A lei aprovada pelo Congresso Nacional para limitar os impostos estaduais sobre combustíveis, um projeto de iniciativa do governo para reduzir os preços ao consumidor na bomba, é uma aula de pós-graduação a respeito de fanatismo eleitoral, ganância doentia dos governadores de Estado e a falência geral da vida pública brasileira nos dias de hoje. É um caso realmente extraordinário, e talvez único do mundo: a esquerda, as entidades da “sociedade civil” e os próprios governadores ficaram contra uma redução de impostos e de preços. Isso mesmo: ficaram contra uma redução de impostos e de preços.
Em todo o mundo os governos tentam medidas de alívio fiscal na área de combustíveis, num esforço para amenizar a alta dos preços que veio com a disparada nas cotações do petróleo – cerca de 115 dólares hoje no mercado internacional, contra 75 dólares um ano atrás. Há alguma dúvida de que existe, neste momento, uma emergência na área? Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo propõe basicamente a mesma coisa – reduzir os impostos, já que não é possível reduzir os preços de mercado do petróleo. No Brasil, prodigiosamente, há gente que corre na direção 100% oposta: não admite que se toque nos impostos, um fator essencial na formação dos preços ao consumidor, por causa de puro, simples e direto interesse político pessoal.
Os governadores, de um lado, estão cegos para qualquer outra coisa que não seja a arrecadação estadual. Ficaram viciados em beneficiar-se com a alta de preços dos combustíveis e outros produtos essenciais como eletricidade, telecomunicações, gás etc.: quanto mais caros ficam para a população, mais dinheiro rendem em imposto para os cofres dos Estados. Dali, naturalmente, o ouro segue para o bolso da clientela dos governadores – que começa na remuneração dos altos funcionários e magistrados e termina nos contratos com empreiteiras de obras e com os fornecedores amigos. Todos eles esqueceram completamente que têm de governar para os governados; hoje, governam para as suas secretarias da Fazenda. Viraram acionistas da alta de preços.
A oposição, o candidato do PT à Presidência e a esquerda em geral, de outro lado, se irritam com uma baixa de preços que poderia, na sua visão, beneficiar eleitoralmente o governo. Vieram, até, com a ideia realmente extraordinária de cassar a chapa eleitoral do presidente da República, por conta da redução de preços e de um abono federal aos caminhoneiros – uma tentativa adicional de garantir, com auxílio aos transportadores, o abastecimento geral do país nos produtos essenciais para a população. “Especialistas” procurados pela mídia dizem que a redução de preços e o abono, a três meses das eleições para presidente, são “ilegais” – o que leva à conclusão de que o governo não pode tomar medidas de interesse público em ano eleitoral. Ou seja: estariam a oposição, e as forças que lhe dão apoio, exigindo que o governo da União não governe até outubro próximo, e não tome nenhuma medida que possa beneficiar o cidadão em suas necessidades diretas?
É um dos melhores momentos em matéria de hipocrisia que se vê há muito tempo na política brasileira. Poucos anos atrás, a presidente Dilma Rousseff afirmou em público que faria “o diabo” para ganhar as eleições para a sua própria sucessão. Fez e ganhou – e desde então não ocorreu a absolutamente ninguém na esquerda, nem nas classes intelectuais, civilizadas e inclusivas, dizer uma palavra sequer de objeção. Ao mesmo tempo, um político como o governador de São Paulo vem se vangloriar agora dizendo que foi “o primeiro” a reduzir o imposto estadual sobre os combustíveis – quando há uma lei do Congresso que o obriga a fazer exatamente isso, e quando a sua participação no esforço para aliviar os consumidores foi nula. A aberração se completa com outros governadores reclamando do colega de São Paulo, que teria furado a sua “greve” contra a decisão do Congresso Nacional – e a “negociação”, no STF, para resolver se deve ou não ser cumprida uma lei aprovada licitamente pelo parlamento brasileiro. Democracia, no Brasil de hoje, é isso aí.