Contrato de R$ 59 milhões para internet da Starlink, de Musk, vira alvo de investigações no Amazonas


Governo do Estado afirma que a licitação está em fase de recurso e há “possibilidade” de desclassificação da empresa que venceu o pregão; edital para 1,6 mil escolas públicas tem suspeita de direcionamento e de ‘jogo de planilhas’

Por Vinícius Valfré e Julia Affonso
Atualização:

BRASÍLIA – O Ministério Público e o Tribunal de Contas do Amazonas investigam uma compra de R$ 59 milhões em kits de internet adquiridos pelo governo amazonense. Pelas especificações da licitação apenas a Starlink, do empresário Elon Musk, poderia atender a demanda. O contrato é alvo de duas frentes de investigações por suspeitas de direcionamento e de “jogo de planilhas” em favor de um empresário revendedor da tecnologia de Musk no Amazonas. O pregão está em fase de apreciação de recursos, mas características do edital e a desclassificação da empresa que ofereceu o menor preço levaram os órgãos de fiscalização a iniciarem as apurações.

Procurado pelo Estadão durante três semanas, o governo do Amazonas se manifestou após a publicação da reportagem nesta segunda-feira, 30. O Executivo afirma que a licitação está em fase de recurso e há “possibilidade” de desclassificação da empresa que venceu o pregão. O empresário Ronaldo Tiradentes, que revende a Starlink, diz desconhecer as investigações e que ofereceu o menor preço. A Space X, empresa que opera a rede de satélites Starlink, não se pronunciou.

Ronaldo Tiradentes (à dir.) em teste de velocidade após ser classificado em licitação do governo do Amazonas para vender internet da Starlink para escolas Foto: Reprodução/CSC-Governo do Amazonas
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A gestão do governador Wilson Lima (União Brasil) realizou, desde junho, duas licitações para comprar internet para escolas públicas. O primeiro certame foi cancelado em agosto depois que o procurador-geral de Justiça do Amazonas, Alberto Rodrigues do Nascimento Júnior, pediu a correção das “ilegalidades apresentadas” no edital. Eram exigidos, no mesmo processo, dois serviços sem relação entre si: internet para escolas e um subcanal de TV para transmissão de aulas.

O MP entendeu que “casar” os dois serviços limitava a concorrência. Atualmente, o canal de TV e a internet, por meio de uma tecnologia que não a de Elon Musk, são prestados ao governo amazonense pela empresa Via Direta, do empresário Ronaldo Tiradentes, dono de empresas de telecomunicações e rádios no Amazonas. Os contratos vigentes vencem em dezembro de 2023 e junho de 2024, e o empresário pleiteia a continuidade da relação com a administração pública.

Com o aval de Musk para se apresentar como revendedor autorizado desde o início do ano, Tiradentes diz que acompanha a trajetória da Starlink desde 2019.

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Recomendação do Ministério Público do Amazonas para anular edital que previa compra de internet para escolas, após encontrar "ilegalidades" Foto: Reprodução

Pouco após o cancelamento, o governo do Amazonas lançou outro pregão, este exclusivo para contratar internet para 1.600 escolas pelo período de um ano. Pela modalidade escolhida pela administração cada uma das sete empresas interessadas deveria oferecer preços sem uma referência.

No pregão, a Via Direta LTDA pediu R$ 59.251.200,00 pelo serviço. O preço era o terceiro menor, mas ela venceu a disputa depois que as empresas que ofereceram os dois melhores preços foram desclassificadas.

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O menor foi oferecido pela Cristiane Maria Medeiros Mendonça LTDA, R$ 26.880.000,00. A própria firma, porém, uma microempresa de Manaus criada em 2019, retirou-se da disputa alegando ter cometido um erro. O Estadão teve acesso ao diálogo entre os representantes das empresas com o pregoeiro no dia da oferta dos lances.

“Aconteceu um equívoco na fase de lances. Equivocadamente, por nervosismo, lançamos um número errado que tornou nossa proposta inexequível. Favor desconsiderar toda a minha proposta”, disse representante da empresa.

Representante de empresa que ofereceu menor preço em pregão para internet do governo do Amazonas diz, no sistema de oferta de lances, que cometeu equívoco por "nervosismo" Foto: Reprodução
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A segunda menor proposta foi oferecida pela Sencinet Brasil Serviços de Telecomunicações LTDA, de R$ 45.120.000,00. O serviço licitado era dividido em três itens: a manutenção, a antena e o plano de dados. Durante a oferta de lances, o pregoeiro pediu para que a Sencinet aplicasse um desconto de 87% no terceiro item. A empresa se recusou a reduzir o valor.

“Nosso preço global está no limite e entendemos que está dentro do orçamento global. Para reduzir o valor do item 3, seria necessário subir os valores dos demais itens. É importante ressaltar que não há contratação individual de cada item e todos compõem uma solução única”, frisou o representante da empresa.

Por não oferecer o desconto, a empresa acabou desclassificada.

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O pregoeiro então selecionou a Via Direta, apesar do preço R$ 14,1 milhões superior ao da Sencinet. Antes de consolidada a vitória da empresa de Ronaldo Tiradentes, o pregoeiro perguntou se ele teria “interesse em negociar o lote 1″. A resposta foi negativa e a empresa saiu vitoriosa da disputa mesmo assim.

“Não podemos reduzir porque conhecemos as peculiaridades da região, as dificuldades de acesso para instalação e manutenção do equipamento. Nós estamos no nosso limite”, alegou.

Empresa é desclassificada após se recusar a dar desconto de 87% em um dos itens do pregão de internet para escolas do governo do Amazonas Foto: Reprodução
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A reportagem do Estadão pede, desde o dia 6 de outubro, esclarecimentos ao governo do Amazonas sobre o porquê da exigência de desconto para uma das empresas e sobre o motivo de ter optado pela Via Direta, com preço maior. Não houve respostas até a publicação da reportagem. A licitação já teve a parte de testes do serviço concluída e está em fase de análise dos recursos.

Nesta segunda-feira, 30, o Governo do Amazonas afirmou que o pregão eletrônico “está em andamento” e, por isso, há “possibilidade de convocação de licitantes remanescentes com eventual inabilitação ou desclassificação do licitante declarado vencedor”. (Leia mais abaixo)

Mesmo antes da assinatura do contrato, o Tribunal de Contas do Amazonas e o Ministério Público do Amazonas têm providências paralelas em curso. A conselheira Yara Amazônia Lins Rodrigues dos Santos, da Corte de Contas, acolheu uma representação apresentada ao tribunal, em decisão de 19 de outubro.

A denúncia acolhida e que está sob investigação aponta um “jogo de planilhas”, – quando uma empresa só é capaz de oferecer aquele valor se tiver uma informação prévia sobre o esquema.

