O ditador Vladimir Putin é o maior interessado nas ameaças de guerra da Venezuela contra a Guiana. Sequer é preciso que seu aliado venezuelano, Nicolás Maduro, de fato invada o país vizinho. Basta a confusão já instalada para cumprir alguns dos objetivos do russo na América Latina: desestabilizar aliados e interesses econômicos dos Estados Unidos, reavivar temores históricos de interferência americana e abrir espaço para a influência geopolítica da Rússia na região. No longo prazo, a meta é acelerar o declínio do poderio americano e instalar uma ordem “multipolar” dominada por autocracias.
Oficialmente, Moscou se apresenta contra uma escalada bélica entre Venezuela e Guiana. “Nós conclamamos as partes a se abster de qualquer ação que possa desequilibrar a situação e causar danos mútuos”, disse uma porta-voz da chancelaria russa na sexta-feira, 8. A parceria estratégica existente entre Rússia e Venezuela, porém, não permite tal neutralidade. O intercâmbio militar é apenas um de seus aspectos. No mês passado, foi anunciado um plano conjunto para restaurar a produção diária de petróleo que as estatais russa e venezuelana tinham até alguns anos atrás. Além disso, os dois países estão ampliando a integração de um sistema de pagamento digital para contornar sanções internacionais e eliminar a dependência do dólar em transações externas.
Nos bastidores, a Rússia já vem estimulando as tensões entre Venezuela e Guiana há muito tempo por meio da sua máquina de desinformação e agitação cibernética na América Latina. A história que vem sendo contada há vários meses nos serviços noticiosos russos em espanhol, como RT e Sputnik News, é a de que a ameaça de conflito parte da Guiana contra a Venezuela, com incentivo dos Estados Unidos e da petroleira ExxonMobil (que detém as outorgas de exploração na região disputada), não o contrário. Maduro, segundo a versão nos canais oficiais russos, está apenas “defendendo o território de Essequibo”.
Veículos parceiros dos russos na região, como Telesur, Pressenza e El Ciudadano, entre outros, replicam a mensagem acima, incrementada com informações mais claramente fraudulentas e com pseudoanálises acusatórias, como a que discorre sobre uma “geoeconomia da ocupação” americana em Essequibo ou de uma suposta conspiração entre ExxonMobil e o Pentágono. Eventualmente, esses conteúdos distorcidos furam a bolha e são reproduzidos na imprensa tradicional, adquirindo legitimidade.
Além disso, o som dos tambores de uma guerra Venezuela-Guiana chega a um grande número de latino-americanos pelas redes sociais, amplificado por influenciadores digitais, acadêmicos radicais de esquerda e de direita (alguns voluntários, outros financiados pela Rússia) e perfis anônimos. No TikTok, por exemplo, há contas com viés pró-Rússia com dezenas de milhares de seguidores, inclusive em português, que diariamente postam vídeos falsos ou informações distorcidas dando a entender que o conflito na fronteira com o Brasil é iminente e que mercenários russos do grupo Wagner já estão em ação na região.
É um erro negligenciar a capacidade das estratégias de guerra híbrida da Rússia de desestabilizar a América do Sul — o que vai contra também os interesses brasileiros.