BRASÍLIA - Líderes do Congresso preparam a apresentação de um projeto de resolução para mudar as regras do orçamento secreto e evitar que o esquema seja considerado inconstitucional e derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A presidente do STF, ministra Rosa Weber, marcou para esta quarta-feira, 7, o julgamento de ações que questionam o pagamento das emendas secretas, reveladas pelo Estadão, para compra de apoio político pelo governo Jair Bolsonaro no Congresso Nacional.
Deputados e senadores querem manter o mecanismo em 2023. O projeto de Orçamento do próximo ano reserva R$ 19,4 bilhões para essas emendas. O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) negocia a formação de uma base no Congresso e já foi avisado de que, sem o orçamento secreto, dificilmente tomará posse com um clima favorável na Câmara e no Senado.
Uma minuta foi preparada para tentar convencer ministros do STF a aceitarem a manutenção do orçamento secreto sob novas regras. A proposta distribui os recursos entre bancadas e parlamentares proporcionalmente ao tamanho dos partidos na Câmara e no Senado. Além disso, carimba a metade das verbas para saúde e assistência social.
Atualmente, a distribuição fica sob controle dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), conforme os acordos feitos internamente e sem transparência, definindo os parlamentares que serão privilegiados. O governo, por sua vez, controla os pagamentos liberando o dinheiro em troca de apoio político no Legislativo.
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Na prática funciona assim: o deputado pede ao governo para enviar dinheiro a uma prefeitura de um aliado e determina o que deve ser comprado com o valor sem qualquer estudo que indique que a cidade realmente precisa daquele bem público. Como mostrou o Estadão, o bem é comprado com sobrepreço, razão pela qual os políticos têm interesse em esconder que estão por trás dessa compra. Assim, cidades brasileiras receberam até quatro caminhões de lixo superpotentes sem ter sequer produção suficiente de resíduos para enchê-los ou qualquer política pública de descarte.
No ano passado, o Congresso aprovou uma proposta para fixar as emendas secretas no Orçamento da União, autorizando os recursos com valor equivalente à soma das emendas impositivas, estas autorizadas pela Constituição, o que garantiu R$ 19,4 bilhões para o ano que vem. As verbas continuaram a ser pagas sem que o nome de todos os parlamentares padrinhos das emendas sejam divulgados.
Agora, um novo projeto é articulado na Câmara e no Senado para manter o esquema, sob o pretexto de dar transparência às emendas e aprimorar as regras.
O assunto foi discutido em uma reunião fechada entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), deputado Celso Sabino (União-PA), o relator do Orçamento de 2022, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), e o relator do Orçamento de 2023, Marcelo Castro (MDB-PI), na manhã desta segunda-feira, 5, na residência oficial de Lira.
A distribuição proporcional é uma demanda de deputados e senadores para manter o orçamento secreto. A proposta foi citada pelo líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), aliado de Lira, em entrevista ao Estadão em outubro. Na ocasião, o deputado disse que, se o Supremo derrubasse as emendas, o Congresso iria cortar o Orçamento do STF, que depende da aprovação dos palamentares.
Lira escalou uma tropa de choque na Câmara, que inclui líderes do Centrão, para defender o orçamento secreto e a prerrogativa de parlamentares definirem para onde vão os recursos da União. “E quem faz o orçamento do STF? Aí ele vai tirar o orçamento da gente e a gente vai aceitar? Se tirar o nosso, a gente tira o deles”, disse Elmar na entrevista.
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva prometeu revogar o orçamento secreto durante a campanha eleitoral, mas recuou nas críticas e passou a negociar a manutenção dos pagamentos em 2023, em troca da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição e da formação de base no Congresso a partir de janeiro. Durante a campanha, Lula classificou o esquema como “vergonhoso”.
Plano B
O plano B de dirigentes do Congresso, se os ministros do STF não se convencerem, é usar a PEC da Transição, apresentada por Lula para aumentar as despesas em 2023, e incluir esse mecanismo de forma definitiva na Constituição.
Ao incluir o modelo na Constituição, as emendas de relator, que recebem o carimbo de RP9 e formam a base do orçamento secreto, receberiam status constitucional para irrigar verbas de interesse dos deputados e senadores.
Além do status constitucional, o Centrão ameaça tornar a liberação impositiva, ou seja, obrigando o governo a pagar os recursos sem cortes, como acontece hoje com as emendas individuais e de bancada. O líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), defendeu a medida em entrevista ao Estadão em novembro.
O Congresso preparou ainda outro plano para garantir os recursos se o Supremo derrubar o mecanismo no julgamento. É transferir a verba para as emendas de comissão, indicadas por cada comissão permanente da Câmara e do Senado, como Saúde, Educação e Infraestrutura, e carimbada com o código RP8.
Nas emendas de comissão, há regras mais rígidas para inclusão no Orçamento, como necessidade de bancar despesas de caráter nacional, alinhadas com as políticas públicas de cada área e aprovação pelos membros de cada colegiado no Congresso.
Ainda assim, os recursos podem atender solicitações individuais de deputados e senadores, como acontece hoje com o orçamento secreto, o que manteria o esquema.
“Como eu não vou mais poder fazer emendas de relator, se o Supremo proibir, eu vou utilizar esse valor em algum lugar e muito provavelmente será em emenda de comissão”, disse o relator do Orçamento de 2023, Marcelo Castro, ao Estadão.