No MP, tramita um procedimento administrativo sigiloso para “fiscalizar as políticas públicas relacionadas à educação e tecnologias digitais”. Procurado pela reportagem, o Ministério Público informou que “o processo está sob sigilo, impossibilitando detalhes”.

O empresário Ronaldo Tiradentes, representante de Musk, afirmou à reportagem que não tem conhecimento das investigações citadas e que “apresentou impugnação ao recurso das perdedoras” no edital em curso e “provou que tem o menor preço”.

O empresário Ronaldo Tiradentes, revendedor da Starlink, em frente a endereço da empresa de Elon Musk, nos Estados Unidos Foto: Ronaldo Tiradentes via Facebook

O empresário também se apresenta como jornalista e advogado. No Amazonas, tem um programa de TV por meio do qual costuma atacar adversários na política e nos negócios.

Publicação no Instagram do empresário e jornalista Ronaldo Tiradentes Foto: @ronaldotiradentes via Instagram

Licitações na Amazônia têm requisitos só atendidos pela Starlink

O edital do governo do Amazonas exige uma velocidade de 200 megabits por segundo (mbps), considerada alta para o mercado de satélites, e ainda uma latência máxima de 100 milissegundos (ms). A latência significa o tempo que os dados demoram para serem transferidos pela rede.

Só os satélites de Elon Musk atendem esses requisitos. Como ficam mais “próximos” da superfície da Terra, oferecem tempo de resposta menor e mais velocidade. Outras empresas de satélite, nacionais e internacionais, afirmam que podem oferecer serviços com qualidade no Norte do Brasil e veem favorecimento para as poucas empresas autorizadas a revender Starlink.

As mesmas exigências de velocidade e latência apareceram em licitações do governo do Amazonas, do governo do Pará e da prefeitura de Manaus. Na capital amazonense, a Via Direta arrematou um dos principais lotes, de R$ 9,8 milhões. A licitação do Pará está suspensa para “reanálise técnica”.

Todas as gestões regionais foram procurados pela reportagem para explicar o porquê dos 200 mbps com 100 ms de latência.

Em nota, a Secretaria de Educação do Pará informou que “as necessidades para a implementação de tecnologia no estado são diferenciadas” e que “buscou a melhor solução em custo-benefício para atender às recomendações do Grupo Interinstitucional de Conectividade para Educação, respeitando o princípio de economicidade e do interesse da administração pública”.

Sobre esse item, o governo do Amazonas chegou a se manifestar, ainda em setembro, antes de ser questionado sobre peculiaridades do edital. A secretaria estadual de Educação do Amazonas destacou que os “parâmetros expostos visam atender as necessidades das aulas de mediação tecnológica, trabalhos administrativos e acessos a ambientes virtuais de aprendizagem”.

A prefeitura de Manaus disse que “a necessidade de uma velocidade de 200 mbps é para atender atividades pedagógicas e administrativas, como reunião online, plataforma de streams, cursos de capacitação EAD, entre outras que são disponibilizados para servidores e alunos”.

O Governo do Amazonas informou nesta segunda-feira, 30, após a publicação da reportagem, que o pregão eletrônico “está em andamento” (fase de recursos) e, por isso, há “possibilidade de convocação de licitantes remanescentes com eventual inabilitação ou desclassificação do licitante declarado vencedor”.

O Executivo amazonense registrou que desclassificou a proponente que não ofereceu desconto em um dos itens adquiridos pelo Estado por causa de regras do edital. Segundo o governo, as empresas deveria “ter todos os valores da sua proposta abaixo do valor estimado em todos os itens”.

“A empresa estava com o seu preço acima do estimado em um dos itens. Foi informada dessa situação, foi chamada para negociar e oferecer outro valor, mas se negou a fazê-lo. Dessa forma, foi desclassificada conforme regras do edital, as quais as licitantes tinham inteiro conhecimento”, afirmou.

Desclassificada por não oferecer um desconto, a Sencinet afirmou ao Estadão que não foi convidada pelo governo para apresentar proposta na fase de montagem do orçamento. Mesmo assim, apresentou o menor preço global e exequível. “O preço do item de conectividade questionado pelo pregoeiro para que se enquadrasse no orçamento teria que ser R$166 com impostos para uma franquia de 2 TB (terabytes) do plano empresarial. Esse preço não faz sentido, já que o plano residencial de 1 TB de franquia custa R$ 239″, afirmou.

BRASÍLIA – O Ministério Público e o Tribunal de Contas do Amazonas investigam uma compra de R$ 59 milhões em kits de internet adquiridos pelo governo amazonense. Pelas especificações da licitação apenas a Starlink, do empresário Elon Musk, poderia atender a demanda. O contrato é alvo de duas frentes de investigações por suspeitas de direcionamento e de “jogo de planilhas” em favor de um empresário revendedor da tecnologia de Musk no Amazonas. O pregão está em fase de apreciação de recursos, mas características do edital e a desclassificação da empresa que ofereceu o menor preço levaram os órgãos de fiscalização a iniciarem as apurações.

Procurado pelo Estadão durante três semanas, o governo do Amazonas se manifestou após a publicação da reportagem nesta segunda-feira, 30. O Executivo afirma que a licitação está em fase de recurso e há “possibilidade” de desclassificação da empresa que venceu o pregão. O empresário Ronaldo Tiradentes, que revende a Starlink, diz desconhecer as investigações e que ofereceu o menor preço. A Space X, empresa que opera a rede de satélites Starlink, não se pronunciou.

Ronaldo Tiradentes (à dir.) em teste de velocidade após ser classificado em licitação do governo do Amazonas para vender internet da Starlink para escolas Foto: Reprodução/CSC-Governo do Amazonas

A gestão do governador Wilson Lima (União Brasil) realizou, desde junho, duas licitações para comprar internet para escolas públicas. O primeiro certame foi cancelado em agosto depois que o procurador-geral de Justiça do Amazonas, Alberto Rodrigues do Nascimento Júnior, pediu a correção das “ilegalidades apresentadas” no edital. Eram exigidos, no mesmo processo, dois serviços sem relação entre si: internet para escolas e um subcanal de TV para transmissão de aulas.

O MP entendeu que “casar” os dois serviços limitava a concorrência. Atualmente, o canal de TV e a internet, por meio de uma tecnologia que não a de Elon Musk, são prestados ao governo amazonense pela empresa Via Direta, do empresário Ronaldo Tiradentes, dono de empresas de telecomunicações e rádios no Amazonas. Os contratos vigentes vencem em dezembro de 2023 e junho de 2024, e o empresário pleiteia a continuidade da relação com a administração pública.

Com o aval de Musk para se apresentar como revendedor autorizado desde o início do ano, Tiradentes diz que acompanha a trajetória da Starlink desde 2019.

