BRASÍLIA - Marisa Letícia sempre exerceu forte influência sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem foi casada durante quase 43 anos. No Palácio do Planalto, auxiliares de Lula diziam que, quando ele tinha uma dúvida sobre qualquer assunto, ouvia a opinião de Marisa.
Discreta, mas dona de temperamento explosivo, a ex-primeira-dama da República tentou o quanto pôde impedir que conversas sobre política invadissem os fins de semana com o marido, filhos e netos. Não era obedecida à risca, mas, teimosa, batia o pé até o fim.
“Proíbo mesmo. E também filtro ligações telefônicas. Notícia ruim, à noite, fica para o dia seguinte”, dizia ela.
As notícias ruins, porém, começaram a se avolumar após a deflagração da Operação Lava Jato, em 2014. Lula virou réu em cinco ações penais, três das quais ligadas à Lava Jato. Em setembro do ano passado, o juiz Sérgio Moro aceitou uma denúncia contra Marisa, mas argumentou haver “dúvidas relevantes” sobre o envolvimento dela no “esquema criminoso” da Petrobrás.
Um mês antes, em agosto, a ex-primeira-dama já havia sido indiciada pela Polícia Federal, ao lado de Lula, no caso que investigou a propriedade do triplex construído pela cooperativa Bancoop, em Guarujá. O imóvel recebeu reformas da OAS, uma das acusadas de participar da corrupção na Petrobrás.
Marisa Letícia Lula da Silva
A defesa de Marisa alegou que, apesar de adquirir uma cota da Bancoop no passado, ela optou por receber o dinheiro de volta após a transferência do empreendimento para a OAS.
As denúncias, no entanto, não pararam aí. Em laudo, a Polícia Federal afirmou que Lula e a mulher também orientaram reformas de mais de R$ 1 milhão, pagas por empreiteiras, no sítio de Atibaia (SP). O casal sempre negou a propriedade do imóvel.
Amigos relatam que, nos últimos dias, Marisa não escondia o nervosismo. Temia a prisão de Lula e de seus filhos Fábio Luiz e Luiz Cláudio. “Você dorme e não sabe o que vai acontecer no outro dia”, afirmava. Hipertensa, teve pico de pressão que chegou a 23 por 12 em 24 de janeiro, quando sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e foi internada no hospital Sírio Libanês.
Marisa descobriu o aneurisma no cérebro ainda no primeiro mandato de Lula, em 2006. Fazia exames de rotina, para controle. Recentemente, no entanto, descuidou-se da saúde. Fumava muito e levava vida sedentária, fato que lhe rendeu várias broncas de Lula, adepto dos exercícios físicos.
Galega. O ex-presidente costumava dizer que a companheira de toda a vida tinha sido “pai e mãe” de seus quatro filhos – a conta não inclui Lurian, fruto de outro relacionamento, que nunca morou com o casal. Chamada por Lula de “galega”, Marisa – neta de imigrantes italianos – dizia que eram cinco rebentos, já que o marido virava uma “criança” quando a família estava reunida.
“Quando o Lula foi preso, em 1980, eu tinha medo de que ele desaparecesse”, admitiu a ex-primeira-dama numa entrevista ao Estado, publicada pouco antes da primeira eleição do petista ao Planalto, em 2002.
Foi Marisa quem costurou a primeira bandeira do PT, em fevereiro de 1980. “Eu tinha guardado um tecido vermelho, italiano. Costurei a estrela branca no fundo vermelho. Ficou lindo.”
Eram tempos em que o PT engatinhava, sem escândalos, como porta-voz de dias melhores. “Começamos a estampar camisetas para arrecadar fundos. Vendíamos uma para comprar duas. Estampava a estrelinha, vendia, comprava mais. Foi assim que começou o PT”, lembrava ela.
A primeira polêmica envolvendo Marisa, que levou as festas juninas para o Palácio da Alvorada, começou ainda no primeiro mandato de Lula. Nos jardins da residência oficial, ela mandou plantar sálvias vermelhas desenhando a estrela do PT. Repetiu a ordem para decorar o gramado da Granja do Torto. A atitude foi definida pela oposição como “símbolo do aparelhamento do Estado”.
Diante das críticas, Marisa retirou a estrela de quatro metros de diâmetro do Alvorada, em 2005, ano em que estourou o mensalão. O canteiro petista permaneceu no Torto, porém, até a posse de Dilma Rousseff, em 2011.
A portas fechadas, a ex-primeira-dama não escondia a contrariedade com Dilma, especialmente quando a então presidente lançou sua candidatura à reeleição, em 2014, ignorando o movimento “Volta, Lula” no PT. Marisa achava que era o marido, e não a afilhada dele, quem deveria ter subido a rampa do Planalto. Além disso, em conversas reservadas, responsabilizava Dilma por grande parte da desgraça que se abateu sobre o ex-presidente, o PT e sua família.
Lula e Marisa se conheceram no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo. Os dois eram viúvos. A mulher dele tinha morrido no parto, junto com o filho. O marido dela havia sido assassinado quando fazia uma corrida de táxi. Marisa estava grávida na época da tragédia.
A história dos dois chegou às telas dos cinemas. Lula “enrolou” o quanto pode para carimbar uma papelada levada por ela ao sindicato, necessária para receber a pensão do marido morto. Fez de tudo para ver Marisa de novo até aparecer na casa dela – que morava com a mãe e o filho Marcos Cláudio, de quase três anos –, a bordo de um Volkswagen TL azul turquesa. Sete meses depois, estavam casados. “Quando Lula quer uma coisa, ele consegue”, comentava.
A mulher que aos 9 anos foi babá e dos 13 aos 21 embalou bombons na fábrica de chocolates Dulcora, em São Bernardo, também trabalhou como funcionária na rede municipal de ensino, mas deixou tudo para cuidar dos filhos. Queria ser professora. Chegou a primeira-dama da República.
Nunca perdeu, porém, o medo de andar de barco. “Meu amor, confie em mim. Se eu for sozinho e o barco afundar, vai ser pior para mim. Nem morto conseguirei ficar longe de você. Se o barco afundar, morremos juntos. A vida não terá mais graça para nós se um morrer e o outro ficar”, disse Lula a Marisa, em 2002, quando se preparava para entrar num barco da Marinha e visitar uma colônia de pescadores, no Rio. Ela foi.