Correntes internas do PT reclamam que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva carece de “ministros de esquerda”, inclusive de petistas. Exemplo disso é a pressão da Articulação de Esquerda, uma tendência minoritária do partido, para que o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e o da Comunicação, Juscelino Filho, sejam demitidos. Na visão dessa corrente, o presidente deveria substituir Múcio por “uma pessoa disposta a submeter as Forças Armadas a controle civil”.
Há ainda, dentro do partido, a avaliação de que os diretórios estaduais não foram devidamente consultados pelo governo Lula na definição dos cargos federais nos Estados, como, por exemplo, na distribuição de superintendências da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Além disso, tendências minoritárias do PT alegam ter sido excluídas tanto da composição governamental quanto das nomeações para cargos de destaque no Congresso.
Valter Pomar, líder da Articulação de Esquerda
Dirigente nacional do PT e líder da Articulação de Esquerda, Valter Pomar defende que a Esplanada dos Ministérios “precisa ter mais e melhores ministros de esquerda, inclusive, mas não somente, petistas”. Ele afirma ainda que o governo não deveria ter nenhum ministro que tenha apoiado o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), como o caso do deputado André Fufuca (PP-MA), que pediu votos para a reeleição de Bolsonaro em 2022, e ainda assim substituiu, em setembro passado, Ana Moser no comando do Ministério do Esporte.
“Nossa ‘reivindicação’, por assim dizer, é demitir o ministro da Defesa, colocando em seu lugar uma pessoa disposta a submeter as Forças Armadas a controle civil; e demitir o ministro da Comunicação, colocando em seu lugar uma pessoa disposta a cumprir a Constituição, que proíbe que haja monopólio na comunicação”, afirmou Pomar em entrevista ao Estadão.
A bancada do PT no Congresso também exige a saída de Juscelino Filho do governo. Uma série de reportagens do Estadão revelou que o ministro utilizou emendas parlamentares para pavimentar sua fazenda no Maranhão e fez uso de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para participar de um leilão de cavalos. Neste momento, o ministro da Comunicação figura na lista daqueles que podem deixar a Esplanada dos Ministérios no início do próximo ano.
Cargos nos Estados são motivo de discórdia
Em relação à distribuição de cargos federais nos Estados, o PT teve que recuar de sua intenção de assumir a presidência da Codevasf, atualmente sob o comando de Marcelo Moreira, um engenheiro ligado ao líder do União Brasil na Câmara, o deputado Elmar Nascimento (BA). Além disso, o pedido do PT da Bahia feito a Lula para assumir a superintendência de Bom Jesus da Lapa (BA) não foi atendido. Hoje, o indicado do União Brasil Harley Xavier Nascimento é o superintendente da unidade.
O Centrão, por sua vez, fortaleceu sua influência na companhia com a nomeação do ex-deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA) para a diretoria de Governança e Sustentabilidade em novembro passado. A disputa pelos cargos na Codevasf está ligada às eleições municipais de 2024. Controlar a companhia é considerado uma vantagem estratégica para facilitar a alocação de recursos e equipamentos em benefício de prefeitos ou líderes políticos aliados, elevando assim o poder de influência dos deputados.
Na avaliação do dirigente nacional do PT Cícero Balestro, Lula deveria dar mais atenção às lideranças locais da sigla durante o processo de distribuição de cargos. “Tivemos pouco diálogo com as direções estaduais do PT para a composição dos cargos nos Estados. Não que o cargo deveria ser do PT, mas o partido deveria ser ouvido nessas composições”, afirmou ele, que também é coordenador da tendência petista Avante.
Congressistas petistas, por outro lado, apontam para a necessidade de Lula fazer acordos para garantir a aprovação de pautas importantes, como o arcabouço fiscal, que só foi aprovado após a liberação de emendas. O compartilhamento de cargos também faz parte da estratégia de negociação. “Há um entendimento na bancada do PT de que o Lula precisa fazer alianças. É legítimo o PT querer mais espaço, mas não há nenhuma crise nesse sentido”, diz o deputado Vicentinho (PT-SP).
Espaço na Esplanada
O PT comanda, atualmente, dez dos 38 ministérios - ou secretarias com status equivalente - do governo Lula. Porém, o número pode aumentar com a possível reforma ministerial prevista para o início do ano que vem. Existe a possibilidade de a presidente da sigla, a deputada Gleisi Hoffmann (PR), assumir o Ministério da Justiça. Ela disputa o cargo, porém, com nomes mais cotados, como os do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, o do advogado Marco Aurélio Carvalho, do grupo Prerrogativas, e o ministro da Advocacia Geral da União (AGU), o também petista Jorge Messias.
Apesar de um possível movimento de destinar a Pasta ao PT aumentar a presença da sigla na Esplanada, ele não resolve a questão da representação das tendências petistas no governo federal. Isso porque o Diretório Nacional do PT é composto por cerca de 15 tendências internas, porém os ministérios são ocupados, principalmente, por membros do campo majoritário do partido, a Construindo um Novo Brasil (CNB).
Para o cientista político e sócio da Tendências Consultoria, Rafael Cortez, as críticas provenientes de correntes internas do PT revelam uma dinâmica de poder dentro do governo Lula que, de fato, não favorece a esquerda como um bloco político ideológico. Segundo ele, isso é evidente não apenas no que diz respeito às decisões governamentais, mas especialmente na distribuição de cargos na administração pública.
O cientista político explica que, ao construir e expandir a base governista, Lula incorporou legendas de centro-direita ao governo. Segundo Cortez, isso ocorreu em um movimento natural, uma vez que a esquerda não detém maioria nas Casas legislativas. “Se ampliarmos o escopo para incluir a representatividade nos ministérios e decisões sobre outros assuntos, vamos ver uma esquerda que sente falta de participação adequada no governo”, conta.
Cortez diz ainda que a tendência para o próximo ano é que esse mal-estar entre governo e setores do PT seja intensificado por conta das eleições municipais. “Essa questão da distribuição de cargos, especialmente nos Estados, é muito afetada pelo contexto eleitoral. A eleição municipal vai dar um peso grande à distribuição de cargos. Assim, o PT, sobretudo a esquerda do PT, vai se sentindo marginalizada por conta desses constrangimentos políticos em relação ao governo Lula”.