Recomendação do Ministério Público do Amazonas para anular edital que previa compra de internet para escolas, após encontrar "ilegalidades" Foto: Reprodução

Pouco após o cancelamento, o governo do Amazonas lançou outro pregão, este exclusivo para contratar internet para 1.600 escolas pelo período de um ano. Pela modalidade escolhida pela administração cada uma das sete empresas interessadas deveria oferecer preços sem uma referência.

No pregão, a Via Direta LTDA pediu R$ 59.251.200,00 pelo serviço. O preço era o terceiro menor, mas ela venceu a disputa depois que as empresas que ofereceram os dois melhores preços foram desclassificadas.

O menor foi oferecido pela Cristiane Maria Medeiros Mendonça LTDA, R$ 26.880.000,00. A própria firma, porém, uma microempresa de Manaus criada em 2019, retirou-se da disputa alegando ter cometido um erro. O Estadão teve acesso ao diálogo entre os representantes das empresas com o pregoeiro no dia da oferta dos lances.

“Aconteceu um equívoco na fase de lances. Equivocadamente, por nervosismo, lançamos um número errado que tornou nossa proposta inexequível. Favor desconsiderar toda a minha proposta”, disse representante da empresa.

Representante de empresa que ofereceu menor preço em pregão para internet do governo do Amazonas diz, no sistema de oferta de lances, que cometeu equívoco por "nervosismo" Foto: Reprodução

A segunda menor proposta foi oferecida pela Sencinet Brasil Serviços de Telecomunicações LTDA, de R$ 45.120.000,00. O serviço licitado era dividido em três itens: a manutenção, a antena e o plano de dados. Durante a oferta de lances, o pregoeiro pediu para que a Sencinet aplicasse um desconto de 87% no terceiro item. A empresa se recusou a reduzir o valor.

“Nosso preço global está no limite e entendemos que está dentro do orçamento global. Para reduzir o valor do item 3, seria necessário subir os valores dos demais itens. É importante ressaltar que não há contratação individual de cada item e todos compõem uma solução única”, frisou o representante da empresa.

Por não oferecer o desconto, a empresa acabou desclassificada.

O pregoeiro então selecionou a Via Direta, apesar do preço R$ 14,1 milhões superior ao da Sencinet. Antes de consolidada a vitória da empresa de Ronaldo Tiradentes, o pregoeiro perguntou se ele teria “interesse em negociar o lote 1″. A resposta foi negativa e a empresa saiu vitoriosa da disputa mesmo assim.

“Não podemos reduzir porque conhecemos as peculiaridades da região, as dificuldades de acesso para instalação e manutenção do equipamento. Nós estamos no nosso limite”, alegou.

Empresa é desclassificada após se recusar a dar desconto de 87% em um dos itens do pregão de internet para escolas do governo do Amazonas Foto: Reprodução

A reportagem do Estadão pede, desde o dia 6 de outubro, esclarecimentos ao governo do Amazonas sobre o porquê da exigência de desconto para uma das empresas e sobre o motivo de ter optado pela Via Direta, com preço maior. Não houve respostas até a publicação da reportagem. A licitação já teve a parte de testes do serviço concluída e está em fase de análise dos recursos.

Nesta segunda-feira, 30, o Governo do Amazonas afirmou que o pregão eletrônico “está em andamento” e, por isso, há “possibilidade de convocação de licitantes remanescentes com eventual inabilitação ou desclassificação do licitante declarado vencedor”. (Leia mais abaixo)

Mesmo antes da assinatura do contrato, o Tribunal de Contas do Amazonas e o Ministério Público do Amazonas têm providências paralelas em curso. A conselheira Yara Amazônia Lins Rodrigues dos Santos, da Corte de Contas, acolheu uma representação apresentada ao tribunal, em decisão de 19 de outubro.

A denúncia acolhida e que está sob investigação aponta um “jogo de planilhas”, – quando uma empresa só é capaz de oferecer aquele valor se tiver uma informação prévia sobre o esquema.

No MP, tramita um procedimento administrativo sigiloso para “fiscalizar as políticas públicas relacionadas à educação e tecnologias digitais”. Procurado pela reportagem, o Ministério Público informou que “o processo está sob sigilo, impossibilitando detalhes”.

O empresário Ronaldo Tiradentes, representante de Musk, afirmou à reportagem que não tem conhecimento das investigações citadas e que “apresentou impugnação ao recurso das perdedoras” no edital em curso e “provou que tem o menor preço”.

O empresário Ronaldo Tiradentes, revendedor da Starlink, em frente a endereço da empresa de Elon Musk, nos Estados Unidos Foto: Ronaldo Tiradentes via Facebook

O empresário também se apresenta como jornalista e advogado. No Amazonas, tem um programa de TV por meio do qual costuma atacar adversários na política e nos negócios.

Publicação no Instagram do empresário e jornalista Ronaldo Tiradentes Foto: @ronaldotiradentes via Instagram

Licitações na Amazônia têm requisitos só atendidos pela Starlink

O edital do governo do Amazonas exige uma velocidade de 200 megabits por segundo (mbps), considerada alta para o mercado de satélites, e ainda uma latência máxima de 100 milissegundos (ms). A latência significa o tempo que os dados demoram para serem transferidos pela rede.

Só os satélites de Elon Musk atendem esses requisitos. Como ficam mais “próximos” da superfície da Terra, oferecem tempo de resposta menor e mais velocidade. Outras empresas de satélite, nacionais e internacionais, afirmam que podem oferecer serviços com qualidade no Norte do Brasil e veem favorecimento para as poucas empresas autorizadas a revender Starlink.

As mesmas exigências de velocidade e latência apareceram em licitações do governo do Amazonas, do governo do Pará e da prefeitura de Manaus. Na capital amazonense, a Via Direta arrematou um dos principais lotes, de R$ 9,8 milhões. A licitação do Pará está suspensa para “reanálise técnica”.

Todas as gestões regionais foram procurados pela reportagem para explicar o porquê dos 200 mbps com 100 ms de latência.

Em nota, a Secretaria de Educação do Pará informou que “as necessidades para a implementação de tecnologia no estado são diferenciadas” e que “buscou a melhor solução em custo-benefício para atender às recomendações do Grupo Interinstitucional de Conectividade para Educação, respeitando o princípio de economicidade e do interesse da administração pública”.

Sobre esse item, o governo do Amazonas chegou a se manifestar, ainda em setembro, antes de ser questionado sobre peculiaridades do edital. A secretaria estadual de Educação do Amazonas destacou que os “parâmetros expostos visam atender as necessidades das aulas de mediação tecnológica, trabalhos administrativos e acessos a ambientes virtuais de aprendizagem”.

