configuraria uma inaceitável irresponsabilidade do Congresso”, diz a carta. “Reitera-se que, aprovada desse modo, a proposta consolidará a total impunidade aos partidos políticos pelo descumprimento de determinações legais.”
A PEC teve o apoio de líderes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro. Há cinco parlamentares do PT que são titulares na comissão especial: Reginaldo Lopes (MG), Odair Cunha (MG), Kiko Celeguim (SP), Jilmar Tatto (SP) e Washington Quaquá (RJ). O PL tem seis: André Fernandes (CE), Antonio Carlos Rodrigues (SP), Bia Kicis (DF), Detinha (MA), Filipe Barros (PR), Rosângela Reis (MG).
Apenas o PSOL e o Novo fizeram oposição à pauta. “A PEC 9 é uma anistia dada pela Câmara dos Deputados para perdoar partidos que desrespeitaram as regras que eles mesmos votaram”, disse o deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ).