Embora a rede de apoio ao presidente Jair Bolsonaro na internet continue coesa, a circulação de informações sobre como está sendo o combate ao coronavírus no resto do mundo favorece a oposição, na visão de analistas ouvidos pelo Estado.
Segundo eles, histórias reais de pessoas que tiveram a doença e o aumento do número de mortos pela covid-19 também devem reduzir a adesão à tese defendida pelo governo, de que a situação não é tão grave quanto parece e que o isolamento social só deve ser aplicado aos idosos.
Um levantamento feito pela consultoria Bites mostra que o número de opositores do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais superou o de apoiadores nas duas últimas semanas. Desde que Bolsonaro foi a um ato contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal em frente ao Palácio do Planalto, em meio à pandemia do coronavírus, 1,4 milhão de perfis do Twitter atacaram o presidente, enquanto 1,2 milhão o defendeu.
“A crise refletiu sobretudo a incapacidade do presidente de entender a situação ao construir uma narrativa de que isso não seria um problema a se levar em consideração. Mas a informação circula em tempo real e as pessoas puderam ter dimensão do problema e ver como diferentes líderes têm lidado com a situação”, disse o coordenador da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV, Marco Aurélio Ruediger.
Para Fábio Malini, do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura, da Universidade Federal do Espírito Santo, a escala global da pandemia ajuda a entender o isolamento narrativo dos bolsonaristas. “O aumento do número de pessoas falando sobre o tema, em particular no Twitter, faz com que a popularidade e o controle dessa narrativa feitos por aqueles que militam a favor do governo fiquem muito diminuídos.”
Na sexta-feira passada, grupos bolsonaristas passaram a organizar carreatas para pressionar prefeitos e governadores a reabrirem os comércios, mas tiveram pouco retorno.
Segundo Malini, o avanço do coronavírus deve gerar ainda mais crítica contra o governo. “Relatos de pessoas que vivenciam a dor da perda, a situação econômica, tudo faz com que se inicie um processo de crítica contra quem está no poder.”
Cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Emerson Cervi diz que o início da semana passada, antes do pronunciamento em que o presidente defendeu o fim do isolamento, mostrava uma tendência de redução das manifestações de apoio ao presidente. Ele pondera que deve se levar em consideração que a pandemia de coronavírus é um momento específico de crise - e que a forma como a rede se comporta neste momento pode não se replicar.
"Não necessariamente esse enfraquecimento vai ser replicado ou outros casos com outros temas. É mais um caso que contribui para queda da avaliação positiva ou do posicionamento a favor. Mas é um ponto fora da curva. Trata-se de uma crise mundial, e porque o governo e o presidente agiram de forma irresponsável até poucos dias atrás", analisa.
"A reação à fala foi imediatamente muito dura e negativa, mas isso mudou nas 24 horas seguintes", diz o pesquisador Pablo Ortellado, da USP. "O campo bolsonarista se reorganizou e conseguiu fazer uma resposta, jogando os interesses econômicos em cima da saúde. Foi uma reação"
A atuação pessoal de Bolsonaro e a forma como as pessoas têm enfrentado problemas é apontada pela pesquisadora Pollyana Ferrari, da PUC-SP, como uma das explicações para a crise política do coronavírus no País. "Com o coronavírus, as pessoas enclausuradas começaram a perceber que elas precisavam dar atenção a pontos como saúde pública, transporte, pesquisa acadêmica. Pela solidariedade ou medo do contágio", diz a cientista. "Essas pessoas perceberam que não dá para governar com desinformação, com medo, desespero, medidas aprovadas na calada da noite e, nas redes, é um espaço para que elas coloquem sua voz."