A prefeitura de Manaus disse que “a necessidade de uma velocidade de 200 mbps é para atender atividades pedagógicas e administrativas, como reunião online, plataforma de streams, cursos de capacitação EAD, entre outras que são disponibilizados para servidores e alunos”.

O Governo do Amazonas informou nesta segunda-feira, 30, após a publicação da reportagem, que o pregão eletrônico “está em andamento” (fase de recursos) e, por isso, há “possibilidade de convocação de licitantes remanescentes com eventual inabilitação ou desclassificação do licitante declarado vencedor”.

O Executivo amazonense registrou que desclassificou a proponente que não ofereceu desconto em um dos itens adquiridos pelo Estado por causa de regras do edital. Segundo o governo, as empresas deveria “ter todos os valores da sua proposta abaixo do valor estimado em todos os itens”.

“A empresa estava com o seu preço acima do estimado em um dos itens. Foi informada dessa situação, foi chamada para negociar e oferecer outro valor, mas se negou a fazê-lo. Dessa forma, foi desclassificada conforme regras do edital, as quais as licitantes tinham inteiro conhecimento”, afirmou.

Desclassificada por não oferecer um desconto, a Sencinet afirmou ao Estadão que não foi convidada pelo governo para apresentar proposta na fase de montagem do orçamento. Mesmo assim, apresentou o menor preço global e exequível. “O preço do item de conectividade questionado pelo pregoeiro para que se enquadrasse no orçamento teria que ser R$166 com impostos para uma franquia de 2 TB (terabytes) do plano empresarial. Esse preço não faz sentido, já que o plano residencial de 1 TB de franquia custa R$ 239″, afirmou.

BRASÍLIA – O Ministério Público e o Tribunal de Contas do Amazonas investigam uma compra de R$ 59 milhões em kits de internet adquiridos pelo governo amazonense. Pelas especificações da licitação apenas a Starlink, do empresário Elon Musk, poderia atender a demanda. O contrato é alvo de duas frentes de investigações por suspeitas de direcionamento e de “jogo de planilhas” em favor de um empresário revendedor da tecnologia de Musk no Amazonas. O pregão está em fase de apreciação de recursos, mas características do edital e a desclassificação da empresa que ofereceu o menor preço levaram os órgãos de fiscalização a iniciarem as apurações.

Procurado pelo Estadão durante três semanas, o governo do Amazonas se manifestou após a publicação da reportagem nesta segunda-feira, 30. O Executivo afirma que a licitação está em fase de recurso e há “possibilidade” de desclassificação da empresa que venceu o pregão. O empresário Ronaldo Tiradentes, que revende a Starlink, diz desconhecer as investigações e que ofereceu o menor preço. A Space X, empresa que opera a rede de satélites Starlink, não se pronunciou.

Ronaldo Tiradentes (à dir.) em teste de velocidade após ser classificado em licitação do governo do Amazonas para vender internet da Starlink para escolas Foto: Reprodução/CSC-Governo do Amazonas

A gestão do governador Wilson Lima (União Brasil) realizou, desde junho, duas licitações para comprar internet para escolas públicas. O primeiro certame foi cancelado em agosto depois que o procurador-geral de Justiça do Amazonas, Alberto Rodrigues do Nascimento Júnior, pediu a correção das “ilegalidades apresentadas” no edital. Eram exigidos, no mesmo processo, dois serviços sem relação entre si: internet para escolas e um subcanal de TV para transmissão de aulas.

O MP entendeu que “casar” os dois serviços limitava a concorrência. Atualmente, o canal de TV e a internet, por meio de uma tecnologia que não a de Elon Musk, são prestados ao governo amazonense pela empresa Via Direta, do empresário Ronaldo Tiradentes, dono de empresas de telecomunicações e rádios no Amazonas. Os contratos vigentes vencem em dezembro de 2023 e junho de 2024, e o empresário pleiteia a continuidade da relação com a administração pública.

Com o aval de Musk para se apresentar como revendedor autorizado desde o início do ano, Tiradentes diz que acompanha a trajetória da Starlink desde 2019.

Recomendação do Ministério Público do Amazonas para anular edital que previa compra de internet para escolas, após encontrar "ilegalidades" Foto: Reprodução

Pouco após o cancelamento, o governo do Amazonas lançou outro pregão, este exclusivo para contratar internet para 1.600 escolas pelo período de um ano. Pela modalidade escolhida pela administração cada uma das sete empresas interessadas deveria oferecer preços sem uma referência.

No pregão, a Via Direta LTDA pediu R$ 59.251.200,00 pelo serviço. O preço era o terceiro menor, mas ela venceu a disputa depois que as empresas que ofereceram os dois melhores preços foram desclassificadas.

O menor foi oferecido pela Cristiane Maria Medeiros Mendonça LTDA, R$ 26.880.000,00. A própria firma, porém, uma microempresa de Manaus criada em 2019, retirou-se da disputa alegando ter cometido um erro. O Estadão teve acesso ao diálogo entre os representantes das empresas com o pregoeiro no dia da oferta dos lances.

“Aconteceu um equívoco na fase de lances. Equivocadamente, por nervosismo, lançamos um número errado que tornou nossa proposta inexequível. Favor desconsiderar toda a minha proposta”, disse representante da empresa.

Representante de empresa que ofereceu menor preço em pregão para internet do governo do Amazonas diz, no sistema de oferta de lances, que cometeu equívoco por "nervosismo" Foto: Reprodução

A segunda menor proposta foi oferecida pela Sencinet Brasil Serviços de Telecomunicações LTDA, de R$ 45.120.000,00. O serviço licitado era dividido em três itens: a manutenção, a antena e o plano de dados. Durante a oferta de lances, o pregoeiro pediu para que a Sencinet aplicasse um desconto de 87% no terceiro item. A empresa se recusou a reduzir o valor.

“Nosso preço global está no limite e entendemos que está dentro do orçamento global. Para reduzir o valor do item 3, seria necessário subir os valores dos demais itens. É importante ressaltar que não há contratação individual de cada item e todos compõem uma solução única”, frisou o representante da empresa.

Por não oferecer o desconto, a empresa acabou desclassificada.

O pregoeiro então selecionou a Via Direta, apesar do preço R$ 14,1 milhões superior ao da Sencinet. Antes de consolidada a vitória da empresa de Ronaldo Tiradentes, o pregoeiro perguntou se ele teria “interesse em negociar o lote 1″. A resposta foi negativa e a empresa saiu vitoriosa da disputa mesmo assim.

“Não podemos reduzir porque conhecemos as peculiaridades da região, as dificuldades de acesso para instalação e manutenção do equipamento. Nós estamos no nosso limite”, alegou.

