BRASÍLIA - O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), avisou na sexta-feira, 26, o presidente Jair Bolsonaro de que o Congresso não dará trégua enquanto não houver a troca do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Contrariado com as insistentes cobranças para demitir o chanceler, Bolsonaro foi conversar com Pacheco na residência oficial do Senado, mas admitiu disposição de dispensar agora somente o assessor especial para Assuntos Internacionais, Filipe Martins.
O senador disse ao presidente, porém, que essa mudança não será suficiente para apaziguar os ânimos porque há uma avaliação generalizada de que Araújo é responsável pelo fracasso das negociações internacionais para a compra de vacinas contra a covid-19. Bolsonaro discorda e não quer agir sob pressão, ainda mais depois que o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), deu a ele um ultimato.
O Estadão apurou, no entanto, que a sobrevida de Araújo não deve durar muito. Nos bastidores, a ala militar do governo tenta convencer o presidente a substituir o chanceler, e não apenas transferir Martins para outro cargo, como ele planeja. O movimento de entregar a cabeça do assessor seria justamente para segurar o ministro.
Na quarta-feira, quando Araújo participava de uma audiência no Senado, Martins fez um gesto considerado ofensivo. No momento em que Pacheco falava, o assessor de Bolsonaro formou um círculo com o polegar unido ao indicador e deixou os outros três dedos esticados. Senadores associaram a atitude ao símbolo de supremacistas brancos, já que o gesto representaria as letras WP (White Power). Martins negou e disse que estava apenas ajeitando o paletó. A atitude é objeto de investigação pela Polícia Legislativa do Senado.
Bolsonaro chegou para a conversa com Pacheco logo após o senador ter feito o primeiro encontro virtual com governadores para tratar das ações que serão tomadas pelo comitê nacional de enfrentamento à covid-19. A reunião foi marcada por críticas ao modelo do comitê criado nesta semana, um ano após o início da pandemia, e cobranças por mais vacinas e leitos.
Na avaliação de governadores, apesar do discurso de “união nacional”, o presidente continua em confronto com medidas adotadas por Estados e municípios, como o distanciamento social. Araújo, por sua vez, é visto por governadores e prefeitos como um ministro que tem atrapalhado as iniciativas de combate ao coronavírus.
Após o encontro com Bolsonaro, Pacheco afirmou que pediu ao presidente mudanças para fazer o Ministério das Relações Exteriores funcionar. “A permanência ou a saída do ministro, de qualquer que seja ele, cabe ao presidente. O que nos cabe (...) é cobrar e fiscalizar as ações do ministério”, argumentou. “E consideramos que a política externa do Brasil ainda está falha, precisa ser corrigida. É preciso melhorar a relação com os demais países, inclusive com a China, porque é o maior parceiro comercial do Brasil”.
Crítico de Bolsonaro e seu possível adversário na eleição de 2022, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), não participou da reunião com Pacheco. Doria escalou para o encontro o vice-governador Rodrigo Garcia. No mesmo horário, o tucano dava entrevista para anunciar o desenvolvimento de uma vacina produzida em São Paulo pelo Instituto Butantan. No ano passado, Bolsonaro chegou a se referir à Coronavac como “a vacina chinesa do Doria”.