Empresa é desclassificada após se recusar a dar desconto de 87% em um dos itens do pregão de internet para escolas do governo do Amazonas Foto: Reprodução

A reportagem do Estadão pede, desde o dia 6 de outubro, esclarecimentos ao governo do Amazonas sobre o porquê da exigência de desconto para uma das empresas e sobre o motivo de ter optado pela Via Direta, com preço maior. Não houve respostas até a publicação da reportagem. A licitação já teve a parte de testes do serviço concluída e está em fase de análise dos recursos.

Nesta segunda-feira, 30, o Governo do Amazonas afirmou que o pregão eletrônico “está em andamento” e, por isso, há “possibilidade de convocação de licitantes remanescentes com eventual inabilitação ou desclassificação do licitante declarado vencedor”. (Leia mais abaixo)

Mesmo antes da assinatura do contrato, o Tribunal de Contas do Amazonas e o Ministério Público do Amazonas têm providências paralelas em curso. A conselheira Yara Amazônia Lins Rodrigues dos Santos, da Corte de Contas, acolheu uma representação apresentada ao tribunal, em decisão de 19 de outubro.

A denúncia acolhida e que está sob investigação aponta um “jogo de planilhas”, – quando uma empresa só é capaz de oferecer aquele valor se tiver uma informação prévia sobre o esquema.

No MP, tramita um procedimento administrativo sigiloso para “fiscalizar as políticas públicas relacionadas à educação e tecnologias digitais”. Procurado pela reportagem, o Ministério Público informou que “o processo está sob sigilo, impossibilitando detalhes”.

O empresário Ronaldo Tiradentes, representante de Musk, afirmou à reportagem que não tem conhecimento das investigações citadas e que “apresentou impugnação ao recurso das perdedoras” no edital em curso e “provou que tem o menor preço”.

O empresário Ronaldo Tiradentes, revendedor da Starlink, em frente a endereço da empresa de Elon Musk, nos Estados Unidos Foto: Ronaldo Tiradentes via Facebook

O empresário também se apresenta como jornalista e advogado. No Amazonas, tem um programa de TV por meio do qual costuma atacar adversários na política e nos negócios.

Publicação no Instagram do empresário e jornalista Ronaldo Tiradentes Foto: @ronaldotiradentes via Instagram

Licitações na Amazônia têm requisitos só atendidos pela Starlink

O edital do governo do Amazonas exige uma velocidade de 200 megabits por segundo (mbps), considerada alta para o mercado de satélites, e ainda uma latência máxima de 100 milissegundos (ms). A latência significa o tempo que os dados demoram para serem transferidos pela rede.

Só os satélites de Elon Musk atendem esses requisitos. Como ficam mais “próximos” da superfície da Terra, oferecem tempo de resposta menor e mais velocidade. Outras empresas de satélite, nacionais e internacionais, afirmam que podem oferecer serviços com qualidade no Norte do Brasil e veem favorecimento para as poucas empresas autorizadas a revender Starlink.

As mesmas exigências de velocidade e latência apareceram em licitações do governo do Amazonas, do governo do Pará e da prefeitura de Manaus. Na capital amazonense, a Via Direta arrematou um dos principais lotes, de R$ 9,8 milhões. A licitação do Pará está suspensa para “reanálise técnica”.

Todas as gestões regionais foram procurados pela reportagem para explicar o porquê dos 200 mbps com 100 ms de latência.

Em nota, a Secretaria de Educação do Pará informou que “as necessidades para a implementação de tecnologia no estado são diferenciadas” e que “buscou a melhor solução em custo-benefício para atender às recomendações do Grupo Interinstitucional de Conectividade para Educação, respeitando o princípio de economicidade e do interesse da administração pública”.

Sobre esse item, o governo do Amazonas chegou a se manifestar, ainda em setembro, antes de ser questionado sobre peculiaridades do edital. A secretaria estadual de Educação do Amazonas destacou que os “parâmetros expostos visam atender as necessidades das aulas de mediação tecnológica, trabalhos administrativos e acessos a ambientes virtuais de aprendizagem”.

A prefeitura de Manaus disse que “a necessidade de uma velocidade de 200 mbps é para atender atividades pedagógicas e administrativas, como reunião online, plataforma de streams, cursos de capacitação EAD, entre outras que são disponibilizados para servidores e alunos”.

O Governo do Amazonas informou nesta segunda-feira, 30, após a publicação da reportagem, que o pregão eletrônico “está em andamento” (fase de recursos) e, por isso, há “possibilidade de convocação de licitantes remanescentes com eventual inabilitação ou desclassificação do licitante declarado vencedor”.

O Executivo amazonense registrou que desclassificou a proponente que não ofereceu desconto em um dos itens adquiridos pelo Estado por causa de regras do edital. Segundo o governo, as empresas deveria “ter todos os valores da sua proposta abaixo do valor estimado em todos os itens”.

“A empresa estava com o seu preço acima do estimado em um dos itens. Foi informada dessa situação, foi chamada para negociar e oferecer outro valor, mas se negou a fazê-lo. Dessa forma, foi desclassificada conforme regras do edital, as quais as licitantes tinham inteiro conhecimento”, afirmou.

Desclassificada por não oferecer um desconto, a Sencinet afirmou ao Estadão que não foi convidada pelo governo para apresentar proposta na fase de montagem do orçamento. Mesmo assim, apresentou o menor preço global e exequível. “O preço do item de conectividade questionado pelo pregoeiro para que se enquadrasse no orçamento teria que ser R$166 com impostos para uma franquia de 2 TB (terabytes) do plano empresarial. Esse preço não faz sentido, já que o plano residencial de 1 TB de franquia custa R$ 239″, afirmou.

BRASÍLIA – O Ministério Público e o Tribunal de Contas do Amazonas investigam uma compra de R$ 59 milhões em kits de internet adquiridos pelo governo amazonense. Pelas especificações da licitação apenas a Starlink, do empresário Elon Musk, poderia atender a demanda. O contrato é alvo de duas frentes de investigações por suspeitas de direcionamento e de “jogo de planilhas” em favor de um empresário revendedor da tecnologia de Musk no Amazonas. O pregão está em fase de apreciação de recursos, mas características do edital e a desclassificação da empresa que ofereceu o menor preço levaram os órgãos de fiscalização a iniciarem as apurações.

Procurado pelo Estadão durante três semanas, o governo do Amazonas se manifestou após a publicação da reportagem nesta segunda-feira, 30. O Executivo afirma que a licitação está em fase de recurso e há “possibilidade” de desclassificação da empresa que venceu o pregão. O empresário Ronaldo Tiradentes, que revende a Starlink, diz desconhecer as investigações e que ofereceu o menor preço. A Space X, empresa que opera a rede de satélites Starlink, não se pronunciou.

Ronaldo Tiradentes (à dir.) em teste de velocidade após ser classificado em licitação do governo do Amazonas para vender internet da Starlink para escolas Foto: Reprodução/CSC-Governo do Amazonas

A gestão do governador Wilson Lima (União Brasil) realizou, desde junho, duas licitações para comprar internet para escolas públicas. O primeiro certame foi cancelado em agosto depois que o procurador-geral de Justiça do Amazonas, Alberto Rodrigues do Nascimento Júnior, pediu a correção das “ilegalidades apresentadas” no edital. Eram exigidos, no mesmo processo, dois serviços sem relação entre si: internet para escolas e um subcanal de TV para transmissão de aulas.

O MP entendeu que “casar” os dois serviços limitava a concorrência. Atualmente, o canal de TV e a internet, por meio de uma tecnologia que não a de Elon Musk, são prestados ao governo amazonense pela empresa Via Direta, do empresário Ronaldo Tiradentes, dono de empresas de telecomunicações e rádios no Amazonas. Os contratos vigentes vencem em dezembro de 2023 e junho de 2024, e o empresário pleiteia a continuidade da relação com a administração pública.

Com o aval de Musk para se apresentar como revendedor autorizado desde o início do ano, Tiradentes diz que acompanha a trajetória da Starlink desde 2019.

Recomendação do Ministério Público do Amazonas para anular edital que previa compra de internet para escolas, após encontrar "ilegalidades" Foto: Reprodução

Pouco após o cancelamento, o governo do Amazonas lançou outro pregão, este exclusivo para contratar internet para 1.600 escolas pelo período de um ano. Pela modalidade escolhida pela administração cada uma das sete empresas interessadas deveria oferecer preços sem uma referência.

No pregão, a Via Direta LTDA pediu R$ 59.251.200,00 pelo serviço. O preço era o terceiro menor, mas ela venceu a disputa depois que as empresas que ofereceram os dois melhores preços foram desclassificadas.

O menor foi oferecido pela Cristiane Maria Medeiros Mendonça LTDA, R$ 26.880.000,00. A própria firma, porém, uma microempresa de Manaus criada em 2019, retirou-se da disputa alegando ter cometido um erro. O Estadão teve acesso ao diálogo entre os representantes das empresas com o pregoeiro no dia da oferta dos lances.

“Aconteceu um equívoco na fase de lances. Equivocadamente, por nervosismo, lançamos um número errado que tornou nossa proposta inexequível. Favor desconsiderar toda a minha proposta”, disse representante da empresa.

Representante de empresa que ofereceu menor preço em pregão para internet do governo do Amazonas diz, no sistema de oferta de lances, que cometeu equívoco por "nervosismo" Foto: Reprodução

A segunda menor proposta foi oferecida pela Sencinet Brasil Serviços de Telecomunicações LTDA, de R$ 45.120.000,00. O serviço licitado era dividido em três itens: a manutenção, a antena e o plano de dados. Durante a oferta de lances, o pregoeiro pediu para que a Sencinet aplicasse um desconto de 87% no terceiro item. A empresa se recusou a reduzir o valor.

“Nosso preço global está no limite e entendemos que está dentro do orçamento global. Para reduzir o valor do item 3, seria necessário subir os valores dos demais itens. É importante ressaltar que não há contratação individual de cada item e todos compõem uma solução única”, frisou o representante da empresa.

Por não oferecer o desconto, a empresa acabou desclassificada.

O pregoeiro então selecionou a Via Direta, apesar do preço R$ 14,1 milhões superior ao da Sencinet. Antes de consolidada a vitória da empresa de Ronaldo Tiradentes, o pregoeiro perguntou se ele teria “interesse em negociar o lote 1″. A resposta foi negativa e a empresa saiu vitoriosa da disputa mesmo assim.

“Não podemos reduzir porque conhecemos as peculiaridades da região, as dificuldades de acesso para instalação e manutenção do equipamento. Nós estamos no nosso limite”, alegou.

Empresa é desclassificada após se recusar a dar desconto de 87% em um dos itens do pregão de internet para escolas do governo do Amazonas Foto: Reprodução

A reportagem do Estadão pede, desde o dia 6 de outubro, esclarecimentos ao governo do Amazonas sobre o porquê da exigência de desconto para uma das empresas e sobre o motivo de ter optado pela Via Direta, com preço maior. Não houve respostas até a publicação da reportagem. A licitação já teve a parte de testes do serviço concluída e está em fase de análise dos recursos.

Nesta segunda-feira, 30, o Governo do Amazonas afirmou que o pregão eletrônico “está em andamento” e, por isso, há “possibilidade de convocação de licitantes remanescentes com eventual inabilitação ou desclassificação do licitante declarado vencedor”. (Leia mais abaixo)

Mesmo antes da assinatura do contrato, o Tribunal de Contas do Amazonas e o Ministério Público do Amazonas têm providências paralelas em curso. A conselheira Yara Amazônia Lins Rodrigues dos Santos, da Corte de Contas, acolheu uma representação apresentada ao tribunal, em decisão de 19 de outubro.

A denúncia acolhida e que está sob investigação aponta um “jogo de planilhas”, – quando uma empresa só é capaz de oferecer aquele valor se tiver uma informação prévia sobre o esquema.

No MP, tramita um procedimento administrativo sigiloso para “fiscalizar as políticas públicas relacionadas à educação e tecnologias digitais”. Procurado pela reportagem, o Ministério Público informou que “o processo está sob sigilo, impossibilitando detalhes”.

O empresário Ronaldo Tiradentes, representante de Musk, afirmou à reportagem que não tem conhecimento das investigações citadas e que “apresentou impugnação ao recurso das perdedoras” no edital em curso e “provou que tem o menor preço”.

O empresário Ronaldo Tiradentes, revendedor da Starlink, em frente a endereço da empresa de Elon Musk, nos Estados Unidos Foto: Ronaldo Tiradentes via Facebook

O empresário também se apresenta como jornalista e advogado. No Amazonas, tem um programa de TV por meio do qual costuma atacar adversários na política e nos negócios.

Publicação no Instagram do empresário e jornalista Ronaldo Tiradentes Foto: @ronaldotiradentes via Instagram

Licitações na Amazônia têm requisitos só atendidos pela Starlink

O edital do governo do Amazonas exige uma velocidade de 200 megabits por segundo (mbps), considerada alta para o mercado de satélites, e ainda uma latência máxima de 100 milissegundos (ms). A latência significa o tempo que os dados demoram para serem transferidos pela rede.

Só os satélites de Elon Musk atendem esses requisitos. Como ficam mais “próximos” da superfície da Terra, oferecem tempo de resposta menor e mais velocidade. Outras empresas de satélite, nacionais e internacionais, afirmam que podem oferecer serviços com qualidade no Norte do Brasil e veem favorecimento para as poucas empresas autorizadas a revender Starlink.

As mesmas exigências de velocidade e latência apareceram em licitações do governo do Amazonas, do governo do Pará e da prefeitura de Manaus. Na capital amazonense, a Via Direta arrematou um dos principais lotes, de R$ 9,8 milhões. A licitação do Pará está suspensa para “reanálise técnica”.

Todas as gestões regionais foram procurados pela reportagem para explicar o porquê dos 200 mbps com 100 ms de latência.

Em nota, a Secretaria de Educação do Pará informou que “as necessidades para a implementação de tecnologia no estado são diferenciadas” e que “buscou a melhor solução em custo-benefício para atender às recomendações do Grupo Interinstitucional de Conectividade para Educação, respeitando o princípio de economicidade e do interesse da administração pública”.

Sobre esse item, o governo do Amazonas chegou a se manifestar, ainda em setembro, antes de ser questionado sobre peculiaridades do edital. A secretaria estadual de Educação do Amazonas destacou que os “parâmetros expostos visam atender as necessidades das aulas de mediação tecnológica, trabalhos administrativos e acessos a ambientes virtuais de aprendizagem”.

A prefeitura de Manaus disse que “a necessidade de uma velocidade de 200 mbps é para atender atividades pedagógicas e administrativas, como reunião online, plataforma de streams, cursos de capacitação EAD, entre outras que são disponibilizados para servidores e alunos”.

O Governo do Amazonas informou nesta segunda-feira, 30, após a publicação da reportagem, que o pregão eletrônico “está em andamento” (fase de recursos) e, por isso, há “possibilidade de convocação de licitantes remanescentes com eventual inabilitação ou desclassificação do licitante declarado vencedor”.

O Executivo amazonense registrou que desclassificou a proponente que não ofereceu desconto em um dos itens adquiridos pelo Estado por causa de regras do edital. Segundo o governo, as empresas deveria “ter todos os valores da sua proposta abaixo do valor estimado em todos os itens”.

“A empresa estava com o seu preço acima do estimado em um dos itens. Foi informada dessa situação, foi chamada para negociar e oferecer outro valor, mas se negou a fazê-lo. Dessa forma, foi desclassificada conforme regras do edital, as quais as licitantes tinham inteiro conhecimento”, afirmou.

Desclassificada por não oferecer um desconto, a Sencinet afirmou ao Estadão que não foi convidada pelo governo para apresentar proposta na fase de montagem do orçamento. Mesmo assim, apresentou o menor preço global e exequível. “O preço do item de conectividade questionado pelo pregoeiro para que se enquadrasse no orçamento teria que ser R$166 com impostos para uma franquia de 2 TB (terabytes) do plano empresarial. Esse preço não faz sentido, já que o plano residencial de 1 TB de franquia custa R$ 239″, afirmou.

BRASÍLIA – O Ministério Público e o Tribunal de Contas do Amazonas investigam uma compra de R$ 59 milhões em kits de internet adquiridos pelo governo amazonense. Pelas especificações da licitação apenas a Starlink, do empresário Elon Musk, poderia atender a demanda. O contrato é alvo de duas frentes de investigações por suspeitas de direcionamento e de “jogo de planilhas” em favor de um empresário revendedor da tecnologia de Musk no Amazonas. O pregão está em fase de apreciação de recursos, mas características do edital e a desclassificação da empresa que ofereceu o menor preço levaram os órgãos de fiscalização a iniciarem as apurações.

Procurado pelo Estadão durante três semanas, o governo do Amazonas se manifestou após a publicação da reportagem nesta segunda-feira, 30. O Executivo afirma que a licitação está em fase de recurso e há “possibilidade” de desclassificação da empresa que venceu o pregão. O empresário Ronaldo Tiradentes, que revende a Starlink, diz desconhecer as investigações e que ofereceu o menor preço. A Space X, empresa que opera a rede de satélites Starlink, não se pronunciou.

Ronaldo Tiradentes (à dir.) em teste de velocidade após ser classificado em licitação do governo do Amazonas para vender internet da Starlink para escolas Foto: Reprodução/CSC-Governo do Amazonas

A gestão do governador Wilson Lima (União Brasil) realizou, desde junho, duas licitações para comprar internet para escolas públicas. O primeiro certame foi cancelado em agosto depois que o procurador-geral de Justiça do Amazonas, Alberto Rodrigues do Nascimento Júnior, pediu a correção das “ilegalidades apresentadas” no edital. Eram exigidos, no mesmo processo, dois serviços sem relação entre si: internet para escolas e um subcanal de TV para transmissão de aulas.

O MP entendeu que “casar” os dois serviços limitava a concorrência. Atualmente, o canal de TV e a internet, por meio de uma tecnologia que não a de Elon Musk, são prestados ao governo amazonense pela empresa Via Direta, do empresário Ronaldo Tiradentes, dono de empresas de telecomunicações e rádios no Amazonas. Os contratos vigentes vencem em dezembro de 2023 e junho de 2024, e o empresário pleiteia a continuidade da relação com a administração pública.

Com o aval de Musk para se apresentar como revendedor autorizado desde o início do ano, Tiradentes diz que acompanha a trajetória da Starlink desde 2019.

Recomendação do Ministério Público do Amazonas para anular edital que previa compra de internet para escolas, após encontrar "ilegalidades" Foto: Reprodução

Pouco após o cancelamento, o governo do Amazonas lançou outro pregão, este exclusivo para contratar internet para 1.600 escolas pelo período de um ano. Pela modalidade escolhida pela administração cada uma das sete empresas interessadas deveria oferecer preços sem uma referência.

No pregão, a Via Direta LTDA pediu R$ 59.251.200,00 pelo serviço. O preço era o terceiro menor, mas ela venceu a disputa depois que as empresas que ofereceram os dois melhores preços foram desclassificadas.

O menor foi oferecido pela Cristiane Maria Medeiros Mendonça LTDA, R$ 26.880.000,00. A própria firma, porém, uma microempresa de Manaus criada em 2019, retirou-se da disputa alegando ter cometido um erro. O Estadão teve acesso ao diálogo entre os representantes das empresas com o pregoeiro no dia da oferta dos lances.

“Aconteceu um equívoco na fase de lances. Equivocadamente, por nervosismo, lançamos um número errado que tornou nossa proposta inexequível. Favor desconsiderar toda a minha proposta”, disse representante da empresa.

Representante de empresa que ofereceu menor preço em pregão para internet do governo do Amazonas diz, no sistema de oferta de lances, que cometeu equívoco por "nervosismo" Foto: Reprodução

A segunda menor proposta foi oferecida pela Sencinet Brasil Serviços de Telecomunicações LTDA, de R$ 45.120.000,00. O serviço licitado era dividido em três itens: a manutenção, a antena e o plano de dados. Durante a oferta de lances, o pregoeiro pediu para que a Sencinet aplicasse um desconto de 87% no terceiro item. A empresa se recusou a reduzir o valor.

“Nosso preço global está no limite e entendemos que está dentro do orçamento global. Para reduzir o valor do item 3, seria necessário subir os valores dos demais itens. É importante ressaltar que não há contratação individual de cada item e todos compõem uma solução única”, frisou o representante da empresa.

Por não oferecer o desconto, a empresa acabou desclassificada.

O pregoeiro então selecionou a Via Direta, apesar do preço R$ 14,1 milhões superior ao da Sencinet. Antes de consolidada a vitória da empresa de Ronaldo Tiradentes, o pregoeiro perguntou se ele teria “interesse em negociar o lote 1″. A resposta foi negativa e a empresa saiu vitoriosa da disputa mesmo assim.

“Não podemos reduzir porque conhecemos as peculiaridades da região, as dificuldades de acesso para instalação e manutenção do equipamento. Nós estamos no nosso limite”, alegou.

Empresa é desclassificada após se recusar a dar desconto de 87% em um dos itens do pregão de internet para escolas do governo do Amazonas Foto: Reprodução

A reportagem do Estadão pede, desde o dia 6 de outubro, esclarecimentos ao governo do Amazonas sobre o porquê da exigência de desconto para uma das empresas e sobre o motivo de ter optado pela Via Direta, com preço maior. Não houve respostas até a publicação da reportagem. A licitação já teve a parte de testes do serviço concluída e está em fase de análise dos recursos.

Nesta segunda-feira, 30, o Governo do Amazonas afirmou que o pregão eletrônico “está em andamento” e, por isso, há “possibilidade de convocação de licitantes remanescentes com eventual inabilitação ou desclassificação do licitante declarado vencedor”. (Leia mais abaixo)

Mesmo antes da assinatura do contrato, o Tribunal de Contas do Amazonas e o Ministério Público do Amazonas têm providências paralelas em curso. A conselheira Yara Amazônia Lins Rodrigues dos Santos, da Corte de Contas, acolheu uma representação apresentada ao tribunal, em decisão de 19 de outubro.

A denúncia acolhida e que está sob investigação aponta um “jogo de planilhas”, – quando uma empresa só é capaz de oferecer aquele valor se tiver uma informação prévia sobre o esquema.

No MP, tramita um procedimento administrativo sigiloso para “fiscalizar as políticas públicas relacionadas à educação e tecnologias digitais”. Procurado pela reportagem, o Ministério Público informou que “o processo está sob sigilo, impossibilitando detalhes”.

O empresário Ronaldo Tiradentes, representante de Musk, afirmou à reportagem que não tem conhecimento das investigações citadas e que “apresentou impugnação ao recurso das perdedoras” no edital em curso e “provou que tem o menor preço”.

O empresário Ronaldo Tiradentes, revendedor da Starlink, em frente a endereço da empresa de Elon Musk, nos Estados Unidos Foto: Ronaldo Tiradentes via Facebook

O empresário também se apresenta como jornalista e advogado. No Amazonas, tem um programa de TV por meio do qual costuma atacar adversários na política e nos negócios.

Publicação no Instagram do empresário e jornalista Ronaldo Tiradentes Foto: @ronaldotiradentes via Instagram

Licitações na Amazônia têm requisitos só atendidos pela Starlink

O edital do governo do Amazonas exige uma velocidade de 200 megabits por segundo (mbps), considerada alta para o mercado de satélites, e ainda uma latência máxima de 100 milissegundos (ms). A latência significa o tempo que os dados demoram para serem transferidos pela rede.

Só os satélites de Elon Musk atendem esses requisitos. Como ficam mais “próximos” da superfície da Terra, oferecem tempo de resposta menor e mais velocidade. Outras empresas de satélite, nacionais e internacionais, afirmam que podem oferecer serviços com qualidade no Norte do Brasil e veem favorecimento para as poucas empresas autorizadas a revender Starlink.

As mesmas exigências de velocidade e latência apareceram em licitações do governo do Amazonas, do governo do Pará e da prefeitura de Manaus. Na capital amazonense, a Via Direta arrematou um dos principais lotes, de R$ 9,8 milhões. A licitação do Pará está suspensa para “reanálise técnica”.

Todas as gestões regionais foram procurados pela reportagem para explicar o porquê dos 200 mbps com 100 ms de latência.

Em nota, a Secretaria de Educação do Pará informou que “as necessidades para a implementação de tecnologia no estado são diferenciadas” e que “buscou a melhor solução em custo-benefício para atender às recomendações do Grupo Interinstitucional de Conectividade para Educação, respeitando o princípio de economicidade e do interesse da administração pública”.

Sobre esse item, o governo do Amazonas chegou a se manifestar, ainda em setembro, antes de ser questionado sobre peculiaridades do edital. A secretaria estadual de Educação do Amazonas destacou que os “parâmetros expostos visam atender as necessidades das aulas de mediação tecnológica, trabalhos administrativos e acessos a ambientes virtuais de aprendizagem”.

A prefeitura de Manaus disse que “a necessidade de uma velocidade de 200 mbps é para atender atividades pedagógicas e administrativas, como reunião online, plataforma de streams, cursos de capacitação EAD, entre outras que são disponibilizados para servidores e alunos”.

O Governo do Amazonas informou nesta segunda-feira, 30, após a publicação da reportagem, que o pregão eletrônico “está em andamento” (fase de recursos) e, por isso, há “possibilidade de convocação de licitantes remanescentes com eventual inabilitação ou desclassificação do licitante declarado vencedor”.

O Executivo amazonense registrou que desclassificou a proponente que não ofereceu desconto em um dos itens adquiridos pelo Estado por causa de regras do edital. Segundo o governo, as empresas deveria “ter todos os valores da sua proposta abaixo do valor estimado em todos os itens”.

“A empresa estava com o seu preço acima do estimado em um dos itens. Foi informada dessa situação, foi chamada para negociar e oferecer outro valor, mas se negou a fazê-lo. Dessa forma, foi desclassificada conforme regras do edital, as quais as licitantes tinham inteiro conhecimento”, afirmou.

Desclassificada por não oferecer um desconto, a Sencinet afirmou ao Estadão que não foi convidada pelo governo para apresentar proposta na fase de montagem do orçamento. Mesmo assim, apresentou o menor preço global e exequível. “O preço do item de conectividade questionado pelo pregoeiro para que se enquadrasse no orçamento teria que ser R$166 com impostos para uma franquia de 2 TB (terabytes) do plano empresarial. Esse preço não faz sentido, já que o plano residencial de 1 TB de franquia custa R$ 239″, afirmou.

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